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Como serão as próximas gerações

Fonte Valor Econômico

No cenário pós-Fukushima, ninguém prevê qual será o custo das já caras centrais nucleares com as novas medidas de segurança e o provável aumento no valor dos seguros.

Daniela Chiaretti

Quanto a catástrofe japonesa vai alterar os planos da matriz energética brasileira ainda não se sabe. No exterior e no Brasil, o impasse não é político nem tecnológico, é econômico. Ninguém pode prever qual será o custo das centrais nucleares, que já são caras, com as novas medidas de segurança e a provável escalada do valor dos seguros. Por ora, só o incerto é certo.

Há duas leituras para o cataclismo nuclear japonês, na linha da metáfora do copo com água até a metade. Ambas lamentam a tragédia, mas uma delas lembra que o setor se vangloriava de ter segurança máxima - inclusive contra terremotos-, que o Japão é o país da eficiência tecnológica e deve ter tomado todos os cuidados possíveis e existentes, mas mesmo assim Fukushima deu no que deu. Para a maioria dos ambientalistas, políticos verdes e até para alguns físicos nucleares, usinas atômicas são copos vazios sempre ameaçando serem preenchidos com destruição. A outra corrente vê tudo ao contrário. Entende que se até os reatores de uma central antiga como Fukushima aguentaram um terremoto de magnitude 9 seguido de um tsunami arrasador, a tecnologia está valendo. A visão do copo meio cheio é a de quem acha que os danos no Japão, embora muito graves, não foram tão extensos dada a magnitude do desastre e enxerga energia nuclear como estratégica.

O impacto do megadesastre japonês nas escolhas energéticas do mundo e do Brasil é difícil de prever. O físico nuclear José Goldemberg esteve em abril em uma rodada de conferências nos Estados Unidos e ouviu a posição americana pelas explicações de Ernest Moniz, especialista na área, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e ex-secretário-adjunto de energia do governo Clinton. Moniz pontuou cinco tópicos no que aposta ser o mundo pós-Fukushima.

O primeiro é que o impacto vai variar de país para país, as respostas serão diferentes e não haverá uma tendência única. O segundo é que energia nuclear ficará mais cara e, portanto, menos competitiva. Ninguém mais aceitará a construção de novos reatores com as mesmas regras de segurança usadas até agora, diz Goldemberg. O futuro será de reatores menores, o que pode fazer que a renascença nuclear leve mais 10 a 20 anos para ocorrer. A questão de sempre, encontrar uma solução para os dejetos radioativos, que ainda não existe, terá que ser resolvida: os EUA, por exemplo, têm hoje 104 reatores, todos com piscinas onde ficam os combustíveis, como os de Fukushima. Vai ter que juntar essa radioatividade toda em um lugar só. São 104 lugares que podem dar problema. Finalmente, a ideia de que reatores podem funcionar durante 40 ou 50 anos pode ser derrubada. A aposta é que reatores serão aposentados com menos idade, o que, de novo, tende a torná-los mais caros.

A opinião pública também reagiu. A rejeição ao nuclear como forma de produzir eletricidade no mundo foi investigada na pesquisa Global Barometer on Nuclear Energy, realizada em 47 países pela rede Worldwide Independent Network of Market Research (WIN). Foram entrevistadas 34 mil pessoas poucos dias depois do terremoto. No Brasil, o Ibope ouviu 1.001 pessoas e mostrou que 54% dos entrevistados são contrários ao uso de energia nuclear no país - a oposição era de 49% antes do drama japonês. O Marrocos é o país com maior percentual de gente preocupada com um acidente nuclear (82%), seguido pela China (81%). O Brasil ficou em 13º lugar.

Nos dias seguintes ao terremoto-tsunami e à aflição dos que tentavam conter estragos ainda maiores em Fukushima, lideranças mundiais começaram a responder ao susto. A União Europeia dizia que a situação do Japão estava próxima do cataclismo nuclear, enquanto o país mais tecnológico do mundo rezava para o vento soprar para o Pacífico.

