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Revolução silenciosa redesenha o setor de seguros

Fonte: Valor Econômico 


SÃO PAULO  - 

O mercado segurador brasileiro passa por um momento de transformação. Nos últimos dois anos, houve uma escalada nas transações de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês), com empresas adquirindo concorrentes ou vendendo carteiras não prioritárias para companhias que se concentraram em áreas de maior expertise. Em paralelo, uma série de parcerias, com bancos ou entre seguradoras independentes, se proliferou em um momento em que uma economia debilitada, margens de lucro apertadas e a necessidade de inovar para fazer frente a um mercado cada vez mais digital impuseram desafios às operações. 

DivulgaçãoCoriolano, da CNseg: empresas se dedicam às áreas em que são mais competentes

“Está em curso uma revolução silenciosa no mercado. Há um reposicionamento estratégico fortíssimo por parte das companhias. As empresas se dedicam às áreas em que são mais competentes para fazer negócios”, diz o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Marcio Coriolano. Os acordos levam muitas empresas a diversificar as áreas de atuação de maneira colaborativa com companhias especialistas, ampliando canais e receitas e compartilhando riscos. “O mercado se desenvolve rapidamente. Não dá mais para esperar dez anos para aprender sobre uma área. As parcerias aceleram o crescimento”, afirma o diretor-geral de seguros e investimentos da Porto Seguro, Marcelo Picanço. 

As transações de M&A são a face mais visível dessa “revolução”. Relatório da KPMG aponta que os negócios envolvendo seguradoras e corretoras no Brasil aumentaram 44% em 2018, sobre ano anterior, com 23 acordos. Dos 43 setores mapeados, o segmento ficou em 12º lugar no ranking de transações, indicativo de apetite renovado por compras e união de forças. A série histórica da consultoria soma 295 transações desde 1999, ano do primeiro relatório. 

Fernando Martinho/DivulgaçãoPicanço, da Porto Seguro: parcerias aceleram o crescimento

Nesses 20 anos, 2018 ocupa o quarto lugar em número de transações – e o segundo ano mais prolífico apenas nesta década, atrás de 2011, que cravou um recorde histórico de operações (31) em um momento em que mais grupos estrangeiros fincavam pé no mercado local. Nesse ano foi anunciado o casamento entre Banco do Brasil e Mapfre.  

“As seguradoras, assim como todo o segmento de serviços financeiros, passam por um momento de pesada transformação pela necessidade de inovar e adotar novas tecnologias”, diz o sócio da KPMG, Fernando Mattar. Os movimentos de M&A, compra de carteiras e parcerias refletem, assim, a busca por maior eficiência, por segmentação – ou ampliação, em alguns casos –, de especialidades e novos canais de distribuição com a ascenção de consumidores com hábitos digitais. O segmento já entendeu que quem ficar parado terá dificuldades em concorrer nesse mercado tão dinâmico, diz Mattar. 

O Brasil não é exceção nessa corrida. As operações de M&A se avolumam nos quatro cantos do planeta ao possibilitar às seguradoras ganhos de escala, absorção de novas tecnologias e expansão geográfica de forma mais acelerada que o crescimento puramente orgânico. Relatório do escritório de advocacia britânico Clyde & Co’s contabilizou 382 transações no segmento em 2018, alta de 9% sobre 2017. Houve crescimento nas transações nos últimos três semestres, o que não ocorria desde 2009.  

Das 23 fusões e aquisições no Brasil no último ano, 17 foram domésticas, mostra a KPMG. O mercado continua aquecido em 2019. Há conversas entre Austral e Terra Brasis, que constituiriam a terceira maior resseguradora do país. Grandes transações globais também respingam no Brasil, um mercado estratégico para os players mundiais. Em fevereiro de 2018, foi anunciada a aquisição por US$ 409 milhões das operações na América Latina da australiana QBE Insurance Group (QBE) pela suíça Zurich. Em março, a francesa AXA comprou a norte-americana XL Group por US$ 15,3 bilhões. 

A aprovação da compra da The Warranty Group (TWG), especializada em garantia estendida, pela Assurant, ocorreu em maio de 2018. Com a aquisição, a Assurant, focada em gestão de riscos e proteção de bens (aparelhos eletrônicos, garantia estendida, auto), passa a atuar em 35 países, ante os atuais 23. “A aquisição adiciona escala, mercados, absorção de conhecimento. É como juntar bibliotecas”, diz Ricardo Fiuza, presidente da Assurant no Brasil. 

