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Executiva pioneira

Fonte: Valor Econômico 


Ana Paula Paiva/Valor"Fiquei aborrecida por meu nome ter sido citado duas vezes na conversa gravada por Joesley e, depois, mencionado em fala na TV", relata Maria Silvia sobre sua saída do BNDES

A ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Maria Silvia Bastos Marques revela, em um novo livro, que pediu demissão do cargo por ter seu nome citado em conversa gravada entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, e em um pronunciamento na televisão do mandatário máximo do país.

É a primeira vez que Maria Silvia, uma das mais reconhecidas executivas do país, explica os motivos de sua demissão do banco de fomento, que sofreu profunda transformação em sua gestão. "Fiquei aborrecida por meu nome ter sido citado duas vezes na conversa gravada por Joesley e, depois, mencionado em fala na TV", relata Maria Silvia. "Pensei em renunciar imediatamente. Mas esperei alguns dias, pois o tumulto já era muito grande."

A explicação para a demissão do BNDES é a notícia mais fresca da autobiografia profissional de Maria Silvia, "Vontade Inabalável" (Sextante). Em 320 páginas, ela relata que foi convidada a entrar no governo Collor sem ter pleno conhecimento do plano que confiscou recursos da caderneta de poupança. Conta como um encontro ao acaso com ex-prefeito Cesar Maia em um restaurante a levou a ser secretaria municipal da Fazenda do Rio. E dá detalhes saborosos da trajetória executiva de uma mulher. Quando foi convidada para ser executiva da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), comunicou ao empresário Benjamin Steinbruch primeiro que estava grávida, depois que eram gêmeos. "Ele brincou dizendo que me certificasse de que não eram trigêmeos, porque o conselho de administração já estava ficando preocupado."

Em muitas funções que exerceu na profissão, Maria Silvia foi a primeira mulher: "Ao mesmo tempo que me deu orgulho, me deu tristeza", diz ela

Maria Silvia deixou o BNDES em maio de 2017, atribuindo oficialmente a sua saída a motivos pessoais. A demissão ocorreu nove dias depois de reportagem do jornalista Lauro Jardim, de "O Globo", noticiar a conversa entre Joesley e Temer no palácio do Jaburu, que levou a denúncias criminais que ameaçaram afastar o presidente do cargo e enfraqueceu seu governo.

Mas, na época, não ouve vínculo automático entre um fato e outro. Até então, a versão mais difundida para a sua saída era de que não sobreviveu às pressões do empresariado sobre suposta contenção nos financiamentos do banco na sua gestão. Isso apesar de seu sucessor, Paulo Rabello de Castro, não ter revertido a tendência de baixa nos empréstimos.

Maria Silvia foi citada por Joesley, na conversa com Temer, no contexto de um veto do BNDES, em 2016, a uma operação de internacionalização da JBS que transferiria a sede da empresa para o exterior. "O BNDES exerceu seu direito a veto porque a operação era danosa aos interesses da empresa e de seus acionistas minoritários", diz Maria Silvia, no livro.

A conversa entre Joesley e Temer foi revelada, diz Maria Silvia, quando os ânimos já estavam acirrados dentro do BNDES pela Operação Bullish, ocorrida poucos dias antes. Nela, a Polícia Federal apurou suspeitas de irregularidades em aportes de recursos feitos na JBS entre 2007 e 2011. Funcionários do banco foram conduzidos coercitivamente para depor. Numa reunião com a executiva no mesmo dia da operação, cobraram que Maria Silvia defendesse publicamente e sem restrições as operações que haviam sido realizadas com a JBS. "Isso eu não poderia fazer", diz Maria Silvia. "Não só eu não tinha participado dessas operações, como não havíamos concluído as apurações internas sobre as mesmas."

