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O mais novo bilionário da bolsa

Fonte: O Estado de São Paulo

Em 14 anos, José Seripieri Junior mudou o mercado de planos de saúde, chegou à liderança e abriu o capital da sua Qualicorp, que hoje vale quase R$ 4 bilhões

Melina Costa

Aos 18 anos, as ambições do mais novo bilionário brasileiro eram modestas. José Seripieri Junior vendia tranqueiras do Paraguai para pagar o cursinho e, como tantos outros garotos da mesma idade, queria ser médico. Mas ele não passou no vestibular. Depois de tentar outras faculdades, Junior deixou os estudos para trabalhar e tornou-se vendedor - provavelmente, a profissão mais óbvia para jovens de classe média baixa em busca de ascensão rápida. Pois foi exatamente aí que sua trajetória se descolou da média de forma extraordinária e em tempo recorde.

A Qualicorp, concebida por Junior em suas andanças de porta em porta, tem apenas quatorze anos. Nesse período, criou o mercado de planos coletivos por adesão - no qual tornou-se líder -, recebeu aportes de dois dos maiores fundos de investimentos dos Estados Unidos e, há duas semanas, captou cerca de R$ 1 bilhão em sua abertura de capital na BM&FBovespa. Na última sexta-feira, a empresa valia R$ 3,8 bilhões na bolsa - desse total, pouco mais de R$ 1 bilhão está sob o controle de Junior. "E eu ainda acho que perdi tempo", diz o empresário de 43 anos, em sua primeira entrevista.

Os episódios recentes mostram a escalada na valorização da Qualicorp. Em 2008, o fundo General Atlantic comprou 46% na empresa por US$ 156 milhões. Dois anos depois, vendeu essa fatia para o fundo Carlyle por US$ 447 milhões. Hoje uma participação de 46% da Qualicorp vale, na bolsa, US$ 1,1 bilhão.

Há duas explicações para o crescente interesse dos investidores. A primeira é o potencial do setor de saúde em geral. Desde o início da década, o mercado de planos de saúde cresceu 48% - e apenas 23% da população brasileira têm acesso a esse tipo de produto. Some-se a isso a incapacidade do governo de oferecer saúde de qualidade a todos e o envelhecimento da população brasileira, e está criado o cenário para o crescimento de empresas do setor.

A segunda explicação está nas características da Qualicorp em específico. A empresa cresce junto com a venda de planos de saúde, mas sem arcar com os riscos atuariais, que ficam com as operadoras. A Qualicorp também se beneficia da expansão dos prestadores de serviços de saúde, porém não depende de reembolsos como as clínicas e hospitais. Hoje, cerca de 90% da receita da empresa é recorrente. As taxas de administração, consultoria ou corretagem são pagas mensalmente - o que traz previsibilidade ao negócio. "O setor de saúde tem enorme potencial no Brasil e a Qualicorp é uma das opções de melhor margem e maior crescimento", diz Ricardo Lacerda, sócio do banco BR Partners, que assessorou Junior nos negócios com Carlyle, General Atlantic e também no IPO.

Obstáculos. Para entender como a Qualicorp chegou até aqui, é preciso voltar aos anos 80. Milton Afonso, fundador da Golden Cross, era o "amigo rico" da família de Junior e, com a intenção de ajudar, ofereceu treinamento e uma concessionária de vendas ao garoto. "Como o pai dele era bom vendedor, achei que ele se sairia bem", diz Afonso, hoje com 90 anos. Apesar do empurrão, Junior se deparou com uma barreira aparentemente intransponível: ele era gago.

Para que seu negócio desse certo, Junior precisava, basicamente, vender planos de saúde por telefone. "Eu pegava o telefone e o salão de vendas parava. Era uma cena horrorosa. Um cutucava o outro e sempre tinha aquele que dava risada", diz. A saída foi começar a vender de porta em porta. Em três meses de operação, a concessionária de Junior apresentou o melhor desempenho entre as lojas de São Paulo.

Outro episódio que definiu sua trajetória veio logo em seguida. Junior teve a ideia de fechar um único contrato com uma entidade de classe que, por sua vez, ofereceria planos de saúde da Golden Cross para vários associados. Tratava-se da Associação de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Quem ajudou a abrir as portas foi o pai de Junior, ex-delegado.

A ideia trouxe uma inovação tremenda ao mercado. Na época, seguradoras e operadoras vendiam dois produtos: planos empresariais e individuais. Os empresariais, oferecidos por companhias a seus funcionários, eram mais baratos por conta do número maior de usuários por contrato. Ao fechar acordos com entidades de classe, Junior estendeu a mesma lógica aos associados, sem a necessidade do vínculo empregatício.

"O Junior inventou o mercado dos chamados planos coletivos por adesão. É o conceito da compra coletiva bem antes dessa onda na internet: quanto mais gente, maior o poder de barganha", diz Valter Hine, executivo que passou por operadoras de saúde e seguradoras e hoje trabalha na consultoria Swett & Crawford. Atualmente, dos 46,6 milhões de usuários de planos de saúde no País, 7,1 milhões têm planos coletivos por adesão.