Com a aquisição da TWG, que atuava no Brasil desde 1997, a Assurant se torna a segunda maior seguradora no ranking nacional de garantia estendida, proteção veicular e smartphones, com 28% de market share. Em 2016, a Assurant já havia comprado parte do portfólio de varejo da AIG no Brasil. “Incorporamos um portfólio importante de clientes do ramo de varejo e montadoras com a aquisição da TWG. A transação inorgânica acelera o crescimento.” 

No Brasil, há uma particularidade conjuntural que torna as transações mais urgentes: a debilidade da atividade econômica. Embora tenha se mostrado resiliente nos anos de recessão (2015-2016) e de lenta retomada (2017-2018), o mercado segurador sentiu o baque da queda na venda de veículos novos, da quase paralisação das obras públicas, da fraqueza do setor de óleo e gás e do forte desemprego, para citar alguns fatores que impactaram os resultados de carteiras relevantes.  

De crescimentos a taxas chinesas no início da década, o setor conviveu, no ano passado, segundo a CNseg, com queda de 0,2% na arrecadação em prêmios (excluindo saúde suplementar e DPVAT), em relação a 2017. Ainda que seja preciso ponderar as diferenças de comportamento entre os diferentes segmentos (algumas carteiras cresceram dois dígitos), o resultado foi insuficiente para superar uma inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulou alta de 3,75% no último exercício. 

Um desafio adicional para as seguradoras teve início com o ciclo de afrouxamento monetário iniciado em outubro de 2016, que levou a taxa básica de juros da economia de 14,25% ao ano para o atual patamar de 6,50% ao ano. Não há segredo: juros mais baixos impactam diretamente na remuneração dos ativos financeiros. “As empresas foram obrigadas a olhar para seus balanços. O movimento de parcerias e de revisão do core business está atrelado ao desempenho macroeconômico”, avalia o presidente da CNseg. 

O crescimento nas operações de M&A aponta para um segmento em mutação. Mas não há indícios de concentração de mercado. “Tem ocorrido muitas compras de carteiras ou de canais, mas não há grandes movimentos de compras entre grandes empresas que apontem para uma consolidação”, diz Abel Colaço, executivo-sênior da consultoria Bain & Company. A concorrência até aumentou nos últimos anos, com o desembarque no Brasil de grupos estrangeiros e o crescimento de operações de players nacionais de peso, a exemplo da Caixa Econômica Federal e da holding BB Seguridade. Em 2019, a XP anunciou o lançamento da própria seguradora. 

Concomitantemente às fusões e aquisições, outro movimento ganha tração: as parcerias. Nos últimos dois anos, o anúncio de alianças em diferentes modelagens (joint ventures, parcerias estratégicas, associações, plataformas digitais conjuntas) se popularizou. Um exemplo é a Bradesco Seguros, que optou por uma estratégia diferente da adotada pelo Itaú Unibanco (que vendeu sua carteira de grandes riscos à ACE) ao firmar uma joint venture com a Swiss Re Corporate Solutions para atuar no ramo de grandes riscos.  

A tendência, cada vez mais, é de algumas companhias atuarem em ramos especializados, como grandes riscos corporativos, e outras focarem em nichos de varejo que exijam maior escala (automóveis, pessoas), cada uma aproveitando suas expertises e vantagens competitivas. Há quem deseje também ingressar em novos nichos, mas com o suporte e a parceria de uma empresa especializada. Para as seguradoras “generalistas”, a parceria elimina a necessidade de montar um produto do zero. 

Nessa depuração do mercado e com foco apenas em áreas do varejo, a Porto Seguro identificou oportunidades de engordar carteiras, ou ingressar em ramos ainda não bem explorados, como D&O (o seguro para executivos) e responsabilidade civil para o segmento PME. Em dezembro de 2018, anunciou uma parceria estratégica com a AIG e, a partir de meados de 2019, passará a comercializar alguns produtos que eram oferecidos até então pela empresa de origem norte-americana. “A parceria se apoia na capacidade da AIG em ressegurar os riscos e na transferência de know-how. Os produtos serão da Porto, inspirados em anos de conhecimento e outras geografias da AIG.” 

Em outra parceria, anunciada no início de 2019, a Porto Seguro assumiu a carteira de seguros de responsabilidade civil profissional e de D&O da Travelers Seguros, que se prepara para sair do país. No vencimento da apólice, o cliente da Travelers terá a possibilidade de renovar com a Porto. “A transação é importante porque incrementa o portfólio da Porto em ramos elementares além do automóvel, diversificando nossa carteira.” 

