Breaking News

Seu bolso

Fonte: Correio Braziliense

Quer rodar de carro velho e ainda ter seguro? Então prepare o seu bolso para pagar caro pelo serviço. E, mesmo assim, a sua satisfação vai depender da disposição de uma seguradora dar a cobertura pretendida. Por lei, essas operadoras não são obrigadas a aceitar o risco embutido em veículos com longo tempo de uso. Até mesmo quando oferecem produtos voltados para esse segmento, a fatura apresentada ao contratante quase sempre não figura como um benefício real.

 Economistas, executivos de seguros e entidades do setor consideram o fenômeno normal frente o perfil da frota nacional, cada vez mais jovem. Segundo eles, cabe também ao consumidor fazer as contas para avaliar se vale a pena ser proprietário de um carro com mais de 10 anos de estrada.

 Estimativas de mercado indicam que dos 75 milhões de veículos em circulação apenas 17 milhões — pouco mais de um quinto — possuem seguro. Desses, a grande maioria, cerca de 14 milhões, tem até cinco anos de uso. A aparente distorção é fruto da lei da procura e da oferta, além da própria legislação, que também onera o uso prolongado.

 Neival Rodrigues Freitas, diretor executivo da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), lembra que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) exige que os itens usados em reparos de automóveis sejam novos e originais de fábrica, sendo a exceção possível só se o cliente autorizar. Por conta disso, ele calcula que um carro com oito anos ou mais possa ter item reposto valendo 10% do custo total do carro. Na faixa de 12 a 15 anos, essa proporção sobe para 25%.

 “Se oferecemos produtos muito caros, acabamos afastando o segurado. Mas é preciso frisar que a seguradora atua como uma gestora de recursos de terceiros, contratada para recompor um patrimônio prejudicado pelo roubo ou pelo acidente”, afirma. Nesse sentido, ele lembra que a liberdade que o segurado tem de escolha da empresa é a mesma que essa tem de não aceitar coberturas cujo risco excede o razoável. Na renovação, vale a mesma regra.

 A tendência de exclusão do seguro de carro velho é aumentar, se também for levado em conta o volume de automóveis produzidos e vendidos todos os anos no país. O Brasil terminou 2012 como o quarto maior mercado automotivo do mundo, com vendas de 3,6 milhões de unidades, um crescimento de 6,1% ante 2011.

Risco

 Segundo Freitas, a fixação do preço cobrado pela seguradora é o resultado da combinação de despesas administrativas, comercialização e o risco propriamente dito, que tem peso médio de 65% do valor que arrecada. “Um carro usado por mais tempo precisa de componentes, e a grande despesa é justamente o gasto com sua manutenção ou recuperação”, resume.

  Rafael Monsores, diretor do Smartia, portal que faz cotação on-line de seguros para automóveis, também salienta que o que mais pesa numa apólice para veículo usado é o reparo no caso de acidentes. “É evidente que a peça nova em carro velho revela a diferença do valor maior das partes sobre o todo”, diz. Pelos seus cálculos, o custo do seguro de um modelo 2013 é em média 20% mais barato que um congênere com seis anos de uso.

 Sérgio Barros, diretor de Produtos de Automóvel do grupo BB Mapfre, acredita que a depreciação acelerada é um fenômeno derivado do mercado aquecido de zero quilômetro nos últimos anos. “A realidade atual representa relações mais maduras entre segurado e segurador, ao garantir mais equilíbrio ao negócio do que em tempos passados, quando o carro usado era o protagonista”, defende.

 O executivo da maior empresa de seguros da América Latina recomenda à sua clientela que, quando o valor do seguro começa a ficar desinteressante para o orçamento pessoal, o melhor é fazer a modalidade de cobertura a terceiros, chamada de responsabilidade civil. “O que se impõe nessa história não é a majoração crescente para determinada classe de bens, mas a elevada desvalorização destes”, sublinha.

