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Esquenta o debate sobre os planos de saúde

Fonte: Correio do Brasil

A questão da regulação dos planos de saúde pela Câmara dos Deputados causa desconforto – para não dizer escândalo – entre os envolvidos com o tema e traz à tona uma discussão que envolve o Estado, os convênios médicos, os consumidores, os médicos e as cooperativas municipais de saúde.

Nessa queda de braço de interesses tão distintos, a Subcomissão de Saúde Complementar da Câmara recebeu críticas ácidas ao chamar a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE) – exatamente o setor a ser regulado – a elaborar um roteiro de trabalho para as discussões dos parlamentares.

Dagoberto José Steinmeyer Lima, representante da entidade, foi convidado a sentar-se à mesa, ao lado do presidente da subcomissão, deputado André Zacharow (PMDB-PR), para a apresentação dessa proposta de roteiro elaborada pela entidade para nortear os debates.

Sub-debate

Para a doutora Lígia Bahia, professora-adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-presidente da Associação Brasileira da Saúde Coletiva (ABRASCO), a participação da ABRAMGE numa situação de tamanho destaque é lamentável. “Esta sub-comissão expressa o sub-debate que o Congresso tem travado sobre a Saúde no país”, afirma. Para ela, não dá para dissociar a questão dos planos de saúde de um contexto mais amplo da área como um todo.

Lígia acompanha a regulação do setor, desde as discussões que culminaram na lei 9656. A lei, que rege os planos de saúde, foi promulgada em 1998 e, desde então, vem sendo objeto de detalhamentos. “Na ocasião da sua promulgação, as seguradoras viam na regulamentação uma moeda de troca para ser usada a favor da abertura do setor ao capital estrangeiro”, contextualiza a professora.

Por outro lado, a sociedade convivia com uma série de denúncias de casos em que os planos de saúde se recusavam a cobrir os tratamentos mais caros de seus segurados. Outro vetor que enriquecia a discussão era composto pelas entidades de médicos, que buscavam dar a sua contribuição às discussões. Por fim, havia também as UNIMEDs, regidas por uma legislação de cooperativas.

Cobertura ampliada

Daquele embate, a lei garantiu a cobertura de planos segundo o código internacional de doenças, o que ampliou muito o escopo de obrigações dos planos de saúde. A legislação também exigiu das empresas do setor reservas técnicas para poderem enfrentar obrigações futuras. E definiu, ainda, que os órgãos que regulariam o setor seriam os ministérios da Saúde e da Fazenda. “Em 2000, criou-se a Agência Nacional da Saúde Suplementar, que tem um contrato de gestão com o Ministério da Saúde, e a regulação foi centralizada nela”, lembra a médica.

Mas há, ainda, muito a ser regulado. “Precisamos avançar na definição de um sistema brasileiro de saúde – a lei não se refere à existência do SUS e, portanto, trata as empresas de planos como um setor à parte”, aponta a dirigente da ABRACO. Para ela, os planos de saúde devem ser vistos como parte do sistema de saúde no Brasil.

Outro ponto crucial posto na mesa é a questão do ressarcimento dos planos de saúde aoatendimento prestado aos seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “É preciso definir a questão para garantir a operacionalização de um dispositivo de justiça contábil, assim como detalhar a clara definição do papel assistencial de um plano ou seguro de saúde”, diz ela. Lígia acrescenta: “não faz sentido estar vinculado a um plano de saúde para ser atendido pelo SUS”.

Ressarcimento ao SUS

Lígia Bahia Para Lígia, se as coberturas dos planos fossem tão abrangentes quanto são suas promessas publicitárias, simplesmente não haveria necessidade de ressarcimento algum ao SUS. A dirigente da ABRACO afirma que, na prática, este pagamento tem sido praticamente inexistente. “As normas que detalharam a questão o reduziram sensivelmente apenas às internações eletivas – ficaram de fora as emergências, medicamentos (por exemplo, para hepatite, ou os imunossupressores), além de procedimentos ambulatoriais de alto custo, como os que envolvem o tratamento de câncer ou da hemodiálise.”

“Nem mesmo as internações eletivas têm sido objeto de ressarcimento. As empresas recorrem e não pagam”, relata Lígia.
Ela se ressente do que chama de debate paroquial sobre o tema. “Os assuntos da saúde devem ser tratados sistemicamente, e não por partes”, cobra. Para a médica, a ANS, agência que deveria regular o setor foi “capturada” pelas empresas e o Legislativo é muito poroso aos lobbies do setor.

Lígia não é a única a se queixar da condução dos trabalhos da subcomissão. Em entrevista ao O Globo, um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina (CFM), Aloísio Tibiriçá Miranda, da Comissão de Saúde Suplementar da entidade, considerou a atuação da ABRAMGE uma ingerência indevida. “Fiquei preocupado quando foi apresentado o roteiro da nova legislação justamente por quem deve ser regulado, que são as operadoras”, criticou.

Lobby bem sucedido

Pesquisador no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer, um dos autores do estudo “Representação política e interesses particulares na saúde”, sobre financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde, faz coro às críticas. “É a volta do mesmo e bem-sucedido lobby, que atuou em outras ocasiões. Com total impedimento ético”, acrescentou.

Em O Globo, o deputado Zacharow, presidente da Subcomissão de Saúde da Câmara, defendeu-se afirmando que a subcomissão deve ouvir os vários segmentos que atuam no setor. Segundo o deputadoo, o roteiro elaborado pela ABRAMGE seria apenas uma orientação às discussões.

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