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Parece seguro, mas não é

Fonte: CQCS | Pedro Duarte

Os seguros piratas – denominação para a chamada “proteção veicular” comercializada por associações e cooperativas – causam prejuízos ao mercado e despertam a revolta de órgãos e entidades representativas do setor – além dos consumidores, que são vítimas de um esquema com alto poder de convencimento para vender o que é inseguro e marginal.

“Conheci a Protvel através de um amigo. Mas não foi nos apresentado, em caso de perda ou roubo, se o seguro tinha validade ou não. Apenas disseram que, depois de assinado o contrato, a validade começava em seguida. Contratei na quinta-feira e na segunda-feira seguinte fui abordado por um assaltante que levou meu carro. Só que nunca tive nenhum contato dessa empresa, a não ser para cobrança da mensalidade”, narra o consumidor Celso Lopes Fontes, do Rio de Janeiro.

Já outro morador do Rio, Claudio Roberto de Almeida, relata sua experiência ao acionar a Assistência 24 horas da Protvel. “Liguei e me falaram que esse tipo de atendimento só era prestado a cada 30 dias. Preferi cancelar o contrato para não ter dor de cabeça, porque ao precisar dela, você não tem assistência”, conta Claudio.

Os depoimentos pessoais sobre a práticas irregulares da Provel, cuja sede fica em Duque de Caxias, encontram eco em rápida pesquisa que pode ser feita na internet. No site Reclame Aqui, por exemplo, a busca pela expressão “proteção veicular” dirige o internauta a uma avalanche de denúncias.

“Fiz uma reclamação contra a Associação dos Servidores do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar de Minas Gerais (Ascobom), no dia 8 de julho. Até o momento, não obtive resposta. O que está acontecendo? Por que a empresa não responde? Há 70 dias que meu carro está na oficina pela seguradora? Dei entrada na oficina em 3 de maio e até hoje não peguei meu carro. Como devo proceder?”, indaga o mineiro Marco Aurélio da Cunha Ferreira.

A partir de registros com início em agosto do ano passado, a Ascobom, que tem sede em Contagem (MG), acumula índices pouco animadores no site. A satisfação geral do consumidor é de 4,27, numa escala de 0 a 10, enquanto o tempo de resposta é superior a 80 dias.

A posição do Susep

“Muitas das associações e cooperativas de seguros piratas têm o propósito do enriquecimento ilícito aos seus dirigentes e, em curto ciclo de existência, encerram suas atividades sem cumprir com suas obrigações”. Esse é o diagnóstico do superintendente da Susep, Luciano Portal Santanna.

O posicionamento da Susep está alinhado, portanto, com o movimento do mercado que visa o combate enérgico aos seguros piratas. Nesse sentido, a autarquia informa que pretende reforçar o corpo de fiscais e criar um núcleo especializado contra o mercado marginal. “Essa é a irregularidade mais grave que temos de enfrentar”, declara Santanna.

O superintendente explica que as ações devem, portanto, ter como alvo os próprios dirigentes das organizações dos seguros piratas. “Esse mercado está crescendo de forma vertiginosa. Se não tivermos um controle, estaremos numa situação de risco. Por isso, precisamos desconsiderar a personalidade jurídica das entidades para fins de provimento judicial”, avalia.

A avaliação do especialista

Uma das principais questões que cercam o problema tem a ver com o enquadramento judicial das associações e cooperativas de proteção veicular. A dúvida mais comum é se o Poder Judiciário, ou mesmo o Procon, pode multar e fechar essas associações e cooperativas, de forma a disciplinar o segmento e evitar transtornos aos consumidores.

Segundo o advogado Pedro Lepikson, ex-diretor do Procon-BA, a mais importante distinção a ser feita diz respeito ao caráter associativo das entidades. “Pela legislação atual, uma associação só pode ser assim caracterizada, bem como as cooperativas, quando os filiados têm poder de decisão, ou seja, participam de reuniões e de deliberações administrativas”, sustenta.

Nesse caso, o especialista ressalta que, na ausência de uma relação de consumo, o Procon não tem poder de fiscalização ou de coerção. “O problema deve ser resolvido diretamente com a associação ou cooperativa”, reforça Lepikson.

“Mas, quando o associado descreve em detalhes o tipo de relação, fica fácil de identificar, por exemplo, se existem ou não assembléias e se ele participa ou não delas, ou se recebe correspondências como associado. Então o denunciante poderá comprovar que se trata na verdade de uma prestadora de serviços travestida de associação. É assim que elas podem ser multadas”, sustenta Lepikson.

Com linha de raciocínio semelhante, o assessor Jurídico da Ascobom, Leandro Vieira, faz a defesa das atividades da Associação. Ele alega que a entidade comercializa “proteção veicular” e não seguro, apenas para conhecidos e indicados, sem necessidade de fazer reserva de capital para suportar a sinistralidade, pois o prejuízo do mês anterior é rateado entre os filiados.

Em contrapartida, a alegação de que só conhecidos têm acesso à proteção veicular não se sustenta. Por telefone, uma atendente do call center declara que “qualquer interessado pode participar”.

Polícia Federal em ação

Segundo a Susep, há quase 80 processos instaurados contra os seguros piratas. Além disso, a Polícia Federal tem agido para impedir a proliferação das entidades de proteção veicular.

No final de maio, por exemplo, a Associação dos Proprietários de Veículos do Estado da Bahia (Aprove) teve computadores e dados apreendidos a partir da chamada “Operação Desaprove”, deflagrada na sede da Associação, em Salvador. Com base em mandado de busca, a PF confiscou HD’s, pendrives e mídias como CD’s e DVD’s.

De acordo com o responsável pelo Serviço de Comunicação Social da PF na Bahia, Anderson Casali, com a chamada Operação Desaprove “restou evidenciada a prática da conduta delitiva prevista no art.16 c/c art. 1º, I, da Lei 7.492/86, com pena prevista de um a quatro anos de reclusão”.

A PF aponta que a Aprove explorava, sob forma de associação, atividades típicas de seguradora de veículos sinistrados e furtados, mas sem autorização da Susep. Para piorar, “estima-se que mais de 10 mil pessoas firmaram contrato ”.

Diante do quadro, a instituição alerta que os seguro piratas “expõem a riscos” os adquirentes do “produto” e afeta a confiança no sistema financeiro. “Recomenda-se que ao contratar o serviço, o interessado se certifique se a empresa está autorizada pela Susep”, finaliza Casali, lembrando que as autoridades policiais continuam com diligências cujo resultado permanece em sigilo, até o momento, “para o bom andamento das investigações”.

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