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Porto Seguro consolida sucessão no conselho

Fonte: Valor Econômico 

SÃO PAULO  -  “Quando eu era bem pequeno, meu pai trazia uma pilha de sinistros para casa e me pedia para ler alguns junto com ele.” Bruno Campos Garfinkel evoca a lembrança com bom humor: para o executivo foi o momento em que seu pai, Jayme Brasil Garfinkel, teria começado a engendrar o plano de despertar nele a paixão pelo negócio da família. “Eu não sei quanto o ‘mastermind’ do meu pai articulou isso na minha vida. Talvez ali ele tenha tentado plantar alguma semente, algum ‘inception’, acho que talvez tenha dado certo!” 

Bruno Poletti / Folhapress

De lá para cá, muita água correu pela Porto Seguro até que Bruno, 42 anos, fosse nomeado presidente do Conselho de Administração do quarto maior grupo segurador do país, posto ocupado por seu pai desde 2004, quando a companhia abriu capital. A passagem do bastão ao herdeiro vai ocorrer em 31 de maio, na próxima assembleia de acionistas.

Em entrevista ao Valor, pai e filho relembram a trajetória da companhia e comentam a mudança: “Acho muito importante uma nova geração dirigir a empresa, porque tem um monte de informações que eu já não alcanço mais”, reconhece Jayme em referência à transformação digital e à velocidade com a qual os hábitos têm mudado.

Jayme encerra assim um longo capítulo, de 47 anos, à frente do grupo, adquirido por seu pai, Abrahão Grafinkel, em 1972. No período, o empresário, que deixa a companhia no fim do próximo mês, transformou a seguradora de um modesto 44 lugar em prêmios emitidos na quarta maior do setor no país. A pequena empresa de 500 funcionários, quando assumiu a direção junto com sua mãe Rosa a partir de 1978, após o falecimento do pai, tornou-se hoje um colosso de 15 mil empregados e R$ 17,9 bilhões de receitas em 2018, dos quais R$ 15,5 bilhões em prêmios emitidos.

“A melhor coisa das férias é o último dia de trabalho”, brinca Jayme ao comentar sobre seus planos para depois da saída, em alusão ao eventual tempo livre. Aos 72 anos, o quase aposentado, porém, talvez enfrente o problema contrário. Após deixar o dia a dia da Porto Seguro, o empreendedor pretende manter uma rotina no family office, criado para gerir a fortuna da família, que fica no prédio da frente da companhia; dedicar-se ao Instituto Ação pela Paz, organização que cuida da melhoria do sistema prisional; e também ficar mais tempo na fazenda, “um lugar de que eu gosto muito”.

A escolha de Bruno para o cargo também encerra outra especulação, a de que o ex-CEO Fábio Luchetti assumiria o comando do colegiado após a saída de Jayme. O mercado passou a debater esse movimento de sucessão mais intensamente a partir da entrada de Luchetti no conselho no ano passado, quando deixou o cargo de CEO. Isso porque, pelo estatuto da companhia, Jayme teria de deixar o colegiado por ter completado 70 anos. O grupo estendeu seu mandato, mas o principal acionista da Porto Seguro teria de deixar o posto até março de 2020.

“Eu disse: chegou a hora. E eu gosto de antecipar, quando está tomada a decisão, então por que esperar pelo ano que vem? Estou naquela idade em que cada dia é importante. Preciso aproveitar cada dia. Então acho que é o momento de mudar de vida para mim e também para ele”, resume o controlador sobre o processo.

A sucessão na presidência do conselho, na verdade, começou a ser trabalhada no momento em que seu filho mais velho se tornou integrante do colegiado há dois anos. “Tenho uma data limite estatutária de idade que foi estendida por dois anos. E agora, mais recentemente, depois de a gente ter rodado esses dois anos juntos e avaliando o que era o melhor para a companhia, achei que [o filho assumir a presidência do conselho] era o melhor para a Porto, para mostrar essa continuidade e essa competência que ele conquistou ao longo da vida de executivo e no conselho”, explica Jayme Garfinkel.

Desde quando Bruno entrou na empresa, há 15 anos, o mercado tem especulado sobre sua trajetória dentro da seguradora. O primeiro debate foi sobre sua preparação para assumir o cargo de CEO. O desfecho da história iniciada ainda na infância, porém, aconteceu um pouco diferente do imaginado, reconhecem pai e filho. “Quando meu pai me disse ‘vem para o conselho’ os dois ficaram meio frustrados naquele momento [em 2017]. Tinha uma ambição de talvez ser o presidente da empresa. Meu pai também tinha o mesmo sonho”, reconhece o novo presidente do conselho. “Mas a gente perdeu esse sonho e ganhou outro. E está dando certo.”

Antes de entrar no grupo, Bruno seguiu uma trajetória “típica” de quem se prepara para liderar os negócios da família. Formou-se em administração de empresas, trabalhou em um banco de investimentos e morou nos Estados Unidos, onde cursou um MBA na Boston University. Ao voltar para o Brasil, então com 27 anos, finalmente ingressou na empresa, ainda que não diretamente na primeira divisão.

Em 2004, após a especialização nos EUA, o pai lhe telefonou com um convite: queria que seu filho ingressasse na seguradora recém-comprada, a filial brasileir da AXA, que depois virou a Azul Seguros. “Falei para ele que a Azul tinha o tamanho da Porto Seguro quando eu entrei e achava uma oportunidade única”, conta Jayme sobre o episódio.

