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Os Tigres mostram os dentes


Fonte: Época Negócios - Por Fernando Valeika de Barros, de Seul E Frankfurt

Como a Hyundai e a Kia, duas marcas de automóveis do mesmo conglomerado coreano, se tornaram ícones de design, tecnologia e qualidade, enquanto a concorrência naufragava na borrasca da crise global


FÁBRICA DA HYUNDAI
Estilo de produção regido pelo mantra “planejar, fazer, verificar, agir, solucionar e progredir” Nas fábricas de automóveis da Coreia do Sul é comum encontrar uma frase estampada nas paredes: “Construa rápido, enxergue os problemas e ouça logo o que os consumidores dizem”. Esse mote dá o tom da reviravolta que tomou conta das montadoras coreanas, até pouco tempo atrás vistas como produtoras de carros baratos, funcionais e sem nenhum charme. A frase é uma adaptação do sistema kaizen criado no Japão e popularizado mundo afora pela Toyota. É também um manifesto da ambição coreana de produzir alguns dos melhores e mais desejados carros do mundo. A moderna fábrica da Hyundai em Asan, cidade a 80 quilômetros da capital, Seul, é uma espécie de materialização dessa ambição. A linha de montagem, extremamente organizada, é tocada por 4 mil operários e tem robôs por todos os lados. Ali são montados os sedãs Sonata e Grandeur a uma cadência de um carro a cada sete minutos. Só na área das prensas são 330 máquinas. No setor de pintura há outras 62. Apesar de toda a opulência tecnológica, o que mais chama a atenção é uma profunda obsessão pela qualidade, seja do produto, seja do processo de fabricação.

Na unidade de Asan, os funcionários são estimulados a seguir um mantra marcado por seis ações: planejar, fazer, verificar, agir, solucionar, progredir. Quem tiver uma boa ideia para corrigir falhas ou melhorar a produção recebe estímulos na forma de bônus e promoções. Apenas no ano passado, os funcionários enviaram 25 mil sugestões para a direção da empresa. Uma delas recomendava, por exemplo, que um dos robôs do ciclo de produção fosse trocado de lugar. A medida gerou economia de três segundos no processo de montagem dos carros. Parece pouco, mas em apenas um dia, essa providência possibilitou a produção de 60 carros a mais na linha de montagem. Outra sugestão recomendava a adoção de uma mesma tampa para os pneus sobressalentes dos modelos Sonata e XG 350 – que, até então, eram diferentes. Mero detalhe, dirão alguns. Um ano depois, a economia gerada alcançou US$ 1,2 milhão. Ao mesmo tempo em que perseguem a melhoria contínua dos processos de produção por meio da redução de desperdícios, os funcionários se engajaram numa verdadeira cruzada para banir defeitos e problemas de acabamento nos automóveis. Tal preocupação tornou a Hyundai uma das líderes dos rankings globais de qualidade – à frente de concorrentes como Mercedes-Benz e Toyota. “Ficou óbvio para nós que só conseguiríamos virar o jogo se a percepção dos carros coreanos fosse a de produtos benfeitos”, diz Oles Gadacz, diretor de comunicação mundial da Hyundai.

Curiosamente, tal percepção acabou se consolidando justamente em meio à pior crise da indústria automobilística dos últimos 60 anos. Enquanto a cidade de Detroit, epicentro da indústria automobilística americana, mergulhava no fundo do poço e as grandes montadoras europeias e japonesas registravam um desempenho para lá de anêmico, a Hyundai e sua coligada Kia cresciam. A concorrência fechou fábricas? Pois os coreanos estão abrindo. Nos últimos meses, a Hyundai-Kia fincou novas linhas de produção na China, na Índia e no sul dos Estados Unidos. Entre os planos para o futuro está a instalação de uma linha de montagem no Brasil para a produção de um carro compacto.

Enquanto concorrentes como Toyota, GM, Volkswagen e Ford viram as vendas despencarem, a Hyundai-Kia fechou o primeiro semestre de 2009 com um crescimento de 12% em comparação ao mesmo período do ano passado. Com 2,1 milhões de unidades vendidas entre janeiro e junho deste ano, os coreanos passaram à quarta colocação no ranking da produção global de carros, ultrapassando a Ford. No início da década, o grupo ocupava um discreto 11º lugar no ranking mundial. De janeiro a agosto passado, os coreanos abocanharam 8% do mercado dos Estados Unidos, o maior do planeta, desbancando a Chrysler, que ficou com 7,6% das vendas. A bonança em meio à desolação generalizada das concorrentes também respingou em outras empresas baseadas na Coreia do Sul. A Daewoo, pertencente à GM, ganhou novo status no combalido conglomerado americano. Nos últimos meses, a unidade coreana tornou-se um dos pilares da nova estratégia global da empresa, como centro de desenvolvimento de modelos.

MOTIVO DE PIADAS
Não faz muito tempo, os automóveis coreanos pertenciam a uma espécie de segunda divisão no mundo dos carros. Desde os anos 80, eram fabricados em quantidade, é verdade, quase sempre para exportação. No entanto, os ganhos de escala estavam longe de significar progressos em qualidade. O único atributo que tinham a oferecer aos compradores era o preço imbatível. Um dos símbolos destes tempos pioneiros foi o Hyundai Excel, o primeiro carro made in Korea a tentar a sorte no concorrido mercado americano, nos anos 80. Vender bem, até que vendeu: 126 mil unidades, apenas em 1985. O problema era a má qualidade do carro, que o transformou em anedota. Na hora da revenda, o preço descia a ladeira. Segundo um levantamento do site americano Edmunds.com, realizado em 2004, um Excel coreano desvalorizava 81% em cinco anos. Um Honda Civic japonês, por outro lado, perdia apenas metade do seu valor no mesmo período.

A reviravolta nessa constrangedora reputação começou há pouco mais de uma década, quando a Coreia do Sul foi abalroada por uma violenta convulsão. Em 1997, um forte ataque especulativo ao won, a moeda sul-coreana, destroçou a economia. Os fabricantes de carros – e de vários outros produtos – foram à bancarrota. A Asia Motors quebrou. Daewoo, Samsung Motors e SsangYong só não desapareceram porque foram forçadas pelo governo a procurar sócios no exterior – a Daewoo foi incorporada à GM, a Samsung à Renault e a SsangYong à chinesa SAIC. Socorrida com injeções de dinheiro público, a Hyundai salvou-se, mas teve de promover uma pesada reestruturação em sua operação e ainda absorver a Kia, que estava praticamente falida. Foi a única aquisição da companhia em sua história – por filosofia, os coreanos acham que ao adquirir outras empresas também compram problemas.

Se existiu um lado positivo nessa hecatombe é que ela forçou o setor automobilístico a buscar eficiência. “Para sobreviver, as empresas coreanas tiveram de se reinventar e isso acabou sendo saudável”, disse a Época NEGÓCIOS o americano Jack Keaton, vice-presidente do centro de desenvolvimento de veículos da GM Daewoo baseado na cidade de Bupyeong. “Elas se tornaram mais eficientes e perceberam que só resistiriam se melhorassem os carros e buscassem novos mercados.”

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