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Sócios brigam por 'herança' de seguradora

Fonte; Valor Econômico

Por Talita Moreira | De São Paulo

A venda da seguradora Aliança do Brasil para o Banco do Brasil, em 2008, deflagrou uma disputa societária que se arrasta ainda hoje entre os antigos acionistas da empresa e envolve até mesmo a liquidação do Banco Econômico.


De um lado, o acionista principal da Companhia de Participações Aliança da Bahia (CPAB) - holding de capital aberto que controlava a seguradora - é acusado de reter indevidamente recursos provenientes da venda e de usá-los em benefício próprio.

Os minoritários Patrimonial Mundo Novo e Claudia Tavares da Silva Fernandez, que detêm 5,91% do capital total da holding, movem na Justiça ação de responsabilidade contra Paulo Sérgio Tourinho, controlador da CPAB, e diretores da empresa.

"O controlador reteve uma quantia desproporcional de recursos para uma companhia que é só de participações", afirma a advogada Marcela Maffei, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, que representa esses dois minoritários.

De outro lado, Tourinho alega que o processo judicial faz parte de uma manobra arquitetada por Manoel Maria Tavares da Silva, um ex-acionista e irmão de Claudia, para esvaziar companhia. Na avaliação do controlador, Tavares quer acelerar a distribuição de dividendos porque corre o risco de perder o direito às ações.

Antigo acionista da CPAB, Tavares deu seus papéis como garantia de uma dívida de R$ 200 milhões (valores atuais) com o antigo Banco Econômico, que está em processo de liquidação.

Há cerca de dois anos, Tavares fez dois movimentos que afastaram as ações da CPAB do alcance do liquidante do Econômico. Num deles, obteve decisão judicial que excluiu os papéis do rol de garantias dadas ao banco. Em outro, transferiu as ações para a Patrimonial Mundo Novo, de seu filho.

Porém, o liquidante do Econômico, Natalício Pegorini, tenta reaver na Justiça o direito às ações da CPAB. O advogado da liquidação, Celso Castro, deve impetrar nas próximas semanas uma ação alegando que houve fraude contra credores. "Estamos buscando anular a sentença que Tavares ardilosamente conseguiu", afirma Castro.

Procurado pelo Valor, Tavares não retornou os pedidos de entrevista até o término desta edição.

Marcela, advogada da Patrimonial Mundo Novo, afirma que não representa os interesses de Tavares. Ela diz, no entanto, que a disputa em torno das ações não muda o fato de que a CPAB tem sido mal administrada. "Isso em nada afeta os atos ilícitos feitos na companhia", ressalta.

Além do processo judicial, o caso é investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por conta de reclamações de acionistas em relação a suposto abuso de poder na CPAB. Alguns acionistas alegam que o controlador impediu a posse de representantes dos minoritários no conselho fiscal, em 2010, e indicou para compor o órgão pessoas ligadas a ele próprio. Conforme esses minoritários, Tourinho impede que o conselho exerça seu papel fiscalizador.

Na assembleia geral extraordinária deste ano, por exemplo, foi nomeado como representante dos minoritários Raphael Gonçalves Tourinho Fraga Maia, sobrinho-neto de Paulo Sérgio Tourinho.

"Para compor o conselho fiscal, é preciso ter algum conhecimento sobre o tema. Na Bahia, é quase impossível não indicar um conhecido", argumenta o controlador.

Procurada pelo Valor, a CVM não se manifestou a respeito do inquérito, que corre sob sigilo.

Em 2008, a CPAB vendeu ao BB, por cerca de R$ 600 milhões, a participação de 60% que tinha na Aliança do Brasil. Impulsionado pelo negócio, o resultado líquido da holding naquele ano ficou positivo em R$ 439,3 milhões. Do total, 25% foram distribuídos como dividendos e R$ 317,7 milhões foram designados para reserva de lucro.

Dois anos mais tarde, a companhia fez um aumento de capital de R$ 290 milhões, incorporando essas reservas. Os minoritários alegam que não havia justificativa para a retenção de recursos, já que a CPAB não tinha um plano de negócios que exigisse esse dinheiro. "A lei determina que, após constituição de reserva legal e demais reservas, todo o lucro remanescente seja distribuído aos acionistas, a não ser que orçamento justifique retenção", dizem os autores da ação.

Os acionistas também acusam os administradores de terem comprado imóveis "em mau estado" da Companhia de Seguros Aliança da Bahia, outra seguradora que pertence ao mesmo grupo de controle da CPAB. Com isso, argumentam que "enormes despesas foram assumidas" pela holding sem necessidade.

No processo, os minoritários acusam Tourinho e os administradores da CPAB de elevarem gastos com pessoal e de não terem reduzido despesas administrativas, embora a empresa tenha se desfeito de seu principal ativo.

"A retenção de lucros passa a ser ilegal no momento em que o controlador passa a escoar recursos em proveito próprio", diz o advogado Leonardo Carneiro, que também representa os minoritários.

Segundo ele, a CPAB gastou dinheiro com segurança de imóveis na praia que estão desocupados e com a contratação de consultorias que, se prestaram algum serviço, foi para as empresas controladas da holding. O fato de essas empresas terem capital fechado dificulta o acompanhamento dos gastos.

A CPAB controla o Hospital Aliança, a Agropastoril Vila Real, a Agro Pecuária Barro Vermelho e a Aliança da Bahia Construtora e Imobiliária.

Tourinho refuta a acusação de que retém os recursos para tirar proveito deles. "Meu compromisso é com a administração da companhia", afirma. O empresário concedeu entrevista ao Valor, em São Paulo, acompanhado de José Alfredo Guimarães e de Silvano Gianni, ex-secretário-executivo da Casa Civil no governo FHC. Ambos são diretores da CPAB e também são alvos da ação de responsabilidade.

O controlador reconhece que a holding assumiu despesas do Hospital Aliança para fazer uma reforma no mesmo. "Contratamos arquitetos, expansões estão sendo feitas", diz. Quanto aos imóveis na praia, Tourinho afirma que são investimentos da CPAB, e não gastos pessoais. "Temos terrenos em Itapoã, uma das praias mais valorizadas de Salvador, e mais de 60 mil metros quadrados na Bahia."

Hoje adversários, Tourinho e Tavares já foram aliados. Ambos pertencem às famílias fundadoras da seguradora Aliança da Bahia, criada no século XIX. Durante dez anos, Tavares ocupou um assento no conselho de administração da companhia. Em meados da década de 90, foi destituído por Tourinho. "Ele estava muito endividado e eu achava que aquilo não ficava bem para uma seguradora", justifica o controlador. Dali em diante, as divergências entre eles se tornariam um conflito aberto.

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