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Negócio com a dor alheia

Fonte: O Estado de Minas

Papa-defuntos ampliam rede de atuação e lucram com o desespero dos humildes

Por mais que o Brasil tenha conseguido avançar nos últimos 20 anos em seu processo democrático, na expansão da economia e na modernização das relações humanas, há problemas típicos de sociedades injustas e atrasadas que persistem. Pior: aumentam, alimentados pelo descaso das autoridades, que costumam empurrar com a barriga quase tudo que produz sofrimento às camadas mais pobres e menos esclarecidas da população. Um dos clássicos da crônica policial brasileira é o abuso que sempre fez do negócio dos papa-defuntos uma atividade rentável. Apesar de toda a evolução das práticas de velório, privatização de cemitérios e até da aceitação de modernos crematórios, essa indústria do sepultamento vai muito bem. Uma série de reportagens do Estado de Minas revela que o desespero de famílias que perderam parentes acidentados, que foram infelizes em processos cirúrgicos ou no tratamento de doenças graves continua sendo explorado não apenas com esperteza, mas também com deslealdade e até requintes de perversidade.

Das portas dos prontos-socorros e da medicina legal, para os quais protocolarmente deveriam ser enviados os corpos de vítimas de acidentes e de violências, os papa-defuntos ampliaram o campo de ação para hospitais, públicos e privados. Relatam pessoas que foram vítimas dos papa-defuntos que, sem sofrer o menor incômodo, eles aumentaram a agressividade do ataque aos parentes fragilizados do morto, a ponto de desviar o corpo para o seu próprio campo de ação: as funerárias. Lá, conforme contaram essas pessoas aos repórteres, o serviço é completo: liberação do corpo, definição da urna e acomodação do morto, flores, transporte para o cemitério e até um providencial médico aparece para assinar o atestado médico, sem mais delongas ou sofrimentos. Para garantir a eficácia do assédio, essa gente foi aos poucos se enredando como musgo em pontos estratégicos de hospitais, é o que explicaria o fato de os agentes funerários serem informados da morte de alguém em determinadas circunstâncias, muito antes de o corpo ser liberado.

Mas as rendosas providências para o sepultamento com a dignidade que a família considera que o morto merece já não são suficientes para essa indústria. No caso de morte por acidente de trânsito, um detalhe vem se transformando em caça ao tesouro: a liberação do seguro obrigatório de danos causados por acidentes, inclusive morte, a que têm direito a família da vítima. No caso de óbito, essa quantia é atualmente de R$ 13,5 mil. Muitas vezes, fragilizados com a perda e sem recursos para o enterro inesperado, os familiares da vítima não conseguem raciocinar direito e muito menos pensar que têm aquele direito e que não devem exercê-lo com pressa, mas buscar o apoio de parentes e amigos para compensá-los mais tarde. Revelaram vítimas desse assédio que é comum os papa-defuntos cobrarem até 30% do valor do seguro para providenciar a liberação a que os familiares têm direito sem despesas. Já passa da hora de pôr um freio nesses golpes tão antigos quanto perversos. Sobretudo os mais humildes não podem mais prescindir da atuação firme das autoridades. Dos legisladores e juristas espera-se empenho em favor do aperfeiçoamento da legislação, de modo a impedir a ação desses discretos, mas eficientes aproveitadores da dor alheia.

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