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A bolha de sabão

Fonte: Gustavo Melo - postado originalmente no CQCS

Nesta semana uma construtora renovou por apenas R$ 50 mil, três vezes mais barato do que o preço médio do mercado, uma apólice de seguros, mudando de seguradora. Ao cotar em outras 15 seguradoras, eu observei todo o mercado cobrando em torno de R$ 150 mil para o mesmo risco. De fato, este cliente pagou aproximadamente R$ 150 mil nesta mesma apólice, pelos últimos 5 anos. O Valor em Risco era de R$ 34 milhões e havia um sub-limite de R$ 2 milhões por evento. Mas dessa vez era diferente, ele conseguiu uma “promoção”! Mas promoção em seguros? Isso existe?

Quando vendemos um seguro a uma pessoa comum, na alma dessa operação financeira encontra-se um voto de confiança desta pessoa que consumiu o seguro. Na verdade o segurado deposita sua confiança de que, em havendo um determinado sinistro, essa pessoa será ressarcida de seu prejuízo pois o contrato reza a mais perfeita boa fé.

Mas e se... Se a seguradora não tem boa fé? Se os cálculos atuariais estão equivocados? Se a companhia de seguros depende exclusivamente de resultados financeiros de seus investimentos especulativos? Se a seguradora não conseguir cumprir com suas obrigações futuras?

É o caos? Depende. A maior seguradora do mundo, a AIG, quebrou nos Estados Unidos pois investia, e perdeu muito dinheiro assim, em fundos de investimento imobiliário alavancados numa bolha especulativa que estourou em 2008. Mesmo assim o sistema de seguros permaneceu de pé. A AIG recebeu ajuda do governo federal de seu país, e vem através de vendas de ativos pelo mundo quitando esta dívida.

No passado, aqui no Brasil, Ajax, GNPP, Carioca, Castelo Costa, Nacional, entre outras companhias enfrentaram dificuldades. O mercado superou tudo isso e seguiu em frente. No entanto, uma geração de consumidores perdeu sua confiança no sistema. Naquele momento, todos nós perdemos um pouco com este fato.

Quando uma geração de consumidores perde a confiança, significa dizer que vão consumir o mínimo necessário buscando soluções alternativas para seus riscos. Assim o mercado cresce menos. Seguros de vida e previdência, que representam mais de 60% do tamanho do mercado, evaporam. Seguros de responsabilidade civil são trocados nas empresas por provisões. Garantias são trocadas por fianças, etc. etc. etc. O setor de seguros encolhe e agoniza até uma nova geração aparecer e esquecer os erros do passado.

Os bancos em todo o mundo podem alavancar 9 vezes o seu patrimônio líquido. O que isso significa? Que podem emprestar R$ 9,00 para cada R$ 1,00 que possuem. Se as pessoas pagarem seus empréstimos, e se o juros suplantar as despesas da operação, o banco terá lucro e sucesso. O segredo crucial está na capacidade de emprestar para bons pagadores, com garantias reais e menores riscos. Quanto é o risco assumido aqui? É fácil de observar, é exatamente o volume de alavancagem do capital, ou seja, o volume de empréstimos e investimentos.

Em uma seguradora é diferente. A seguradora não empresta dinheiro como os bancos, mas também assume riscos ao se comprometer em pagar dinheiro ao segurado. Mas quanto é esse risco? Ela (didaticamente falando) pode receber em prêmios (pagamentos) 5 vezes o volume de seu patrimônio líquido. E também tem o limite de sinistros (indenizações) em até 3 vezes o seu patrimônio líquido. Quanto é o risco aqui? Diferentemente dos bancos, nesse caso é muito difícil de se ver. Se a seguradora for agressiva demais e cobrar tarifas irrisórias o volume de risco assumido é enorme.

Uma taxa de 1%, pode ser muito baixa no caso do risco de automóvel, ou muito elevada no caso do risco de incêndio de uma residência, e ainda estar na média de mercado para um seguro de garantia de conclusão de uma obra civil. Supondo hipoteticamente que uma companhia de seguros tenha um capital social de R$ 20 milhões. Portanto, seguindo as normas da margem de solvência, ela poderá receber de prêmio R$ 100 milhões (5 x R$ 20 milhões). Imaginando ainda que esta mesma companhia somente subscreva apólices com 1% de taxa, ela poderá assumir aproximadamente R$ 10 bilhões em riscos.

Só para comparar. Um banco com R$ 20 milhões de capital pode emprestar e assumir riscos de R$ 180 milhões. Uma seguradora com R$ 20 milhões pode se comprometer com R$ 10 bilhões ! É lógico que o banco possui contra garantias de seus empréstimos, também pulveriza o risco em milhares de clientes e assim minimiza seu risco. As seguradoras fazem da mesma forma. E assim o sistema reduz seu risco embora mantenha a alavancagem. Sempre acreditando na mesma idéia de que nem todas as maças do cesto vão apodrecer.

