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Retrocesso com a criação da 'Segurobras'


Fonte: Valor Econômico

Por André L. A. dos Santos e Carolina C.Lutterbach

Com considerável desconfiança por parte do mercado de seguros, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff a Lei nº 12.712, deste ano, resultado da conversão da Medida Provisória nº 564/2012, prevendo, dentre outras matérias, a criação da Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias (ABGF), chamada informalmente de "Segurobras".

Por meio dessa previsão, a nova lei autoriza a criação pelo Poder Executivo de uma empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda voltada para, em tese, oferecer coberturas a riscos para os quais o setor privado não teria capacidade de atuação.

A criação dessa empresa pública seguradora concretiza uma antiga intenção da administração federal de criar mais uma empresa estatal destinada a atuar na área de seguros no país.

Há dúvidas, porém, quanto à constitucionalidade de alguns dos dispositivos do novo ato legal.

Com efeito, o artigo 38 da referida Lei elenca como objetivos da ABGF: a concessão de garantias contra riscos; a constituição, administração, gestão e representação de fundos garantidores; e a constituição, administração, gestão e representação de fundos que tenham por único objetivo a cobertura suplementar dos riscos de seguro rural nas modalidades agrícola, pecuária, aquícola e florestal, desde que autorizada pela legislação aplicável aos seguros privados, observadas as disposições estabelecidas pelo órgão regulador de seguros.

Tais objetivos constituem, sem qualquer dúvida, iniciativa empreendedora e intervencionista do Estado em setor da economia, cuja alegada carência de capacidade de garantir determinados riscos é mais do que questionável, para não dizer inexistente.

No que diz respeito à ordem econômica, a Constituição Federal de 1988 estabelece, no caput do artigo 173, que a exploração da atividade econômica por parte do Estado se dará de forma subsidiária.

Nesse sentido, a norma que determine a exploração da atividade econômica por parte do Estado só será constitucional nos casos em que esta atuação estatal seja "necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo".

Assim, apenas nesses casos excepcionais, pode o Estado, através da criação de empresas públicas e sociedades de economia mista, assumir uma atividade econômica considerando que o setor privado não tem condições de fazê-lo.

O ilustre constitucionalista José Afonso da Silva ensina que a participação estatal pode ser até competitiva, como um dos meios lícitos de reprimir o abuso do poder econômico privado e como um instrumento adequado de fazer com que a economia, como um todo, cumpra os fins da ordem econômica e social, especialmente a justiça social. Porém, ressalva que tal participação estatal é bem delimitada, sendo o Estado impedido de competir com a iniciativa privada quando esta proceda de acordo com as exigências dos fins da ordem econômica e social e baste, no setor, para o suprimento dos bens econômicos requeridos pela população a preços adequados.

As empresas privadas de seguros encontram-se plenamente capazes de atender as demandas atuais e futuras, mesmo com os avanços de obras de infraestrutura no país e dos projetos decorrentes das obras para a Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, sendo certo que as seguradoras não carecem de estrutura para dar suporte às crescentes necessidades do setor de seguros.

Por essa razão, a criação da nova empresa estatal não se justiça na hipótese, sendo a previsão do artigo 37 da Lei nº 12.712 eivada de vício de inconstitucionalidade, por não respeitar a subsidiariedade necessária para que o Estado intervenha na atividade econômica.

Mas não é só. Verifica-se ainda que a Lei nº 12.712 dispõe em seu artigo 56 que "é dispensável a licitação para contratação da ABGF ou suas controladas por pessoas jurídicas de direito público interno, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado".

Ocorre que tal dispositivo colide frontalmente, por óbvio, com a norma prevista no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, o qual faz referência expressa à necessidade de prévia licitação nos contratos realizados pela administração pública, sendo certo que há enquadramento em qualquer das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstas nos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666, as quais devem ser interpretadas em sentido estrito.

Ou seja, a criação da ABGF, aliada ao seu privilégio de contratar com os órgãos da administração pública sem necessidade de licitação, traduz-se em flagrante desestímulo à competição e ao próprio desenvolvimento do mercado segurador nacional.

O ímpeto estatizante da administração federal deveria ser contido, vez que a nova intervenção do Estado na economia, especialmente num setor econômico que só fez crescer nos últimos anos, significa lamentável e injustificável retrocesso.

André Luiz Andrade dos Santos e Carolina Carvalho Lutterbach são advogados, respectivamente, sócio da área de Seguros e advogada do escritório Tostes e Associados Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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