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Fonte: Valor Econômico

Por Sérgio Adeodato | Para o Valor, de São Paulo
 

Claudia Melo, da Swiss Re: "Em seis anos, Brasil gastou em medidas emergenciais após desastres o equivalente a dez vezes o investido para evitá-los".
Diante do sinal de alerta emitido por relatórios científicos recém-divulgados no Brasil e no mundo reduzindo o grau de incertezas sobre as mudanças climáticas, proliferam no mercado novas ferramentas de cálculo destinadas a subsidiar governos e empresas na gestão de riscos e nas decisões sobre como investir e se preparar contra enchentes, secas, ondas de calor, avanço do mar, furações e outros impactos - alguns, segundo cientistas, já irreversíveis.

Em território brasileiro, as perdas anuais por enxurradas devem aumentar de US$ 1,4 bilhão para US$ 4 bilhões, a partir de 2030, quando o número de habitantes expostos ao problema crescerá dos atuais 33 milhões para 43 milhões. A previsão consta de estudo da multinacional de resseguros Swiss Re, que calcula globalmente o custo-benefício de investimentos e de ações locais contra eventos climáticos. No caso do Brasil, segundo o método, o prejuízo poderia cair 30% a partir de medidas prévias de adaptação, como planejamento urbano, drenagem e contenção de encostas.

"Em seis anos, o Brasil gastou em medidas emergenciais após desastres o equivalente a dez vezes o montante investido para evitá-los", afirma a gerente de relações governamentais da empresa, Claudia Melo. O rombo nas contas pode diminuir quando são avaliadas diferentes soluções financeiras de adaptação aos impactos do clima. Uma estratégia é a transferência de riscos para seguradoras, mediante parceria público-privada, sem que os altos custos para remediação de catástrofes recaiam sobre o governo e, por tabela, sobre o contribuinte.

A análise do caminho mais viável de proteção tem como base a plataforma de indicadores Economics of Climate Adaptation (ECA). Desenvolvida em parceria com Mckinsey & Company, Fundação Rockefeller, ONU, Comissão Europeia e Global Environmment Facility, entre outros organismos, a metodologia mostra como determinada região será afetada no horizonte de 40 anos por alterações no clima e apresenta um estudo de viabilidade econômica de possíveis medidas para enfrentá-las. São considerados dados econômicos e de população e saúde. "Dependendo das variáveis, a proteção financeira por apólices de seguro pode ser mais adequada do que gastos sem planejamento com obras, drenagens e diques para barrar o avanço do mar", reforça a gerente. Em 2012, os desastres naturais causaram US$ 186 bilhões de perdas no mundo, segundo a empresa.

O governo brasileiro reservou R$ 18 bilhões para um plano nacional de desastres naturais. Para Cláudia, o país caminha devagar, sem saber como quantificar no orçamento os impactos climáticos, estando atrás de vizinhos como Peru, Chile e Colômbia, já acostumados ao risco de terremotos e outras catástrofes. Em sua análise, no cenário de aquecimento global, quando secas e enchentes deverão ser mais severas, "ninguém comprará a ideia de país abençoado por Deus para fazer investimentos".

Recente pesquisa conduzida pela consultoria Mercer é taxativa: mais da metade dos fundos e gestores de ativos consultados, somando US$ 14 trilhões em recursos, leva em conta futuros impactos do aquecimento global e legislações climáticas na escolha dos investimentos.

"Métodos de mensuração são essenciais para a estratégia das empresas, fontes principais dos US$ 100 bilhões anuais previstos por organismos internacionais para o mundo fazer frente aos efeitos do aquecimento", avalia Claudio Szlafsztein, representante na América Latina do Global Adaptation Institute (GAI). Em parceria com a Universidade de Notre Dame, nos EUA, a organização construiu índices para mapear o grau de vulnerabilidade dos países às mudanças no clima, com objetivo de nortear negócios.

Multinacionais de petróleo e gás, alimentos, transporte e infraestrutura já utilizam a ferramenta, até agora aplicada em 176 países. Matriz energética, infraestrutura de estradas e a taxa de crescimento urbano são alguns fatores. "Também é indicada a capacidade de lidar com efeitos extremos do clima e de estar pronto para receber investimentos", revela Szlafsztein. Na pior colocação entre os países mais vulneráveis e menos preparados está a Coreia do Norte. A Dinamarca lidera os mais capacitados, enquanto o Brasil figura em 58º lugar do ranking.

"Estamos muito mal preparados", critica Carlos Rittl, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. "A ciência mostra que o país está criticamente ameaçado pelos potenciais danos do aquecimento, mas a política sobre o tema é uma verdadeira colcha de retalhos, sem coordenação entre diferentes ministérios e mesmo entre governos federal e estaduais", afirma Rittl.

Relatório científico divulgado neste mês pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas trouxe números inéditos sobre elevação de temperatura e mudanças no regime de chuvas no país. Neste ano, a Organização Meteorológica Mundial já havia publicado estudo global apontando o período 2001-2010 como "a década dos extremos climáticos". As expectativas se concentram no novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) com cenários atuais sobre o aumento da temperatura e emissões de carbono. Em 2014, a organização lançará outro documento, destinado a orientar o planeta na adaptação aos impactos.

Com respaldo científico, fenômenos climáticos antes considerados "eventos isolados" estão agora associados ao processo de aquecimento global. E a análise de riscos ganha força como algo a ser incorporado por políticas públicas e empresariais. O jogo envolve competitividade. "É urgente identificar em que medida o país é vulnerável e como o problema afetará a economia e os padrões de vida", sugere Rittl.

Estados como Pernambuco e Minas Gerais se movimentam para aprovar políticas de proteção. A meta do governo federal é concluir um plano nacional para adaptação ao clima até o fim de 2015. "É uma tarefa complexa, porque exige um olhar federativo, com participação de Estados e municípios", admite Karen Cope, coordenadora do trabalho no Ministério do Meio Ambiente.

"Falta um mapa nacional de vulnerabilidade com dados climáticos e socioambientais", acrescenta Karen, ao lembrar que o maior desafio é construir o diálogo com ONGs e outros setores, iniciado neste ano, e vencer a barreira da falta de conhecimento sobre o tema no governo. A construção de rodovias, portos e outras obras de infraestrutura, segundo ela, não levam em conta as áreas vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
 

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