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Um ano de virada na previdência

Fonte: Valor Econômico

Por Sérgio Tauhata | De São Paulo

O resultado da previdência privada aberta em 2014 poderia ser lido como mais um ano tranquilo para as seguradoras responsáveis pelos planos PGBL e VGBL: o patrimônio líquido, segundo levantamento das consultorias NetQuant e Towers Watson com 927 fundos do setor, cresceu expressivos 18,92%. Mas o número positivo esconde uma história de fortes oscilações e uma virada que se consolidou apenas a partir do segundo semestre. Foi como um filme de suspense: até metade do ano passado a captação líquida estava 31% abaixo da registrada no mesmo período de 2013.

Os números do início do ano passado indicavam um roteiro e um desfecho pessimistas. Janeiro de 2014 repetiu os piores momentos de 2013, com o terceiro saldo negativo em sete meses nos fundos que recebem recursos dos planos PGBL e VGBL. O drama começou em julho de 2013, primeiro mês em que resgates superaram entradas desde a crise de 2008. Além disso, dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) mostram que, até meados de março de 2014, a captação bruta do setor se manteve abaixo de igual período do ano anterior.

A recuperação começou a partir de abril. O setor se beneficiou da melhora geral dos mercados no país com o efeito das pesquisas eleitorais. Impulsionados pelo desempenho da renda fixa, os PGBLs e VGBLs mantiveram o ritmo de captação ao longo do segundo semestre rumo a um final feliz.

Segundos o levantamento da NetQuant e da Towers Watson, em 2014, a renda fixa captou sozinha R$ 32,5 bilhões, líquidos, enquanto os multimercados contribuíram com mais R$ 1,4 bilhão. No entanto, portfólios com fatias em renda variável tiveram saldo negativo de R$ 4 bilhões em 12 meses até dezembro, o que levou a captação líquida dos fundos do setor para a casa dos R$ 30 bilhões no ano passado.

E assim como em muitos enredos conhecidos, um personagem se destacou nesse jogo da virada. Não fosse a Brasilprev, a captação líquida do setor teria sido 63% menor. O braço de previdência privada do grupo BB Seguridade contribuiu com nada menos que R$ 19 bilhões de saldo positivo, ou seja, quase dois terço do resultado obtido pelos PGBLs e VGBLs de todas as seguradoras no ano passado.

Trata-se de um crescimento expressivo sobre uma participação que já havia sido destaque em anos anteriores. Conforme dados da NetQuant e Towers Watson, em 2013, a captação líquida da Brasilprev representou 48% de todo o setor. E, em 2012, a seguradora do Banco do Brasil havia sido responsável por 37% do saldo positivo dos planos de previdência aberta.

O desempenho, de acordo com Mariane Bottaro, superintendente de estratégia da Brasilprev, ocorre por conta do trabalho de venda junto à base de clientes do BB, aliada a uma estratégia de educação financeira e um esforço para prestar esclarecimento sobre a dinâmica das aplicações durante as turbulências pelas quais os mercados passaram nos dois últimos anos. O trabalho foi realizado tanto junto aos poupadores quanto aos próprios gerentes da rede do banco. "Fizemos 'road shows', em 2013 e 2014, no qual percorremos 12 praças no Brasil. Isso ajudou a manter os clientes, a ter menos saídas dos planos", diz.

O forte crescimento da captação levou a Brasilprev a superar os R$ 100 bilhões de ativos sob gestão ao fim de 2014 e, com isso, a conquistar a segunda colocação no ranking de maiores seguradoras do setor, atrás apenas da Bradesco Vida e Previdência. Para isso, o braço de previdência do BB teve de desbancar a Itaú Unibanco Vida e Previdência. "Só em produtos PGBLs e VGBLs estamos com R$ 103 bilhões de ativos sob gestão", conta Mariane.

Na avaliação de Osvaldo Nascimento, presidente da Fenaprevi, os resultados fracos no primeiro trimestre de 2014 foram uma espécie de "herança" da instabilidade de 2013, quando a abertura da curva de juros futuros gerou forte volatilidade na renda fixa, em especial, em papéis mais longos. "A partir de maio de 2013, [com o início da subida de juros pelo Banco Central, em abril], passamos a ter uma captação menor e, em paralelo, passamos a ter um volume de resgates maior. Entramos 2014 num ambiente de instabilidade tanto na curva de juros quanto no cenário político, devido às eleições presidenciais", explica. Com condições mais complexas, a Fenaprevi chegou a estimar crescimento de cerca de 10% no ano.

