Breaking News

SulAmerica: Presas ou predadores?

Os executivos da SulAmérica só falam em comprar empresas. Mas a companhia, última grande seguradora independente do país, tornou-se alvo de bancos locais e grupos internacionais que querem crescer aqui.





Por Giuliana Napolitano Portal Exame

As várias gerações de executivos que passaram pela seguradora SulAmérica viram de tudo. A história da companhia, fundada em 1895, no Rio de Janeiro, é recheada de mudanças de moedas, planos econômicos, taxas de inflação de vários dígitos e outras instabilidades tão típicas do antigo Brasil. Tem sido privilégio do atual presidente, Patrick de Larragoiti, trineto do fundador da SulAmérica, estar à frente da companhia exatamente quando tudo isso ficou para trás -- e também no período de maior assédio sofrido pela empresa desde sua fundação. Embora ninguém confirme oficialmente, a SulAmérica foi sondada nos últimos meses por, no mínimo, três instituições interessadas em comprar pelo menos parte da empresa: a seguradora francesa Axa, o Bradesco e o Banco do Brasil (que está fazendo uma ampla reestruturação de sua área de seguros). A SulAmérica virou a noiva do momento para o mercado financeiro.

O que explica esse momento inédito em 114 anos é a conjunção do potencial de crescimento da economia brasileira com o tamanho e a saúde financeira da companhia. Graças à entrada no mercado de consumo de milhões de pessoas nos últimos anos, o Brasil é considerado um dos maiores mercados potenciais do mundo na área de seguros. O setor cresceu a uma média anual de 17% no país nos últimos três anos, o dobro do ritmo mundial. E a expectativa para os próximos anos é de um novo salto. Com base em dados de uma pesquisa da consultoria Accenture, calcula-se que o setor dobrará de tamanho até 2015. "Hoje, quem já está no mercado quer crescer e quem está fora quer entrar", diz Silas Devai, executivo responsável pela área de finanças da Accenture. A SulAmérica é a última das grandes independentes (ou seja, não ligadas a nenhum banco) que sobraram no mercado -- no mês passado a Porto Seguro selou um acordo com o Itaú Unibanco para vender 30% da empresa.

O interesse despertado pela SulAmérica é resultado também do trabalho da direção. No fim da década de 90, a seguradora era uma empresa sólida, mas arcaica. Executivos próximos comentam que muitos profissionais eram mantidos mais pelo carisma do que pelos resultados que entregavam. Fora isso, depois de anos no topo do ranking do setor de seguros, a empresa perdeu a liderança para sua maior rival, a Bradesco Seguros -- e havia dúvidas sobre como sobreviveria ao aumento da concorrência trazida pela entrada de novos grupos estrangeiros no país. Diante da necessidade de mudança, a SulAmérica inovou. Em vez de afastar os membros da família do negócio -- um movimento comum em empresas que decidem dar uma virada nos negócios --, a companhia fez o contrário: colocou Larragoiti no comando, em substituição a Rony Lyrio, que não é da família. Larragoiti -- nascido na França, elegante e aristocrático -- coordenou a reformulação da alta cúpula ao reduzir o número de diretorias e substituir profissionais com anos de casa por outros mais jovens, muitos deles contratados no mercado. Hoje, uma pequena placa de acrílico de 30 centímetros de largura e 20 de altura fica em cima das mesas de todos os dez membros da vice-presidência. Nela, está impresso um resumo das metas que eles precisam cumprir para receber o bônus anual -- que, em média, corresponde a duas vezes o salário fixo de cada um.

A transformação não foi suficiente para que a SulAmérica retomasse a liderança do mercado. Mas a empresa ficou mais eficiente e rentável. Tem um dos menores índices de sinistros -- como são chamadas as indenizações pagas aos segurados -- tanto no ramo de automóveis como no de saúde (que, juntos, representam quase 90% de suas receitas). Depois de ter um prejuízo de 111 milhões de reais em 2004, registrou um lucro líquido recorde em 2008 e melhorou a relação entre suas despesas e receitas, o principal indicador de eficiência das seguradoras. "Foi um saneamento gerencial que levou anos, mas mudou completamente a imagem da SulAmérica", diz Flávio Faggion, presidente da Siscorp, consultoria especializada em seguros. Recentemente, o foco da companhia tem sido cortar custos. No novo prédio da SulAmérica no Rio, inaugurado em agosto, só existem duas impressoras coletivas por andar -- o que dá uma média de uma máquina para cada 100 funcionários. "E elas só imprimem preto-e-branco e frente-verso", diz Arthur d’Amoed Neto, vice-presidente de relações com investidores da empresa. As melhorias têm feito a alegria dos investidores: o valor das ações mais que dobrou neste ano e está cerca de 20% acima do preço da abertura de capital, em 2007.

As empresas que veem a SulAmérica como alvo estão cientes das mudanças e de olho no tamanho da companhia. Como ocorre no mercado bancário, a escala é importante para seguradoras porque dilui os custos fixos com tecnologia e pessoal. Isso explica a concentração do mercado vista nos últimos anos: em 2008, mais da metade do faturamento do setor ficou nas mãos de quatro companhias, percentual que há uma década era de apenas 32%. Esse processo deve continuar e até se intensificar, porque agora as seguradoras vão ter de enfrentar a perda de uma parte dos lucros vindos de aplicações dos recursos que mantêm em caixa para pagar indenizações. Com a queda dos juros, o retorno dos investimentos financeiros será menor -- e isso deve forçar uma nova rodada de consolidação.

É fato que o setor vai ficar mais competitivo e a SulAmérica, como as demais seguradoras, terá de se preparar. Perguntado sobre isso, Larragoiti dá a resposta-padrão: diz que sua meta é lucrar mais e lançar produtos e serviços -- e cita como exemplo a estação de rádio da empresa, com transmissão em São Paulo desde 2007 e no Rio desde 2009, com notícias e informações sobre o trânsito. Embora negue que a companhia esteja à venda, Larragoiti diz estar "à procura de parcerias e acordos operacionais". Especula-se que o banco holandês ING, que detém 21% do capital da SulAmérica, estaria disposto a se desfazer de parte ou de todo o investimento por precisar de recursos na matriz, o que abriria espaço para novos sócios -- procurado, o banco nega. Enquanto não há uma definição, Larragoiti estuda a compra de empresas menores. Segundo ele, parte dos 775 milhões de reais levantados com a abertura de capital está em caixa, disponível para futuras aquisições. "Já olhamos algumas empresas nos ramos de automóveis e saúde, que poderiam trazer sinergias interessantes para o nosso negócio", diz. Na cadeia alimentar do setor de seguros, a presa cobiçada por muita gente ainda sonha em fazer o papel de predador.

Nenhum comentário

Escreva aqui seu comentario