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Prejuízo no retrovisor

Fonte: Estado de Minas

Espelhos são novo alvo de ladrões, que preferem 'depenar' automóveis na rua a levá-los para desmanches em BH. Seguradoras apontam alta de 10% nos comunicados de furto de peças

Mateus Parreiras e Andréa Castello Branco

Todos os meses, pelo menos 150 carros e caminhonetes sem retrovisores sobem a rampa de uma loja de vidros automotivos no Sion, Região Centro-Sul de BH. O movimento aquecido é reflexo da ação de ladrões que, em vez de arrombar carros e levá-los a galpões de desmanches clandestinos, optam por arrancar as peças que lhes interessam, como retrovisores, antenas, palhetas de limpadores de vidros, rodas e estepes, para revender no atacado. "Não passamos um dia sem atender no mínimo cinco clientes que tiveram o espelho ou o retrovisor inteiro levados", conta vendedor da loja Edvaldo Dias. Os ataques têm aumentado num ritmo de 10% ao ano, segundo o Sindicato das Seguradoras (Sindseg) de Minas Gerais, que se baseia na quantidade de pedidos de seguro não cobertos ou de valor inferior à franquia.

Outras 15 oficinas automotivas e concessionárias procuradas pelo EM no Sion, Carmo, Cruzeiro, Anchieta, Mangabeiras e Belvedere confirmaram aumento dos roubos de peças. De acordo com o sindicato das seguradoras, as ações ocorrem com mais frequência na Região Noroeste de Belo Horizonte, nos bairros Padre Eustáquio e Carlos Prates. Na Centro-Sul os bairros Sion, Carmo, Anchieta e Mangabeiras lideram os furtos. A Polícia Civil não dispõe de dados sobre esse tipo de furto. Alega que as ocorrências sobre esses crimes são registradas em delegacias dos bairros e não concentradas em um departamento policial como o Detran-MG, que reúne os roubos de veículos.

"A região do Sion concentra bares, mas muitos clientes estacionam na área residencial, onde há pouco movimento", disse o vice-presidente do Sindseg, Ângelo Vargas Garcia. Para ele o que leva a esse aumento dos casos é a falta de combate a receptadores e o hábito das pessoas de comprar peças sem procedência, muitas vezes roubadas. O Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios de Minas (Sindirepa), por sua vez, estima que o aumento dos roubos de peças acompanha o crescimento da frota da capital - de 6% no ano passado.

Motoristas reclamam A nova modalidade de furto tem doído no bolso dos motoristas. O administrador Paulo Sérgio Silva, de 48, proprietário de um Fiat Bravo, teve os retrovisores roubados duas vezes na Avenida Raja Gabaglia, na Região Oeste. Os dois furtos deram ao administrador um prejuízo de R$ 1,4 mil. Segundo ele, se fosse repor os retrovisores em uma loja autorizada, pagaria R$ 1.350 por par. Paulo Sérgio acredita que as peças sejam roubadas por encomenda e, incomodado com a falta de segurança na região, pensa em mudar de emprego. "Aqui na região não tem policiamento, eles só aparecem para multar. Estamos largados, por isso a gente acaba desistindo de fazer a ocorrência", afirma.

A estudante Flávia Guimarães, de 22, é outra vítima dos ladrões de retrovisores. A peça de seu Palio foi roubada quando o carro estava estacionado no Bairro Anchieta, Região Centro-Sul. Segundo ela, os roubos na região são comuns. "Tenho uma amiga que já teve os retrovisores roubados três vezes", diz. Flávia diz que só não fez o boletim de ocorrência por causa do horário. "Não fiz porque eram mais de 11 da noite, estava saindo da universidade", justifica.

De certa forma, o mercado de peças roubadas conta com o estímulo das próprias vítimas, que recorrem a lojas com preços muito abaixo do mercado para repor as peças levadas e não registram o boletim de ocorrência, instrumento essencial para o planejamento da segurança pública. O auxiliar administrativo Éder Pereira, de 31, teve o painel da sua moto levado duas vezes na mesma semana e suspeita ter pago um "resgate" pela peça furtada. "Tenho certeza absoluta que comprei uma peça roubada. Se bobear, comprei meu próprio painel", diz. Quando questionado se não estava alimentando a criminalidade com essa atitude, ele é sincero. "Posso estar alimentado, mas não tenho como pagar os R$ 500 por um painel, não posso ter um prejuízo de R$ 1 mil em uma semana", justifica. Éder não fez ocorrência e se mostra desacreditado no poder de investigação. A Polícia Civil não designou porta-voz para comentar o caso.

Burocracia Mas não é apenas o descrédito e o comodismo que impedem o registro do boletim de ocorrência. Quem tenta fazê-lo acaba desestimulado pela burocracia. Glauco Torres bem que tentou, mas a Polícia Militar informou que como ele não estava no carro na hora do roubo era melhor procurar a Polícia Civil. "É um jogo de empurra", diz. Glauco teve os retrovisores de sua S-10 furtados na Rua Cassiporé, no Bairro Anchieta, mas não recorreu à Avenida Pedro II para adquirir peças novas. "Preferi pagar R$ 100 a mais em cada peça para não comprar na Pedro II. Não vou alimentar esse tipo de comércio", afirma.

Palavra de especialista

Robson Sávio Souza Reis fórum brasileiro de segurança pública

Um problema,muitos culpados

O problema do furto de peças não tem um só culpado. É uma engrenagem em que várias peças não funcionam bem. Um dos componentes é a falta de estratégia dos órgãos públicos para fazer uma repressão qualificada sobre quem compra o produto roubado. Eles conhecem todos os lugares que alimentam indústria de roubo de peças. Se conseguissem manter uma fiscalização constante, talvez esse crime fosse desestimulado. Por outro lado, há subnotificação desse tipo de crime contra o patrimônio. Existe uma série de motivos para que as pessoas não registrem o boletim de ocorrência, mas a principal delas é uma certa percepção que a policia é seletiva nas investigações que faz, que aquela ocorrência não vai dar em nada, que nunca vai recuperar o objeto furtado. Isso é desastroso porque, quanto maior a subnotificação, mais difícil será fazer uma política pública de segurança eficiente. Essa cultura do cidadão de compra produto roubado, pirata, de driblar o pagamento de impostos também é uma cultura perversa que alimenta as quadrilhas que roubam carros.

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