Entretanto, segundo Nascimento, a captação líquida surpreendeu e fechou o ano com mais de 20% de aumento. "Houve uma queda bastante relevante dos resgates, em comparação a 2013, o que fez a captação líquida crescer mais", afirma.

Embora o crescimento do mercado tenha surpreendido, em termos de rentabilidade, ficou a dever em 2014. Os retornos médios de todas as classe dos fundos de previdência perderam do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), que subiu 10,81% no ano passado. As carteiras de renda fixa que recebem recursos de PGBLs e VGBLs tiveram ganho médio de 9,45%, enquanto os multimercados renderam 9,14% no período.

O desempenho ruim da bolsa levou os fundos com fatia em renda variável a perder até da tradicional poupança, que rendeu 7,08% em 2014. Os portfólios com até 15% de ações tiveram retorno de 6,87%, aqueles com até 30% registraram ganhos de 5,53% e os com até 49% de participação em bolsa tiveram rentabilidade de 3,14%, segundo a pesquisa da NetQuant e Towers Watson.

Para 2015, a visão geral é que será, novamente, mais um ano de brilho para a renda fixa. Segundo Humberto Vignatti, gestor dos fundos de previdência da Porto Seguro, a casa trabalha com um cenário base no qual o BC deve elevar a Selic até o patamar de 13% ao ano. "Nesse caso, o retorno médio do CDI ficaria ao redor de 12,5%, o que já representaria ganho relevante." Além da elevação do referencial conservador, a subida da taxa básica teria impacto limitado na curva futura, porque, avalia o gestor, "o mercado já precifica a Selic no patamar dos 13%".

Vignatti, no entanto, chama a tenção para o efeito do ajuste fiscal prometido pela nova equipe econômica sobre as expectativas futuras, o que pode causar volatilidade no curto prazo. Para o especialista, este deverá ser um ano de arrumação para preparar o terreno a um desempenho mais favorável da economia para 2016. "Tem de se levar em consideração não só a parte curta da curva [de juros], mas também a intermediária e a longa. Os mercados vão monitorar o êxito da politica fiscal. Nós trabalhamos com a expectativa que a execução fiscal seja bem sucedida."

Felipe Bottino, gerente de produtos de previdência da Icatu Seguros, considera 2014 como "o ano do crédito privado na previdência". Na avaliação do gestor, os papéis de empresas podem render "um pouco mais que o CDI" e representam uma maneira de melhorar o desempenho do portfólio sem correr risco de volatilidade em relação ao referencial conservador. Da mesma maneira que no ano passado, em 2015, a atratividade desses ativos deve seguir elevada, com o custo de oportunidade dado pelo CDI ainda mais alto.

Na visão de Bottino, embora o investidor tenha se decepcionado com ativos de inflação a partir de 2013, neste ano, papéis indexados a índices de preços devem "voltar a performar um pouco melhor", assim como ocorreu em 2014. "Nos títulos longos consegue-se travar retornos de mais de 6% de ganho real ao ano. Isso nos parece uma oportunidade. O risco de renda fixa longa talvez seja mais atrativo que o risco de bolsa", afirma.

Conforme Nascimento, a Fenaprevi trabalha com uma perspectiva de crescimento do setor em 2015 "acima de 10% e, provavelmente, mais perto de 14%", mesmo que seja um ano de austeridade fiscal e crescimento baixo, "em que o governo vai ter de apertar o cinto". Conforme o presidente da entidade, as dificuldade do ano passado não impediram que "a previdência privada tenha sido um dos setores que melhor performou em termos de crescimento em comparação a outros da economia brasileira". Do mesmo modo, neste ano, a captação deve manter o ritmo dos últimos anos.

Um dos segmentos que deve contribuir para o desempenho em 2015 é o de planos corporativos. De acordo com o diretor de Vida e Previdência da SulAmérica, Fabiano Lima, produtos destinados a empresas cresceram a uma taxa duas vezes superior a dos individuais. "Os planos vendidos diretamente para pessoas físicas cresceram 10% no ano passado, enquanto produtos coletivos vendidos para empresas aumentaram 21% no período", afirma.

Segundo o executivo, há um espaço grande de crescimento nesse nicho, impulsionado pelo maior interesse das companhias em oferecer planos de previdência como mecanismo de atração e retenção de talentos dentro da organização. "Há um espaço importante para crescimento no individual, mas ainda mais forte nos planos coletivos, com as empresas tentando melhorar seus pacotes de benefícios", explica.


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