No fim da década de 90, com os problemas financeiros enfrentados pela Golden Cross, Junior passou a vender os produtos da seguradora SulAmérica e teve de se responsabilizar ainda mais pelo processo: do atendimento aos usuários à inadimplência. Esse cenário acabou forçando a criação da estrutura que deu origem à Qualicorp. Hoje, a empresa tem um call center que recebe mais de 20 mil ligações por dia, vende planos de várias operadoras, acompanha os casos de pacientes e faz as cobranças, entre outros serviços.

Formou-se um modelo em que a Qualicorp, em uma frente, assume parte do trabalho administrativo que seria das operadoras e tenta diminuir o sinistro dos usuários. Em outra, a empresa usa seu poder de barganha para conseguir preços mais baixos para associações e empresas. A receita vem da cobrança de taxas por essa operação. "O mercado tinha peças soltas, que ninguém unia. Tenho uma definição: a Qualicorp é o óleo no meio de um monte de engrenagens para tentar facilitar a vida de todo mundo", diz Junior.

Se o conceito parece abstrato agora, era muito pior há alguns anos. Até a publicação de uma regulamentação da Agência Nacional de Saúde (ANS) em 2009, não havia regras para a prestação de serviços das chamadas "administradoras de benefícios". Além disso, o negócio com as associações de classe era visto, por muitos, como inseguro. A lei que rege o setor reconhecia a existência dos planos coletivos por adesão, mas como essa não era uma prática comum no mercado, havia sempre o medo de que os órgão reguladores ou mesmo o judiciário enquadrassem esses casos como planos individuais.

"Esse era o grande temor, já que os reajustes dos planos individuais são determinados pelos reguladores. E muita gente não queria correr o risco de ter prejuízo com os planos coletivos", diz Antonio Carlos Braga, fundador da Divicom, que teve parte de sua carteira vendida para a Qualicorp.

Cinza. A zona cinza que se criou no mercado explica, em parte, por que a Qualicorp é mais de dez vezes maior que sua principal concorrente no segmento. "Havia essa espada na cabeça das seguradoras. Os planos por adesão representavam um risco, mas, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Na própria SulAmérica havia gente contra e a favor do acordo com a Qualicorp", diz Jorge Bento da Silva, diretor da seguradora Mapfre e ex-vice-presidente da SulAmérica.

O tema era tão controverso que a Bradesco Seguros, maior do setor, só agora decidiu oferecer planos coletivos por adesão. Foi a regulamentação da ANS que atraiu seguradoras, operadoras e, como era de se esperar, concorrentes da Qualicorp. Até agora, americana Aon Affinity, maior corretora de seguros do mundo, é a que tem apresentado planos mais agressivos.

A empresa vai lançar, no segundo semestre, seu produto para associações de classe. A intenção é atuar mais fortemente fora do eixo Rio-São Paulo, onde a Qualicorp está mais concentrada. "O mercado não está tomado", diz José Macedo, presidente da Aon Affinity na América Latina. "Somos o maior distribuidor de seguro saúde nos Estados Unidos por meio de associações e sindicatos. Vamos usar todas as nossas ferramentas para atacar o mercado brasileiro."

A Aon não é a única. Segundo os últimos dados da ANS há, hoje, 69 administradoras de benefícios no País. Ainda é cedo para saber qual o impacto dos novatos na Qualicorp. Não é agora que a vida do ex-sacoleiro vai ficar mais fácil.

Os principais marcos na trajetória da Qualicorp desde sua criação, há 14 anos

1997

A Qualicorp começa a operar, com o objetivo de vender planos de saúde para associações de classe. José Seripieri Junior, o fundador, já trabalhava no setor desde a década de 80 e enxergou, antes que os concorrentes, a oportunidade dos planos coletivos por adesão

2005

A empresa, que vendia produtos da SulAmérica, aumentou seu poder de barganha. Junior conseguiu que a seguradora estabelecesse um preço único de plano de saúde para a Qualicorp, independentemente da associação com a qual havia sido estabelecido o contrato

2008

A Qualicorp fechou a venda de uma fatia de 46% de seu capital para o fundo de private equity americano General Atlantic por US$ 156 milhões. O negócio foi fechado em meio ao estouro da crise financeira global, logo depois da quebra do banco Lehman Brothers

2010

A General Atlantic vende sua participação da Qualicorp que, por sua vez, recebe um novo sócio: o americano Carlyle. O fundo de private equity investiu US$ 850 milhões na aquisição de 70% do capital da empresa. Junior permaneceu com os 30% restantes da companhia

2011

A Qualicorp abre o capital na BM&FBovespa e capta cerca de R$ 1 bilhão na operação. Desse total, R$ 590 milhões foram para o Carlyle e R$ 350 milhões tiveram como destino o caixa da empresa. Na última sexta-feira, o valor de mercado da Qualicorp era R$ 3,8 bilhões

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