 Nesse contexto, uma questão que ainda provoca dúvidas é a eventual obrigatoriedade das montadoras manterem estoques de peças por um período de 8 a 20 anos. O CDC só pede que esse prazo seja “razoável”, mas o fato é que a oferta de itens para carros até dois anos é bem mais farto. Quando um modelo deixa de ser produzido, seu restauro é incerto. Exemplo disso, é o importado; tirado de linha, dá dor de cabeça ao dono, pois nenhum fabricante assume o prejuízo de ofertar ou armazenar peças de reposição.

 Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da entidade de defesa dos consumidores Proteste, ressalta que a recusa da operadora em vender ou renovar o seguro, alegando problemas com a idade ou o modelo do veículo, precisa estar explícita no contrato. “Ninguém é obrigado a segurar tudo, mas o motivo da negativa precisa ser evidenciado”, observa. Eventualmente, o cliente pode até recorrer aos órgãos de proteção ao consumo para questionar os critérios, se esses forem sonegados.

 Guilherme Lemos Gomes, professor de direito empresarial do Ibmec-RJ, explica que não há regra jurídica que obrigue a seguradora a renovar, inibindo sua prerrogativa de promover uma avaliação consciente do risco próprio da contratação proposta. “Quando o tempo de uso implica maior insegurança veicular, com riscos maiores de falhas para o condutor e terceiros, há aí um critério objetivo, que ultrapassa a própria condição do segurado e os seus interesses”, exemplifica.

 Em paralelo às regrais atuais do setor e à dinâmica do mercado segurador, órgãos reguladores e o Congresso analisam uma proposta polêmica para viabilizar uma alternativa, batizada de seguro popular de automóvel. Ela fixa tipos de coberturas básicas (só roubo ou apenas colisão, por exemplo), autoriza o uso de peças usadas certificadas e, ainda, permite a escolha de qualquer oficina. A expectativa é de que essa modalidade possa ser lançada ainda este ano.

 “O ponto mais importante desse projeto é a opção de se empregar peças recondicionadas, como para-choques, para-lamas e portas, reduzindo o gasto do consumidor. As exceções seriam itens de segurança, como freio e suspensão”, comenta Monsores, do Smartia.

 Popular

 Barros, do BB Mapfre, afirma que a ideia de um seguro popular é bem-vinda, mas aponta “questões técnicas delicadas” para sua implementação. A chance de a autorização para uso de peças de segunda mão fomentar um mercado paralelo precisa ser considerada, bem como a necessidade de uma estrutura melhor de fiscalização.

 A Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, informa que o projeto de seguro popular tem como objetivo a diminuição do valor do serviço e foco em veículos com mais de três anos de uso, segmento de baixa aceitação pelas empresas tradicionais.

 Entre os tópicos estudados, está a indenização integral quando o dano exceder 75% do valor de mercado do veículo. Até então, a definição era de até 75% do valor contratado. O governo avalia a questão desde 2005, e as conclusões obtidas pelo grupo de trabalho instalado em junho de 2012 propõem ainda desonerações.

 Para Gomes, do Ibmec-RJ, um aperto regulatório na cobertura poderia desestimular a concorrência e favorecer a concentração, devido às incertezas provocadas pela intervenção do Estado. “Isso traria prejuízos ao funcionamento, à estabilidade e à expansão do mercado segurador brasileiro.” As seguradoras podem recusar a fazer o seguro do automóvel com mais de 10 anos, com chassi remarcado, com irregularidades com o Detran ou de pagamentos, entre outros.

» Desmanches legais

 Um dos argumentos usados a favor da proposta de seguro popular de carro é que ela deve estimular o surgimento de desmanches legais. O aumento da demanda de peças de reposição certificadas viabilizaria o negócio, a exemplo do ocorrido recentemente na Argentina a partir da lei de reciclagem de peças automotivas. Lá, o reuso barateou o seguro, reduziu mortes no trânsito e roubos de veículos e, ainda, deu destino aos resíduos sólidos. Já há legislações sobre o tema nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Nenhum comentário

Escreva aqui seu comentario