Na linha “não posso passar a imagem de estar facilitando”, como reconhece o próprio empresário, Bruno começou bem no mais básico. “Meu início foi trabalhando na área de sinistros. Abrindo sinistros. As pessoas telefonavam e eu fazia o atendimento”, conta. “Não tive nenhuma facilidade, tenho certeza de que meu pai falou para si próprio: ‘se for duro para os outros que seja 120% duro comigo’”.

“Fui morar no Rio de Janeiro, então a gente tinha uma ‘proteção’ de 400 quilômetros de distância”, explica Bruno, sobre o risco de haver algum tipo de julgamento de colegas na Azul. “Na época, quem fez todo um plano meu de carreira ou de trainee foi o Roberto Santos, nosso atual CEO. E aí as coisas foram andando de maneira natural. Acho que meu pai fez o mais difícil que foi se abster de ajudar. Não interessava em qual função estava sempre acreditei que tinha de fazer o melhor papel. Até porque eu era uma pessoa que tinha uma responsabilidade a mais.”

Após três anos na Azul, a Porto Seguro designou Bruno como diretor comercial, em São Paulo, com a missão de cuidar de corretores. “Aprendi como era lidar com nosso principal canal [de distribuição]. Fiz grandes amigos e foi mais uma onda de aprendizado”, pondera. O executivo assumiu depois uma posição como responsável pela área de sinistros, mas dessa vez, da própria Porto Seguro. “Fui convidado a pôr um novo olhar na operação”, diz.

Segundo Bruno, “sinistro é uma área que todo mundo fica com um pouco de dedos, é onde tem a despesa”. Mas, afirma, “me deparei com a área mais importante da empresa, porque o sinistro é o marketing da companhia, é a hora que as pessoas efetivamente recebem algo”.

Dentro de sua atuação, Bruno enumera várias inovações, como o aviso de sinistro on-line, que agiliza o atendimento, e “criamos uma desmontadora de veículos”. A operação, batizada de Renova Ecopeças faz a reciclagem de peças de carros batidos para venda no mercado de usados. Os componentes recebem certificação pelo Detran.

“A Porto, por ter essa veia criativa e inovadora, é uma empresa que fomenta essas oportunidades e eu abracei”, afirma o herdeiro da Porto. Após a experiência na área de sinistros, Bruno se tornou um dos diretores de área de automóveis, a principal carteira da companhia. “Foi uma responsabilidade enorme, porque você entrar em time perdedor é fácil, qualquer melhoria que você faz, dá certo, mas entrar para cuidar da Porto Seguro Automóvel era você administrar a seleção brasileira”, compara.

Bruno revela ter ficado “apavorado” no primeiro dia no cargo. “Recebi um desafio logo de cara: ‘parabéns, você está começando hoje, e gostaríamos que nos próximos três meses você apresentasse um planejamento estratégico para os próximos dois anos’.” Naquele momento, o executivo diz ter se lembrado de um conselho frequente de seu pai: ouvir as pessoas. “Então eu convidei 50 líderes de todas as áreas da empresa que, de alguma forma, tinham contato com a área de automóveis e produzimos juntos um plano sólido, apresentamos no conselho e meu pai mesmo disse na época ‘como é que a gente consegue fazer isso agora?”

O futuro presidente do conselho da Porto, porém, reconhece que a ambição de se tornar CEO da empresa familiar ficou para trás, porque havia na empresa quadros com mais experiência operacional. “Depois que a gente alinhou as coisas na área de automóveis a Porto tinha também outros dois diretores na área, o Marcelo Sebastião e o Felipe Milagres, pela Azul Seguros, que são dois caras fenomenais. Então eu cheguei para o meu pai e disse ‘acho que o meu trabalho aqui tá feito, os caras são geniais, e eu não estou contribuindo além do que eu posso’.”

Esse olhar sobre o time é uma marca que vem da gestão de Jayme. “Por que eu me sinto seguro de poder sair [da Porto]? Porque sinto que o Bruno tem a mesma cabeça, de que nós conseguimos fazer tudo isso ouvindo pessoas. Não fui eu quem fiz as inovações. As inovações foram construídas em grupo.”

O empreendedor reforça a importância da transição em um momento no qual as mudanças na indústria se aceleram. “Em uma reunião recente estávamos falando sobre a transformação digital. E eu disse ‘o que eu acredito é na mudança todo dia’. A gente foi evoluindo e se tornou inovador porque a gente atuava todo dia buscando alguma melhoria sobre o dia anterior. Agora ficou mais rápido ainda.”

De acordo com Jayme, “daí vem a importância de uma nova geração dirigir a empresa, porque tem um monte de informações que eu já não alcanço mais”. Para o executivo, “o Bruno vai trazer uma inovação para o conselho”.

O novo presidente do conselho conta que três anos atrás deu de presente de aniversário ao pai uma imersão de uma semana na Singularity University, no Vale do Silício, nos EUA. “A gente foi junto e foi o máximo, mas o conceito dessas tecnologias exponenciais deixou a gente um pouco apavorado”, afirma Bruno. A viagem acendeu na dupla a noção de que a mudança é inevitável.

“A gente estudou, por exemplo, um caso de uma seguradora que faz seguro por quilômetro, mas optamos por fazer um outro modelo, que é o aplicativo Trânsito Mais Gentil, que mede como as pessoas dirigem efetivamente”, conta o executivo. O app tem mais de 1 milhão de downloads.

Segundo Bruno, a tecnologia, por meio de sensores como acelerômetro e giroscópio dos smartphones, permite até inferir se a pessoa usa o aparelho enquanto dirige. Os motoristas mais responsáveis ganham recompensas e descontos no seguro. “A gente não pode ficar parado, porque tudo está acontecendo rápido, mas também não podemos esquecer das pessoas”, diz o novo chefe do conselho, ecoando o mantra do seu pai.

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