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Recuperação de desastres: quem paga a conta? Um roteiro para o Brasil

Fonte: Jornal do Commercio - RJ

MICHEL LIES PRESIDENTE DE PARCERIAS GLOBAIS DA SWISS RE

As perdas provocadas por catástrofes naturais em todo o mundo estão aumentando. O Brasil antes era considerado uma "zona segura", mas as estatísticas mostram que o risco de enchentes está cada vez maior. As enchentes devastadoras que atingiram o Brasil em janeiro passado mataram mais de 800 pessoas, deixaram 6.000 desabrigados e forçaram outras 8.000 pessoas a buscar moradias temporárias. Esse foi o mais mortífero desastre natural já registrado no país, atingindo diversas cidades e forçando o governo a conceder R$ 730 milhões (US$ 460 milhões) em auxílio de emergência. Além de ceifar várias vidas, arrastar animais, carros e árvores, a água destruiu residências e causou o colapso dos sistemas de comunicação e distribuição de energia elétrica. Três cidades ficaram sem água potável, gerando preocupações com doenças e desidratação.

Em termos globais, o custo financeiro das catástrofes aumentou cinco vezes ao longo dos últimos 30 anos: de uma média anual de R$ 39 bilhões (US$ 25 bilhões) na década de 1980 para R$ 206 bilhões (US$ 130 bilhões) no período de 10 anos encerrado em 2010. Como uma das locomotivas do crescimento global, o Brasil viu sua exposição ao risco de enchentes aumentar mais do que proporcionalmente.

A Swiss Re estima que, atualmente, mais de 19 milhões de brasileiros estejam expostos ao risco de transbordamento de rios, e 14 milhões ao risco de inundações repentinas. Ainda assim, a penetração dos seguros continua baixa, com apenas 3.1% da população adquirindo esse tipo de proteção. Entre os segmentos de renda mais baixa, o acesso à cobertura de seguro é ainda mais baixo.

Essas estatísticas desafiadoras estão levando mais economistas, políticos e cidadãos a perguntar quem pagará a conta de uma calamidade de vulto. Embora seja o setor público que realoque verbas orçamentárias, aumente impostos ou adote medidas de austeridade, em última análise, quando ocorre um desastre é o cidadão comum que suporta o peso das perdas econômicas da sociedade.

Após as enchentes do ano passado, o governo brasileiro alocou cerca de R$ 730 milhões (US$ 460 milhões) para ajudar os cidadãos afetados a recuperar seu bairro e reconstruir suas casas. Embora essa soma possa parecer irrisória em face do orçamento como um todo, no final das contas tais recursos poderiam ser utilizados para atender a outras prioridades nacionais.

No caso das enchentes brasileiras, as perdas econômicas foram estimadas em mais de R$1,9 bilhão (US$ 1,2 bilhão) e as opções para sua prevenção e atenuação continuam limitadas, enquanto a recorrência e severidade de tais eventos só deve crescer. Além disso, normalmente os repasses de recursos governamentais não cobrem integralmente o custo econômico da catástrofe nem solucionam as questões de longo prazo da gestão soberana abrangente dos riscos.

Uma abordagem integrada para gestão de riscos de desastres ajudaria o governo (em vários níveis) a organizar e coordenar o financiamento dos esforços de reconstrução e recuperação com maior eficácia. Essa abordagem, denominada "macrosseguro", protege os governos dos efeitos financeiros de desastres naturais ou causados pela ação do homem. Tal estratégia permitiria ao governo brasileiro a cobertura de sua exposição a catástrofes a um custo compensador, enquanto as medidas de prevenção tornar-se-iam parte de um processo de planejamento mais amplo, reduzindo assim o perfil de risco do país como um todo. O macrosseguro também pode ser usado para aumentar a capacidade de recuperação de setores econômicos importantes, como a agricultura, estimulando a produção de alimentos em um momento em que calamidades climáticas estão levando à volatilidade na produção global de produtos alimentícios. Finalmente, com o desenvolvimento de produtos viáveis, como o microsseguro para aqueles que vivem na linha de pobreza, o Brasil poderia ajudar a reduzir os custos para os mais vulneráveis.

Felizmente, o Brasil não precisa começar do zero, podendo aproveitar a experiência de seus vizinhos da América Latina.

Diversos governos da região optaram pelo uso de instrumentos inovadores, como seguros paramétricos para a proteção contra os custos imprevistos e as dificuldades apresentadas por catástrofes de vulto.

Coberturas paramétricas são uma forma nova de seguro, que utiliza as características observáveis da catástrofe para efetuar um pagamento rápido ao comprador.