Há quem busque parcerias para acelerar a estratégia de inovação tecnológica. “O movimento de renovação do mercado brasileiro passa pelo conceito de omnichannel. O consumidor busca o canal mais conveniente e as empresas precisam se adaptar a essa nova realidade”, diz o presidente da Liberty Seguros no Brasil, Carlos Magnarelli. A seguradora anunciou, em novembro de 2017, uma parceria com validade de dez anos com o Banco Inter, um dos pioneiros na oferta de contas correntes 100% digitais no Brasil. 

A distribuição dos produtos teve início no primeiro trimestre de 2018 e todo o processo é feito de forma on-line, da contratação nos canais digitais do banco ao atendimento pós-venda via seguradora. A parceria envolve a distribuição de seguros como auto, residencial, roubo e furto de cartão e prestamista para os correntistas digitais do banco – eram dois milhões de contas digitais ao final do primeiro trimestre de 2019, conforme balanço do Banco Inter.

Os produtos foram adaptados nas coberturas, nos preços e, também, na forma de pagamento, em parcelas mensais. “Também distribuímos produtos que não oferecemos em outros canais, como o seguro para tablets e smartphones. O cliente digital exige proteção diferenciada.” A Liberty Seguros já mantém conversas com outros bancos – incluindo os digitais – para novas parcerias. 

Há outras motivações para as parcerias, exemplificadas pelos movimentos recentes da HDI Seguros, que teve mais de 90% das vendas no Brasil concentradas no seguro de automóvel em 2018. A forte crise que se abateu sobre o mercado automotivo nos anos de crise atingiu em cheio a contratação do seguro de veículos, a maior carteira do mercado nos ramos elementares em volume de prêmios, com R$ 35,88 bilhões arrecadados em 2018, conforme a CNseg. 

O principal combustível do setor é a venda de carros zero quilômetro. Conforme os veículos envelhecem, a tendência natural do brasileiro é deixar de contratar a proteção – a aquisição do seguro em carros com mais de cinco anos cai para 20%. A recessão e o biênio de crescimento moderado fizeram com que as vendas de carros novos despencassem, conforme a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), que reúne as revendedoras no Brasil. Em 2012, as vendas de automóveis e comerciais leves somaram 3,63 milhões de unidades. Em 2018, foram 2,56 milhões de emplacamentos. Em seis anos, a queda foi de aproximadamente 30%. 

“Em 2012, projetávamos que, a essa altura, o Brasil venderia cinco milhões de carros por ano. Agora, o mercado celebra retomar em 2022 o patamar de vendas de 2012”, lamenta o presidente da HDI, Murilo Riedel. A HDI resolveu agir, com aposta na diversificação para outras linhas de negócios. Em fevereiro de 2019, a seguradora anunciou uma parceria de longo prazo com a Icatu Seguros. 

Claudio Belli/ValorRiedel, da HDI: estratégia para diversificar e acessar novas expertises

O acordo prevê a utilização da base de mais de 23 mil corretores integrados da HDI para a comercialização de seguros de vida e acidentes pessoais da Icatu, operação que deve ter início no segundo semestre. Os produtos buscam atingir as pessoas físicas e o segmento PME. Os resultados serão divididos via cosseguro em uma natureza de sociedade de 50%/50%, explica o presidente da Icatu, Luciano Snel. A HDI, diz Riedel, quer fazer parte de um ecossistema gerador de negócios por meio de parcerias que permitam a diversificação e o acesso a novas expertises. “Eu poderia desenvolver tudo sozinho, mas isso tomaria tempo.”

Em outra operação, a HDI e o Santander sacramentaram, em outubro de 2018, a criação da Santander Auto, plataforma 100% digital para a oferta de seguros de automóveis. Cada participante terá 50% das receitas da plataforma, que estreia no segundo semestre de 2019. O exemplo do Santander indica que os grandes bancos de varejo também se apoiam em parcerias para otimizar as operações. Há cerca de um ano, o Itaú Unibanco se aliou a seguradoras independentes (Amil, Prudential do Brasil, Chubb, MetLife Brasil e Icatu) e abriu sua plataforma de seguros, emulando um modelo já utilizado na área de investimentos. “Também iniciamos a alocação de consultores de seguros nas agências visando oferecer uma assessoria especializada aos clientes”, diz Luiz Fernando Butori, diretor do banco. 

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