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Questão política muda papel do seguro

Fonte: Revista Cobertura

Histórico para o mercado de seguros, o Acidente do Trabalho representa ceticismo para alguns, enquanto para outros simboliza a luta do setor para trazer de volta um seguro que foi para as mãos do Estado

Em 2009, o Brasil contabilizou cerca de 600 mil ocorrências de acidentes e doenças do trabalho, o que soma R$ 14,2 bilhões pagos em benefícios previdenciários. Essa verba é paga pelo Ministério da Previdência Social, oriunda da alíquota de cerca de 1% a 3% incidente sobre a folha de salários das empresas de todo o país para cobrir gastos com acidentes do trabalho.

“Considerando os últimos anos, o quadro de acidentes de trabalho apresenta alguns indicadores preocupantes, principalmente os referentes a mortes. Para se ter uma ideia, hoje ocorrem cerca de 150 mortes por milhão de trabalhadores formais, enquanto nos países europeus e norte-americanos tal índice não passa de 10% do índice brasileiro”, ressalta Oswaldo Mário, presidente do grupo de Trabalho para Seguro de Acidentes do Trabalho da CNSeg.

De acordo com ele, com a estatização do seguro em 1967 e posterior criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pela unificação dos Institutos de Aposentadoria, as garantias do seguro e os serviços prestados foram reduzidos ou até extintos, como é o caso da indenização por morte e/ou por invalidez permanente, igualando-se às coberturas dadas pelo INSS a qualquer trabalhador formal. “Desde então, o INSS tenta reduzir a sinistralidade do seguro como um todo, mediante agravamento e/ou redução das taxas cobradas em função da experiência da atividade, sem, no entanto, atuar diretamente no controle da execução dos planos de prevenção das empresas em particular”.

Mesmo com a criação do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) em 2003 e sua reformulação em 2009, com o propósito de incentivar medidas preventivas para diminuir o alto índice de acidentes, o governo e as empresas não conseguem reduzir as estatísticas dos acidentes. O mais prejudicado nesse cenário é o trabalhador, que conta com um sistema totalmente deficitário e incapaz de promover a sua reabilitação, readaptação profissional e a reinserção no mercado.

Seguro controverso

No entanto, nem sempre foi assim. O Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) já esteve nas mãos da iniciativa privada, antes de ser estatizado em 1967.

A advogada Therezinha Corrêa, uma das grandes defensoras do retorno do SAT à iniciativa privada, lembra que o governo militar, com o pretexto de socializar o risco, encampou a receita de prêmios, deixando ao mercado de seguros a responsabilidade pelo “run off”. “Isso foi suportado pelos seguradores com a receita de prêmios das outras carteiras, o que seria inconcebível no atual estágio da evolução e regulação do seguro no país”, comenta.

Segundo ela, no ano em que foi estatizada a carteira era a maior do mercado segurador, responsável por 52% da receita das seguradoras, com resultado operacional médio de 2,5% (no período de 1962 a 1965). “Naquela época, a receita global de prêmios do mercado era da ordem de 3% sobre o PIB e quando foi estatizado este índice baixou para 0,8%, numa primeira etapa, depois subiu para 1% e assim se manteve durante longos 30 anos, a maior parte dos quais em um cenário de economia asfixiada pela inflação e de pressões do regime totalitário sobre a gestão dos setores desenvolvidos pela iniciativa privada”, diz a advogada.

No decorrer de sua trajetória profissional, que teve início em 1953, Therezinha Corrêa acompanhou a questão do SAT no Brasil e, recentemente, a sua evolução em 23 países europeus e 21 estados americanos, para conhecer as soluções adotadas nesses países. Inclusive, nos últimos 20 anos, por meio da participação de um estudo elaborado pela Munich Re, ficou responsável por adaptá-lo técnica e conceitualmente para a publicação em livro no Brasil.

Ela acredita que, superados os problemas políticos, o mercado brasileiro de seguros, mais experiente e capitalizado, tem hoje condições técnicas e operacionais para resgatar essa carteira. “Isso adotando o que se pratica de mais avançado em países que já enfrentaram esse dilema: estatização ou privatização, e que souberam conciliar com êxito os dois regimes”, comenta.

Conforme o advogado e diretor do Sincor-SP, Nelson Fontana, hoje o SAT é mais uma fonte de receita do governo, como se fosse um imposto ou taxa, que subsidia a Previdência Social. “O que é um argumento muito forte para os partidos que apoiam a continuidade do acidente de trabalho estatizado, tendo em vista o enorme déficit do INSS”, acrescenta.