No caso brasileiro, tal cobertura poderia examinar as precipitações pluviométricas ao longo de um período definido e pagar ao governo quando fosse ultrapassado um determinado patamar.

Em 2007, foi constituída a Caribbean Catastrophe Risk Insurance Facility (Linha para Seguro de Risco de Catástrofes no Caribe), destinada a oferecer a 16 países do Caribe tal proteção de macrosseguro contra o risco de furacões. Os pagamentos feitos após as calamidades, como os pagamentos apenas duas semanas após o Furacão Tomas, em novembro de 2010, ou o terremoto no Haiti, em janeiro de 2010, permitem que os governos cubram os custos mais prementes sem prejudicar os orçamentos ou fundos de estabilização econômica nem elevar impostos.

Outros governos já usaram tais soluções paramétricas, inclusive o do México, e elas estão sendo cada vez mais procuradas pelos governos de países industrializados.

Em julho de 2010, o estado norte-americano do Alabama tornou-se o primeiro governo de um país industrializado a adquirir seguro paramétrico para a proteção contra os efeitos financeiros dos furacões.

Os governos também usaram soluções de macrosseguro para proteger a exposição do setor agrícola, fundamental para muitas economias. Sem seguro contra secas, os agricultores não apenas estão expostos a quebra de safras e perda de rendimentos, mas também se tornam menos produtivos por hesitarem em comprar sementes e fertilizantes pelo receio de perder seu investimento. No México, as soluções paramétricas são um componente importante do sistema de seguro agrícola do governo, que usa métodos inovadores, como imagens por satélite, para fornecer aos pequenos agricultores um pagamento rápido caso suas culturas ou rebanhos sejam afetados pela seca.

Usada em conjunto com a cobertura paramétrica para inundações, a cobertura contra seca permite que o governo proteja sua exposição financeira tanto ao excesso quanto à falta de chuva.

De modo geral, os seguros são reconhecidos como um impulsionador do crescimento e da estabilidade econômica, de modo que os governos podem adotar medidas para aproveitar a capacidade do setor de (res)seguros para proporcionar maior inclusão financeira e proteção aos menos favorecidos. Em nível individual, os produtos de microsseguro paramétrico também estão sendo usados atualmente para levar a cobertura contra catástrofes a pessoas que antes eram consideradas como não seguráveis e que, com frequência, são as mais expostas ao risco climático.

No primeiro programa desse tipo, a Swiss Re lançou um esquema no Haiti, por intermédio de empresas de microfinanciamento, para oferecer aos pequenos empreendedores, os carentes que têm pequenos negócios, uma solução que os ajude a recuperar-se de catástrofes naturais. A MiCRO (Microinsurance Catastrophe Risk Organization - Organização de Microsseguros contra Risco de Catástrofes) oferece apólices de microsseguro que usam acionadores paramétricos e um processo inovador de liquidação de sinistros. Por meio do apoio de doadores e organizações de auxílio internacional, a MICRO lançou sua cobertura piloto em conjunto com a Fonkoze, importante instituição de microfinanciamento, com a visão de longo prazo de vir a proteger os haitianos dos riscos de outras calamidades naturais severas.

Atualmente, uma quantidade crescente de catástrofes e eventos climáticos está evidenciando a natureza entrelaçada e frágil da economia global. Embora, por tradição, o Brasil seja relativamente imune a tais calamidades, essa situação pode não durar para sempre.

Em média, as enchentes já causam ao Brasil perdas econômicas de R$ 429 milhões (US$ 270 milhões) por ano, e é provável que a mudança do clima venha a aumentar a frequência e severidade das precipitações intensas na região, uma das principais causas de inundações.

Além do custo econômico, tais tragédias acarretam um custo humano em termos de perda de vidas, destruição de comunidades e perda de meios de sustento.

Parcerias público privadas (PPP) para a gestão de riscos firmadas entre o governo brasileiro e o setor de (res)seguros não podem evitar a ocorrência de tais catástrofes; entretanto, a adoção de uma abordagem soberana abrangente para a gestão de riscos, por meio de sua identificação, prevenção/atenuação e transferência, em níveis micro e macro, faz com que seja mais fácil suportar as dificuldades geradas pelos desastres e permite uma recuperação mais rápida.

De modo geral, os seguros são reconhecidos como um impulsionador do crescimento e da estabilidade econômica, de modo que os governos podem adotar medidas para aproveitar a capacidade do setor de (res)seguros para proporcionar maior inclusão financeira e proteção aos menos favorecidos

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