No entanto, de vez em quando há problemas. 43 companhias de seguros no Brasil, em julho de 2010, apresentaram como resultado prejuízo operacional. Destas, 26 se salvaram pela aplicação financeira. Essas 43 companhias arrecadaram 28% do prêmio retido no primeiro semestre de 2010. Ou seja, quase 1/3 ou R$ 1,00 em cada R$ 3,00 pagos pelos segurados. E jamais saberemos quanto risco elas assumiram, pois depende dos preços praticados por elas, resseguros, cálculos atuariais, etc. !

A receita financeira, neste primeiro semestre, representou 12% do prêmio ganho das companhias. Considerando o mercado como um todo o resultado geral foi de 18% de lucro, dos quais 8% de resultado operacional e 10% financeiro após impostos. Apesar disso, ao lembrarmos que esse resultado é uma média, pois há 43 companhias com dificuldades, nos parece um sistema frágil não é mesmo? O que vai acontecer se a sinistralidade subir? Ou se as receitas de juros no mercado financeiro não se perpetuarem? Como o sistema vai suportar?

O que o mercado tem feito atualmente ajuda na sua solidez? Não. Não mesmo! Basta ver a guerra de preços que se pratica hoje. Há uma diferença enorme no custo de diferentes tipos de seguros. Há casos de uma margem muito estreita e outros casos de prejuízo operacional. O prêmio arrecadado, em algumas situações, não corresponde ao seu preço técnico para pagar sinistros (prêmio puro).

Todos se apoiam na fiscalização da SUSEP. Na entrega do FIP (Formulário de Informações Periódicas) mensal contendo os dados das seguradoras, bem como na fiscalização rápida e pró-ativa da SUSEP. Acontece que a SUSEP tem muito trabalho e não tem um quadro suficiente. E a entrega dos dados... Bem, há seguradoras que demoram meses sem entregar o FIP. E porque isso ocorre? Será por problemas de sistema ou financeiro? Como nos proteger disso?

É fundamental que o mercado mantenha seus relevantes estudos de solvência das seguradoras. Que estes sejam divulgados e abertos ao público em geral. Mas qualquer que seja o rating para se analisar uma seguradora, ele é meramente financeiro, baseado no último balanço publicado. Não se verifica a adequação atuarial dos riscos assumidos em função do prêmio cobrado!

Há ainda quem diga que as seguradoras possuem provisões técnicas que lastreiam suas operações, e são superiores em muitas vezes o capital da companhia. É verdade. Está certíssimo. No entanto, a lei de falências no Brasil ainda não separa essa reserva técnica. Quando uma seguradora vai à bancarrota, toda sua reserva é usada para pagar os credores como qualquer outra empresa. Primeiro a dívida com o fisco, depois as trabalhistas, etc. O segurado sai perdendo sempre.

A verdade é que todos nós lucramos com isso. O consumidor está feliz pois paga menos, o executivo ganha bônus baseado em resultados de curto prazo (1 ano), o corretor vende mais com custos menores, os funcionários da seguradora ganham participação nos lucros de curto prazo. Na época de prosperidade tudo funciona muito bem.

Precisamos estar atentos a possíveis bolhas de sabão que podem estourar um dia. E fique avisado que hoje há companhia ou companhias de seguros que estão atrasando – já por um longo prazo - a entrega de informações (FIP) à SUSEP!


Gustavo Mello, Economista, com MBA em Gerenciamento de Riscos pela COPPE-UFRJ, Mestrado em Engenharia de Produção - sistemas de gestão - pelo Latec-UFF. É professor da Funenseg há mais de 10 anos, bem como leciona em diversas universidades – entre as quais a UFF/RJ - na área de gerenciamento de riscos, finanças e sistemas de gestão, tendo como alunos: corretores de seguros, profissionais de Cias. Seguradoras, da SUSEP e do IRB Brasil Re. É vice-presidente do IBEF - Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças - Rio de Janeiro. Consultor na área de gerenciamento de riscos, já tendo trabalhado em seguradoras nos EUA e na consultoria / auditoria KPMG. Em 1991, na qualidade de corretor de seguros, tornou-se sócio fundador da CORRECTA CORRETORA DE SEGUROS, atuando com seguros e gerenciamento de riscos. Também possui especialização para o setor de aviação, para o qual possui os cursos técnicos do CENIPA de sinistros aeronáuticos e segurança de vôo. 
gustavo@correcta.com.br

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