Chefes de Estado das grandes potências anunciaram a revisão de planos e normas de segurança. O primeiro-ministro Wen Jiabao disse que a China, o maior consumidor de energia do mundo, com 13 reatores em funcionamento e 25 em construção, iria frear o programa até segunda ordem. O francês Nicolas Sarkozy anunciou que o país faria revisão completa no sistema de segurança de seus 58 reatores (e esta semana surgiu circulando por uma central manifestando seu apreço público). O presidente Barack Obama disse que era preciso avaliar o programa dos EUA. David Cameron foi assertivo ao declarar que o Reino Unido estava aprendendo com o que havia acontecido no Japão, mas que energia nuclear continuaria fazendo parte do mix energético britânico. A Índia falou em reavaliação, mas há poucos dias anunciou o prosseguimento dos planos de construção da maior usina nuclear do mundo com capacidade de 9.900 megawatts, seis reatores e participação da francesa Areva.

O Brasil adotou uma postura mais de avestruz. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, informou que a presidente Dilma Rousseff, ex-ministra de Energia no governo Lula, estava extremamente preocupada com os efeitos da crise japonesa inclusive sobre a política nuclear no Brasil - e não avançou muito além disso. Vozes técnicas do segundo escalão do governo lembraram que no Brasil não há terremotos e tentavam convencer os leigos por que os nossos reatores são melhores do que os japoneses. O ministro da Ciência e Tecnologia Aloízio Mercadante falou em segurança e mais rigor, lembrou que as novas usinas são para 2030, que o governo não tem pressa e - menos mal - quer ter o máximo cuidado. O ministro Edson Lobão, da Energia, (que em 2008 disse que o Brasil faria uma usina nuclear por ano nos próximos 50 anos) logo disparou que as dificuldades que as usinas japonesas tiveram as nossas não terão, pois têm proteção maior. Dias depois abandonou o argumento da superioridade local e bateu na tecla de que as usinas nucleares brasileiras passariam por rigoroso teste de segurança.

Nenhum país foi tão contundente quanto o alemão em reagir internamente ao que ocorria no Japão. A chanceler Angela Merkel anunciou o encerramento das centrais que começaram a funcionar antes de 1980, por três meses no mínimo, suspendendo a decisão de prolongar a vida das usinas que havia tomado meses antes. A raiz disso vem do passado, de um reflexo ao acidente de Tchernobil, no período entre 1998 e 2005, quando a Alemanha era liderada pela coalizão entre verdes alemães e social-democratas. Foi então que se aprovou uma lei prevendo o fechamento de todas as usinas nucleares alemãs - decisão que Merkel havia revisto cinco meses atrás alegando que a energia nuclear serviria como uma energia de transição para o país enquanto o fornecimento de fontes renováveis não se fortalece. A energia nuclear produz 25% da eletricidade na Alemanha. Assim que Fukushima começou a ter problemas e milhares foram às ruas protestar contra as usinas, Merkel avisou que estava voltando atrás na decisão anterior. Anunciou o fechamento temporário de sete reatores.

Esse vaivém foi criticado em editorial do britânico Financial Times. O jornal dizia que a histeria não é uma qualidade que se associa aos políticos alemães. As críticas enxergavam manobra eleitoreira por trás da decisão. Merkel estaria tentando evitar a derrota de seu partido nas eleições do Estado de Baden-Würtemberg, reduto tradicional da União Democrata Cristã (CDU). Não adiantou nada. Os verdes e os social-democratas foram para o topo.

A Europa não tem como se desvencilhar do nuclear, não tem saída, analisa o economista José Eli da Veiga, professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo. Ele acredita que investimentos em eólica e solar são importantes, mas são energias complementares às chamadas de base. Eficiência energética é fundamental, concorda, mas, mesmo batendo hipotéticos recordes nesse campo, o Brasil teria que aumentar a oferta. A conta não fecha simplesmente com as medidas prudenciais. Ele defende que a energia seja cara em todos os lugares (para não punir a competitividade de um único país). Sou contra a energia barata, esse é um raciocínio equivocado. Nos Estados Unidos é um absurdo, ninguém presta atenção se as luzes ficam acesas, se o sujeito tem cinco carros, diz. Triplique o preço da energia para ver se não apagam a luz.

