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CEO 'prata da casa' inspira a fazer carreira na companhia

Fonte: Valor Econômico

Por Karla Spotorno | Para o Valor, de São Paulo
 
Marcos Ferreira, presidente da BB e Mapfre nas áreas de auto, seguros gerais e affinities, percorreu um longo caminho até conquistar o cargo na empresa.

Osmar Della Valentina, 53 anos, assumiu a presidência do grupo Gazin em janeiro deste ano. A nomeação não surpreendeu a ele nem a ninguém na empresa do interior do Paraná. A possibilidade foi levantada pela primeira vez há sete anos, segundo o executivo. Ao longo de todo esse tempo, Della Valentina foi se preparando. Assumiu mais responsabilidades na companhia. Fez MBA em gestão empresarial e marketing pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo (FGV-SP). Participou de programas de preparação de acionistas e herdeiros junto com os sócios e seus filhos. Em setembro de 2011, assumiu a diretoria comercial do grupo. Na prática, tornou-se o braço direito do sócio-fundador e ex-CEO, Mário Gazin.

Quem conhece a Gazin, conhece Mário. O empresário é uma figura presente, carismática e referência para os mais de 7,2 mil funcionários distribuídos em 13 Estados. Mesmo depois de se afastar do cargo executivo, ele frequenta as lojas, as fábricas e os centros de distribuição da empresa que tem como sócios outras quatro pessoas da família. Foi por conhecer o empresário que Della Valentina abriu mão da carreira que tinha no então Bamerindus, há 19 anos. Em 1995, assumiu o projeto de criar o negócio do atacado no grupo Gazin. A área responde hoje por, aproximadamente, metade da receita da empresa.

Para Della Valentina, a carreira de quase duas décadas dentro do grupo Gazin foi essencial para a transição no cargo de CEO ocorrer sem traumas. "Trabalhar aqui há tanto tempo me fez entender como os sócios pensam, como é a cultura, o jeito de agir e também permitiu que eu conhecesse as outras áreas, como a indústria, o varejo e os serviços", afirma. "Acho que seria mais difícil para alguém que viesse de fora."

Essa percepção vale para todas as empresas, não só aquelas com uma cultura organizacional tão forte quanto a Gazin. "Um executivo escolhido internamente conhece o caminho das pedras e, portanto, tem desafios menores do que aquele que chega do mercado", diz Alexandre Fialho, presidente da área de liderança e talentos para América Latina da empresa de recrutamento e consultoria Korn Ferry. Uma das maiores diferenças é que um funcionário de carreira já conhece as regras corporativas não formais - ou seja, as normas de conduta essenciais para o bom andamento do trabalho, mas que não estão nos manuais. São detalhes importantes que exigem a vivência e a convivência.

A nomeação de um funcionário "prata da casa" também tende a reduzir o tempo de adaptação dos funcionários da empresa ao novo comandante, e vice-versa. "Não tem o período de 'onboarding', que pode ser traumático para quem entra e para quem está lá", diz o executivo da Korn Ferry. Em sua opinião, a probabilidade de um funcionário de carreira rapidamente ganhar legitimidade como número 1 é muito maior do que na hipótese de o novo CEO vir do mercado. Afinal, é um executivo com um histórico de reconhecimento dentro da empresa tanto por parte da alta direção como por parte dos funcionários.

Promover alguém que já trabalha na companhia dispara algumas mensagens positivas para os funcionários. A primeira é a oportunidade de carreira que a organização oferece. Em uma empresa familiar, como é o caso da Gazin, ou em empresas com hierarquia achatada, esse é um atributo louvável. "Quem não oferece essa perspectiva precisa compensar com uma melhor remuneração."

Diogo Forghieri, gerente regional da Randstad Professionals, vai além. Para ele, em grandes empresas de setores como serviços e tecnologia a possibilidade de ascensão é crucial para o engajamento dos colaboradores. Nomear um funcionário de carreira para a principal cadeira da corporação é o mesmo que dizer para todos os outros "aposte mais na empresa, invista na sua carreira aqui dentro". "Ter uma 'prata da casa' no cargo de CEO serve de inspiração para os colaboradores, e isso é fundamental nesses setores, que dependem ainda mais fortemente das pessoas."

Não por coincidência, muitas das "Melhores Empresas em Gestão de Pessoas" premiadas na semana passada pela revista Valor Carreira deste ano, parceria entre a consultoria Aon e o Valor, têm um funcionário com esse perfil no cargo de CEO. É o caso da Gazin, do Bradesco, da Embraer e da BB e Mapfre, para citar alguns exemplos.
 