Ela relata, no livro, que esse foi um divisor de águas do seu período no banco - e conta também um pouco das dificuldades em estabelecer um relacionamento de trabalho com o corpo de funcionários, que havia sido renovado e ampliado durante os governos Lula e Dilma. "Fui recebida no BNDES de forma fria", afirma, num contraste em relação ao clima de acolhimento da sua passagem anterior na instituição, na década de 90, quando fora diretora.

A agenda de Maria Silvia no BNDES incluiu o pagamento antecipado de empréstimos ao Tesouro Nacional, que reduziu os ativos do banco, e também um trabalho com a equipe econômica para mudar a taxa cobrada nos empréstimos, reduzindo subsídios ao empresariado. "Fui questionada sobre a legitimidade que eu tinha para fazer mudanças durante um governo interino", relata. "Cheguei a ouvir de um funcionário que eu não era uma 'desenvolvimentista'."

Aos 61 anos, a economista Maria Silvia, atual CEO do Goldman Sachs no Brasil, tem trajetória profissional incomum. Começou a carreira nos anos 80 como professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da PUC-Rio, transitando entre duas escolas que à época tinham perfis diferentes, a primeira dentro da tradição mais ortodoxa e a segunda berço de teorias heterodoxas usadas nos planos de estabilização monetária.

Juntou-se ao governo Collor, participando das missões que renegociaram a dívida externa, com o então marido, o economista Sergio Werlang, que integrou a equipe da Fazenda. Mas só tomou conhecimento dos detalhes do plano, incluindo o confisco da poupança, no hotel de Brasília que abrigou o grupo chefiado pela então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. "Eu e Sergio ficamos muito abalados ao saber o que seria feito", conta. "Viajamos ao Rio decididos a não retornarmos." Foram convencidos a mudar de ideia pelo ex-ministro Mario Henrique Simonsen, que foi professor de ambos.

Maria Silvia tornou-se, em seguida, assessora para privatizações do BNDES e, depois, a primeira diretora da instituição, 40 anos após de sua fundação. Mais tarde, na Secretaria de Fazenda do Rio, ficou conhecida como a mulher de R$ 1 bilhão, depois que o saneamento das finanças do município permitiu acumular um caixa montante. No fim do governo Cesar Maia, teve que tomar uma decisão: entrar na disputa pela candidatura do grupo político à Prefeitura do Rio ou aceitar o convite para ir para a CSN. Optou pela empresa, onde começou como diretora, assumiu o cargo de presidente e ganhou o título de "dama de ferro". Segundo afirma no livro, ao fim desse trabalho teve o nome cogitado para a disputa da Presidência da República, em 2002.

A executiva comandou também a seguradora Icatu e, mais tarde, a empresa municipal do Rio que preparou os Jogos Olímpicos de 2016. Nas eleições deste ano, depois de sair do BNDES, o seu nome voltou a circular como uma possível candidata ao governo do Estado do Rio.

Apenas ao chegar ao fim do livro Maria Silvia constatou que, nas diversas posições ocupadas na vida profissional, foi a primeira mulher, diz ao Valor. "Ao mesmo tempo que me deu orgulho, me deu tristeza." A discussão de gênero não é a motivação para o livro - relato típico da experiência executiva, descrevendo formação, carreira e estilo de gestão -, mas acaba se impondo na narrativa.

Ela foi criticada, por exemplo, por supostamente prestar desserviço à causa feminina porque, 24 dias depois do nascimento dos filhos, estava de volta ao trabalho na CSN. Teve que fazer greve - ficar sem conversar com o pai - para ter autorização para sair de Bom Jesus de Itaboana, no norte fluminense, para estudar no Rio. Numa missão de renegociação da dívida externa no Japão, quatro dos seis membros eram mulheres - mas, em algumas ocasiões, apenas homens foram convidados para reuniões e celebrações. Em reuniões com investidores, eles frequentemente se dirigiam a um chefe de departamento do BNDES, e não a Maria Silvia, como se ele fosse o diretor. "Não poderia deixar de me divertir com a cara que faziam quando davam conta da gafe que haviam cometido."

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