O Brasil surfa hoje em uma das matrizes mais limpas do mundo - não porque tenha se preocupado com isso, é bom dizer, mas porque foi assim. A proporção de renováveis na matriz energética brasileira é de 47%, enquanto no mundo gira em torno a 14%, lembra Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O que distingue o país do resto do mundo é a hidreletricidade e a cana-de-açúcar. A comparação nos favorece ainda mais quando se olha apenas a eletricidade. Aqui, 90% da geração de energia elétrica vem de fontes renováveis, enquanto no mundo essa proporção é 18%. Mais de 40% da geração de energia elétrica mundial depende do carvão. O Brasil tem tudo para continuar com uma matriz extremamente limpa. O futuro é promissor, diz Tolmasquim. Só utilizamos um terço do nosso potencial hídrico. Temos uma fronteira a ser explorada. É aí que começam os problemas.

O Brasil é o terceiro potencial hídrico do mundo, depois da China e da Rússia. Mas uma parte importante desse potencial está no bioma amazônico - e cada vez mais o custo ambiental e social das hidrelétricas pesa contra elas. É esse o ponto que opõe José Eli da Veiga a quem prefere hidrelétricas a nucleares. O meu problema é que não ligam se se artificializar todas as bacias amazônicas, diz. Tem que ter um pacto do tipo: aceitamos algumas nucleares desde que algumas bacias da Amazônia não tenham hidrelétrica nenhuma.

Nos últimos anos, as renováveis vêm ganhando algum espaço por aqui (bem mais tímido do que o que está acontecendo na China ou na Índia). A energia eólica tem vindo em toada crescente e está protagonizando o que Tolmasquim chama de círculo virtuoso: leilões mais concorridos, fabricantes com preços mais competitivos, a contratação de mais energia do gênero e consequente atração de empresas. As torres ganham escala, os preços caem e a coisa anda. Foi uma evolução danada: em 2005, o Brasil tinha 29 megawatts de energia eólica contratados e agora são 5.165. Eólica, biomassa e pequenas centrais elétricas respondem por 7% da matriz elétrica brasileira, percentual que deve duplicar em dez anos. Nessa cesta, nuclear é uma fonte cara. Mas é uma possibilidade de futuro, as hidrelétricas não vão abastecer o país para sempre, alega Tolmasquim. Hoje o nuclear não é essencial para nós, mas pode ser que no futuro venha a ser. Há também o argumento de que a geração que construiu Angra 1 e 2 envelheceu e o país corre o risco de perder o domínio tecnológico com a aposentadoria dos técnicos do passado.

No Brasil, o setor nuclear acusou o golpe de Fukushima, mas continua em posição de espera. A energia nuclear é uma alternativa. Sem ela, a humanidade vai ficar estagnada, defende Leonam dos Santos Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear. Por que o Brasil não poupa energia ou galga pontos em eficiência energética? Eficiência energética tem papel importantíssimo, mas é solução para países com desenvolvimento já elevado, rebate. E o calcanhar de Aquiles do setor, o preço que vai subir? A longo prazo esse custo tende a se nivelar, responde.

O custo do nuclear vai subir tremendamente e o que o Brasil vai fazer com esse abacaxi, que é caríssimo?, indaga Sergio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace. Ele também alfineta a ocupação hídrica da Amazônia. Os investidores foram para a energia eólica, que é muito menos contenciosa do que a hídrica. O governo não tem motivo para se meter nessa aventura. O Greenpeace tem publicado relatórios no mundo nos quais mostra que, sim, a conta pode fechar com mais investimento em renováveis. A Alemanha, país não propriamente conhecido por ter um sol de torrar, está gerando o equivalente a uma Itaipu com energia solar. E tem a eficiência energética, um potencial imenso que o governo faz questão de desqualificar, diz Leitão. Ele arremata: O Brasil é o único pais grande onde ainda prevalece a visão de que para cada unidade do PIB que produz precisa de uma unidade de energia. Isso não faz mais sentido.

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