             Osmar Della Valentina, há 19 anos na Gazin, assumiu a presidência neste ano.
 
Marcos Ferreira, presidente da BB e Mapfre nas áreas de auto, seguros gerais e affinities, percorreu um longo caminho até chegar ao cargo de presidente-executivo. O primeiro posto foi de auditor interno júnior. A trajetória profissional de Ferreira ajuda a desconstruir a visão estereotipada do funcionário de carreira que nunca experimentou outra cultura corporativa e organização. Basta olhar o currículo para entender que ele trabalhou em várias empresas sem nunca ter sido mandado embora ou pedido demissão.

O executivo foi contratado pela seguradora Vera Cruz no fim dos anos 80. Em 1992, a companhia foi comprada pelo grupo espanhol Mapfre. Mais de uma década depois, Ferreira já havia passado por várias áreas dentro da companhia. Foi então que, em 2005, foi convidado a presidir a joint venture entre o banco Nossa Caixa e a Mapfre. Em 2010, o Banco do Brasil e o grupo espanhol firmaram uma parceira de 20 anos para constituir a BB e Mapfre. Nesse mesmo ano, Ferreira foi nomeado presidente de uma das duas holdings que constituem o conglomerado. "Assim como eu, vários colegas que entraram na companhia foram crescendo ao longo de todo esse tempo", diz.

É verdade que as únicas experiências do profissional fora do mercado de seguros foram ao exercer o estágio de um ano exigido pelo curso técnico em mecânica e, anos mais tarde, quando foi sócio de uma indústria e comércio de madeira. Mesmo para essa questão, o executivo 'prata da casa' faz um contraponto. "Na área de seguros, temos de conhecer e discutir particularidades e riscos de empresas dos mais diferentes setores e tamanhos. Isso faz com a gente milite em várias áreas". Ferreira também responde por questões administrativas do grupo, entre elas as ligadas a políticas e práticas de RH.

Os especialistas em seleção de executivos para a alta direção alertam, porém, que nem sempre a melhor escolha para uma empresa pode estar no quadro de funcionários. "A maioria das trocas de presidente de empresa é feita internamente, e isso está correto", diz Dárcio Crespi, sócio-diretor da Heidrick & Struggles. "Entretanto, quando a empresa ou o negócio passa por uma mudança muito grande, pode ser melhor buscar alguém no mercado", ressalta.

Forghieri, da Randstad Professionals, concorda. "Quando é preciso quebrar alguns paradigmas e heranças de gestão, o ideal é contratar alguém", diz. Para Fialho, da Korn Ferry, somente um executivo de fora consegue, em geral, romper com o "acordo tácito de mediocridade" conduzido pelos funcionários de uma companhia, inclusive pelo corpo executivo. Na Heidrick & Struggles, Crespi observa que a procura por candidatos a CEO geralmente ocorre por organizações que vivem um desafio de mercado, ou mesmo de expansão dos negócios, jamais experimentado. Fusões, aquisições, mudanças na concorrência e na legislação são fatos que costumam alterar as demandas para a alta direção mais rapidamente.

Mesmo as companhias com programas de sucessão bem executados podem sofrer com mudanças de rumo. O presidente em potencial pode receber uma proposta milionária de trabalho e decidir partir para o concorrente. Ou uma companhia estrangeira estreia no mercado comprando parte da empresa, exigindo novos atributos do CEO. "Muitos programas de sucessão em vários países não funcionam em sua plenitude por conta dessas mudanças. Quando não há a competência interna para a nova necessidade da empresa, é preciso buscar fora", diz Crespi.

Algumas vezes, trata-se de uma necessidade temporária. Forghieri relata que cerca de 20% da demanda da Ransdtad Professionals para posições de CEO no Brasil têm sido para posições transitórias. "É o executivo que chega em um momento de mudança profunda na companhia. Ele entra para 'fazer uma faxina'", diz.

Esse "CEO terceirizado", como denomina o consultor, é um executivo capaz de conduzir mudanças de processos, de estrutura organizacional e, até mesmo, de cultura, para pouco depois sair da empresa. "Geralmente, quem aceita esse desafio é o profissional em um momento de carreira em que não faz mais sentido assumir projetos de cinco ou dez anos". Certamente, um perfil muito diferente do executivo "prata da casa".
 

 

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