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Fuga da previdência

Fonte  Valor Econômico

Após dois meses consecutivos de desempenho médio negativo em todas as categorias de fundos de previdência aberta, renda variável e fixa, os investidores não resistiram e os saques superaram as aplicações no segmento em julho, pela primeira vez em pelo menos cinco anos. É o que mostra levantamento com 727 fundos de previdência realizado pelas consultorias NetQuant e Towers Watson.

Em julho, o saldo líquido de aplicações em fundos de previdência aberta ficou negativo em R$ 1,041 bilhão, com os saques concentrando-se nas carteiras de renda fixa. Esses fundos, que reúnem 88% do patrimônio do setor (ou R$ 259,8 bilhões) e vinham puxando o crescimento da indústria nos últimos anos, tiveram resgates líquidos equivalentes a R$ 662,4 milhões no mês passado. O volume é pequeno se comparado ao total captado no ano até julho - R$ 14,6 bilhões -, mas reforça a percepção de que o investidor de previdência não tolera volatilidade.

Os fundos compostos, com uma parcela em ações, por exemplo, vêm amargando saídas mensais desde janeiro de 2011, dado o desempenho ruim da bolsa há tempos. No mês passado não foi diferente. Os resgates somaram R$ 455,4 milhões, o que elevou as saídas no ano para R$ 2,5 bilhões. Em patrimônio, essas carteiras administram cerca de R$ 23 bilhões, ou seja, menos que 8% do total.

Em julho, apenas os multimercados sem renda variável, com mais liberdade para aplicar, seguiram com captação positiva, ainda que pouco relevante: R$ 76,2 milhões. No ano, o segmento, com R$ 11,3 bilhões em ativos sob gestão (fatia menor que 4%), atraiu cerca de R$ 1,5 bilhão.

"É inegável, a saída de recursos em julho é reflexo da performance de maio e principalmente junho", diz Gustavo Lendimuth, superintendente de seguros, capitalização e previdência do Santander. Em junho, os fundos de previdência de renda fixa (os mais representativos) fecharam no negativo. Na média, a perda foi de 0,06%, segundo o levantamento. Em fundos com taxa de administração superior a 3%, a variação negativa foi maior, de 0,43%, ante um CDI de 0,59%. Em julho, essas carteiras apresentaram recuperação, com retorno de 0,55%, em média, contudo ainda abaixo do CDI, que foi de 0,71%.

Lendimuth afirma que o desempenho ruim está ligado a um ajuste, iniciado pelo setor há cerca de dois anos, para um cenário de juros menores. A indústria partiu para um alongamento do prazo das carteiras e uma exposição maior em títulos públicos prefixados (LTN e NTN-F) e indexados à inflação (NTN-B), a fim de não perder competitividade. "Com a Selic despencando o investimento pós-fixado deixou de ser interessante. E a previdência, com taxa de administração, passou a ter um retorno equivalente à poupança", diz.

Além disso, uma resolução do governo obrigou os gestores de previdência aberta a iniciar a substituição de aplicações de curto prazo e indexadas à Selic por papéis mais longos. O prazo para a mudança começou a valer no fim de maio, e deve seguir até 2015. Isso significa que o movimento de alongar os prazos e ampliar a exposição em papéis com taxas prefixadas começou tardiamente, em um momento pior de mercado, pontua Marcelo Nazareth, sócio-diretor da NetQuant. "Quando o governo fez a proposta, o mercado assinalava para uma queda de juros. Mas, quando a indústria começou a alongar, o juro voltou a subir, o trouxe muita volatilidade", reforça Eduardo Freitas, vice-presidente de previdência da Mapfre.

Em 2011 e 2012, tal estratégia em busca de retornos mais competitivos mostrou resultados, diz Lendimuth, do Santander. Entre janeiro e julho do ano passado, os fundos de previdência de renda fixa renderam, na média, 5,48%, ou 103,4% do CDI do período (5,30%). Já a poupança rendeu 3,84%. Neste ano, contudo, o retorno médio das carteiras de renda fixa até julho foi de 1,94%, o equivalente a 46,6% do CDI (que variou 4,16%) e abaixo ainda dos 3,05% da "nova" poupança (cuja variação representa 70% da Selic desde que igual ou inferior a 8,5% ao ano), alternativa que absorveu boa parte dos recursos de previdência (leia análise abaixo).

Muito da piora da performance está associada aos efeitos negativos da marcação a mercado dos papéis mais longos e prefixados em carteira, por conta da retomada do ciclo de aperto monetário - a perspectiva de alta da Selic provocou a abertura das taxas dos títulos públicos e no mercado futuro, o que provocou uma desvalorização dos ativos. O IMA-B, índice que acompanha o desempenho de uma cesta de NTN-Bs, caiu 4,52% em maio e 2,79% em junho. Já em julho, o IMA-B subiu 1,29%.

"Todos têm a ideia de que um fundo de renda fixa jamais vai ter uma oscilação grande, isso não é verdade", diz Lendimuth. Nos últimos três meses, com a mudança para um ciclo de aperto monetário e mercados mais voláteis, parte dos retornos foi devolvida, afirma o executivo. "A indústria se machucou, mas é um pequeno ajuste."

Conforme destaca Altair César de Jesus, superintendente de investimentos da Brasilprev, empresa de seguros e previdência do Banco do Brasil e do Principal Financial Group, previdência privada com característica de curto prazo, como tem sido, não faz sentido. Na Brasilprev, ele diz que o prazo médio das carteiras gira em torno de 600 dias, está acima dos 150 dias a um ano do mercado em geral, mas ainda assim é pequeno para a previdência cujo horizonte deve ser de pelo menos dez anos.

A resolução do governo visa ampliar o prazo médio da indústria de previdência para cerca de três anos até 2015. Mas pode ganhar flexibilidade, diante da reação do investidor. Segundo os executivos, a Fenaprevi, entidade que representa o setor, mantém conversas com a Secretaria de Política Econômica em busca de alternativas para implementar as mudanças de forma a minimizar o impacto para o participante. Entre as opções em pauta, segundo Freitas, da Mapfre, estão a flexibilização do prazo para o ajuste e o uso de derivativos para minimizar a volatilidade.

"A estratégia é correta, tem que alongar, mas o cliente não estava preparado", diz Lendimuth, do Santander. Por outro lado, defende Jesus, da Brasilprev, o momento é oportuno para travar taxas maiores, como um juro real próximo de 6% nas NTN-Bs. "Daqui para frente, dificilmente o investidor vai ter o tripé segurança, liquidez e retorno. Para ter retorno, ele vai ter de alongar o prazo", diz. Isso porque, segundo o executivo, num horizonte de longo prazo a tendência do juro segue de baixa. Para ele, não só o alongamento dos prazos vai ser fundamental como o aumento da exposição em bolsa.

Na visão de Freitas, da Mapfre, o brasileiro não conhece o seu perfil, nem seus objetivos e prazos. Trocar a previdência hoje por poupança, exemplifica, é "abrir mão do risco de ganhar pela certeza de perder". Ele refere-se aos benefícios fiscais da previdência que o investidor vai perder se fizer a troca e ao juro real negativo da poupança.

 

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