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Suicídio e cobertura por seguro de vida

Fonte: Correio Braziliense

Ernesto Tzirulnik
Advogado especialista em Direito Securitário, é presidente do IBDS %u2013 Instituto Brasileiro de Direito do Seguro.

Ao contrário do que alguns poderiam imaginar, os seguros não existem por mero capricho, mas são instrumentos de solidarização social dos mais necessários. O acesso a um bom seguro é direito básico nas sociedades contemporâneas, em que o acidente, como diz François Ewald, nos espera na esquina. Mas é necessário evitar certos abusos na formação dos prêmios comerciais (preço), na duração dos contratos e outras questões inúmeras, algumas apenas pretensamente técnicas, que acabam colocando em dúvida a real segurança que se espera do seguro.

Os consumidores de seguro de vida temem a alegação da seguradora para não pagamento em razão de fato que constitua agravamento voluntário do risco. Alguns deixam de contratar o seguro de vida. A questão da cobertura do suicídio no seguro de vida é um dos temas que, no atual Código Civil, foi muito mal resolvido, e que o Judiciário tem procurado resolver.

O suicídio é importante porque existem os que são programados. Seguro é contrato comutativo mas requer risco, álea. Se um prejuízo é causado dolosamente não há risco, elemento essencial do contrato. O incêndio intencional cometido pelo segurado ou beneficiário nunca será coberto pelo seguro e é um problema grave, especialmente em tempos de crise financeira.

O naufrágio doloso também não está coberto e determina perdas consideráveis. Uma série desses ataques à álea é capaz de destruir estruturas seguradoras saudáveis. Os suicídios vultosos, com seguros premeditadamente contratados, atos de planificação e até mesmo assistência, também são preocupantes e avessos à “aventura seguradora”. Eles não podem ser rentáveis ou estimulados. Nem a sociedade quer isso, nem as companhias seguradoras.

Um suicídio, até o final dos anos 1980, poderia causar perdas parecidas com os sinistros de danos catastróficos. Isso, nos dias de hoje, é praticamente impossível, graças à grande massificação e aos cuidadosos critérios de subscrição de riscos utilizados pelas seguradoras, melhor assistidas e fiscalizadas pelos atuários e técnicos especializados. Mas eram outros os tempos. O suicídio se transformara num objeto de luta inegociável. A litigiosidade acabou determinando a repetição de recursos e a edição da Súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: “O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”.

As seguradoras foram influentes no projeto de Código Civil dos anos 1960, e o Código de 2002 — envelhecido sem alterações no capítulo que cuida do seguro —, aparentemente teria tratado os diferentes tipos de suicídios como um só, ao estabelecer uma carência. Diz o artigo 798: "O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente". Embora a regra não tenha utilizado “premeditado ou não”, muitos entenderam que o legislador teria se valido da mesma régua cronológica utilizada nas apólices que foram reprovadas pelo STF e pelo STJ. Isso significaria que o suicídio, qualquer um deles, mesmo o por doença, por ingestão de substâncias, por ato de desespero, estariam todos a descoberto por dois anos.

A matéria continua sendo discutida. As seguradoras, mesmo hoje em dia, continuam, talvez mais pelo velho hábito do que por necessidade, travando sua luta contra todos os suicídios. A casuística do suicídio é complexa.

Recentemente, a 3ª Turma do STJ afetou à 2a Seção um recurso especial em que se discute suicídio que ocorreu 25 dias após a assinatura do contrato de seguro. O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por decisão monocrática, havia negado seguimento ao recurso com base na tese de que “o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por sí só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à Seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência".

Contra essa decisão, a seguradora interpôs agravo regimental, o qual foi provido para admitir o recurso especial e ao mesmo tempo já afetá-lo à competência da 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça. A entidade que hoje representa os seguradores do ramo vida habilitou-se nos autos. Querem a carência, o critério objetivo. Nenhuma entidade de consumidores está a postos! Será pendular o movimento? A expectativa é a de que não. A Corte Superior haverá de manter a orientação já maturada e consolidada no leading case da 2ª Seção, prestigiando a segurança jurídica e o verdadeiro sentido de proteção do seguro de vida.

Assim, não se dará um passo atrás sob o argumento falso da instabilidade econômica causada ao seguro, sempre mal usado, e ficará a nossa jurisprudência mais justa, acorde com as boas e respeitadas leis de contrato de seguro, como a mais aplaudida entre todas, a alemã recentíssima, que expressamente manda pagar o capital se não for o caso de suicídio comprovadamente premeditado.

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