Segundo ele, a própria sociedade brasileira vê o seguro de acidente do trabalho como uma taxa que se paga sobre a folha de pagamento. “O seguro de acidentes do trabalho não é um imposto. É um seguro de responsabilidade civil do empregador, visto que o patrão é civilmente responsável pelos danos que seus empregados venham a sofrer durante o trabalho. Cabe ao patrão oferecer condições seguras de trabalho e, se os empregados sofrem acidentes ou doenças ocupacionais, o patrão é responsável e é obrigado a ressarcir os danos causados ao empregado, custear o retorno do empregado ao trabalho, treiná-lo para outra ocupação, caso fique inválido para exercer a mesma profissão, provê-lo de renda caso fique totalmente inválido ou prover sua família de renda, caso venha a falecer”.

É justamente por essa distorção que o diretor da LG&P Advisory Services, Marco Pontes, não acredita que o SAT retorne à iniciativa privada. “O governo não tem interesse de passar isso para a iniciativa privada, não porque ela possa administrar de forma diferente, mas apenas porque não quer abrir mão do recurso. Isso geraria perda de receita para o governo”. Um agravante, na opinião de Pontes, é o déficit da previdência. “Eles querem arrecadar mais e criar mais impostos”.

Benefícios com a iniciativa privada

O diretor da LG&P Advisory Services acredita que os trabalhadores têm muito a ganhar com a entrada do mercado segurador, justamente por ter melhores condições para administrar o assunto, principalmente no que tange à reabilitação do trabalhador a outra atividade, ao estímulo e controle da prevenção do acidente e atendimento médico especializado. Afinal, é justamente na parte da recuperação do trabalhador e a reeducação para prepará-lo para voltar a trabalhar em outra função, caso fique inválido para exercer a profissão, além do controle e prevenção, que está a grande atuação do setor.

Como destaca Mário, na América Latina, tem-se como exemplo a Argentina, com a implementação do seguro privado, em que há a assessoria e o controle da prevenção de acidentes. “Houve no país uma redução em tal índice de 50% num período de dez anos, passando de 150 para 75 mortes por milhão de trabalhadores formais”, cita.

“Nos Estados Unidos e na Europa, temos exemplos de seguradoras com centros de reabilitação fantásticos. As seguradoras brasileiras têm condições de oferecer um sistema mais evoluído de precificação com monitoramento da experiência individual de cada empresa e prover o sistema de centros de reabilitação das vítimas com recursos mais modernos e eficientes”, acrescenta Fontana.

A Emenda Constitucional 20 de 1998, até hoje não regulamentada, estabelece que o seguro seja atendido concorrentemente pelo regime geral da previdência social e pelo setor privado. “A CNSeg, desde então, vem discutindo internamente o assunto no sentido de propor uma regulamentação para o referido seguro, encontrando sempre resistência de representantes dos governos anteriores ao atual. Isso porque tal implementação poderia afetar parte da receita do INSS, devido à opção que as empresas teriam em contratar o seguro com a iniciativa privada”, diz o presidente do Grupo de Trabalho da entidade.

Por outro lado, Nelson Fontana cita como ponto crítico o fato de as seguradoras se interessarem somente por bons riscos e os graves ficarem sem cobertura. “Com a abertura do resseguro, o IRB-Brasil Re deixou de ser o “caixa único” que compensava os riscos bons e os ruins, e as seguradoras passaram a ter de fazer underwriting. O resultado foi que elas passaram a aceitar somente riscos bons e abandonaram os segurados à sua própria sorte”.

Diante da batalha para trazer o seguro novamente para o setor privado, Therezinha Corrêa ressalta que a carteira não terá a importância que teve no passado, mas, de acordo com ela, estudos técnicos e cálculos comparativos demonstram que o resultado de suas operações acarretará expressivo acréscimo na receita de prêmios do mercado. “Poucos sabem que no passado as seguradoras recolhiam 30% do potencial de mercado e os 70% restantes eram obrigatoriamente segurados nos Institutos de Previdência das distintas categorias profissionais, então existentes, até ocorrer a unificação, quando seguradoras e INSS passaram a atuar no regime de livre competição, submetidos as mesmas regras do seguro privado e em igualdade de condições técnicas”.

Ela ainda chama a atenção para a oportunidade pela busca de novas soluções trazida pela Emenda Constitucional nº 33/96, que alterou o artigo 201 da Carta Magna, como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos. “Atualmente, as companhias de seguros que assumem os riscos de acidentes do trabalho, com ou sem parcerias governamentais, exploram o grande potencial econômico deste seguro, aproveitando sua compulsoriedade para ampliar a comercialização e agregar benefícios e coberturas adicionais de toda natureza, com alternativas de oferta a grupos de pessoas excluídas do sistema geral, incluindo no conjunto Seguros de Vida, Invalidez, Previdência Privada ou Acidentes Pessoais, pagamentos adicionais em caso de hospitalização ou assistência 24 horas”, ressalta.

Até o momento, representantes do setor, por meio do grupo de trabalho da CNSeg, aguardam uma oportunidade para retomar o assunto com a presidente Dilma Housseff e o Ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho.

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