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Seguradora batalha na justiça para comprovar agravamento intencional do risco

Fonte: Revista Cobertura

Após mais de 5 anos de batalha judicial, MetLife obtém sentença favorável em caso em que a segurada planejou o próprio assassinato para burlar os dois anos de carência de cobertura em caso de suicídio; levantamento da CNseg aponta queda nos percentuais referentes à comprovação de fraude no Vida

Por Carol Rodrigues

Às cerca de 18h30 de 9 de dezembro de 2005, um Pálio estaciona em uma rua na região do Embu, em São Paulo. No carro estavam Maria Eliete Urbano e seu algoz no banco do passageiro. Uma moto estaciona logo atrás. Após pouco tempo, o rapaz sai do carro, dirige-se à janela da motorista e dispara dois tiros contra a vítima. Em seguida, sobe na garupa da moto e vai embora com o comparsa.

Do outro lado, a família recebe a notícia do falecimento da vítima de ‘latrocínio’, que descobre em uma caixa, as cartas escritas para filhos e amigos. “A quantia que receberão, no caso da minha morte é bastante razoável (...)”, dizia o trecho de uma delas.

Seria mais um crime fruto da violência que assola as grandes – no primeiro semestre, o Estado de São Paulo registrou 167 casos de latrocínio - se não fossem alguns detalhes. A vítima havia contratado dois seguros de vida e uma assistência funeral quatro meses antes de falecer e emancipado sua filha de 17 anos seis dias antes do ocorrido – ela completaria 18 anos em 7 de junho de 2006. Uma das apólices, no valor de R$ 1,4 milhão, era garantida pela MetLife.

Segundo Antonio Carlos, advogado do Ernesto Tzirulnik Escritório de Advocacia, contratado para a defesa da MetLife, logo foi levantada a suspeita de que a segurada havia contratado pessoas para matá-la, já que o seguro de vida, conforme artigo 798 do Código Civil, diz que ‘o beneficiário não fará jus ao capital segurado, se o segurado cometer suicídio nos dois primeiros anos de vigência do contrato’. “Ciente disso, a segurada planejou o próprio assassinato e transgrediu o contrato de seguros ao contratar a apólice com a intenção de provocar um sinistro, ou seja, um agravamento intencional do risco”, explica o diretor jurídico da MetLife, Washington Silva.

O que parece ficção são fatos reais e poderiam não ser descobertos, senão fossem problemas na documentação no momento da regulação sinistro e uma câmera de um condomínio no final da rua que registrou o crime.

“A partir de nossa orientação, a seguradora, além de desenvolver as atividades investigativas normais como a regulação do sinistro, obteve dois laudos retrospectivos, elaborados por psiquiatras forenses”, conta o advogado à frente do caso Antonio Carlos.

Os dois especialistas chegaram à mesma conclusão. O seguro havia sido contratado com a finalidade de beneficiar outrem, e sugeriam que a ação fosse levada adiante. A própria especialista em suicídio, Alexandrina Meleiro, aconselhou o advogado da seguradora ‘a resistir porque o suicídio é uma doença contagiosa e, se este tipo de manobra for bem-sucedida, na geração seguinte será repetida’.

O advogado embargou a ação de execução dos beneficiários da seguradora, que elencou os pontos-chave para a defesa, o teor das cartas, a falta de histórico securitário de vulto, o inquérito policial e o levantamento da vida médica.

Segundo Antonio Carlos, as mentiras também foram apontadas no preenchimento do questionário, no qual a segurada afirmara estado de saúde perfeito e renda mensal de R$ 15 mil, o que não eram compatíveis com a realidade. “O que fere princípio da boa fé objetiva do contrato de seguro. Ficou evidenciado que ela contratou o seguro com o intento de se matar e deixar o capital segurado para os beneficiários. Isso foi feito com a ajuda de terceiros, que foram condenados na esfera criminal, como latrocínio, mas que não admitiram serem cúmplices da segurada”.

Em julho deste ano, a sentença do juiz foi favorável à seguradora, tendo deixado claro que houve a contratação de um seguro com a intenção de provocar um sinistro, denominado suicídio assistido ou agravamento intencional. No entanto, a outra parte pode entrar com um recurso de apelação. “Cabo das tormentas foi a atravessado agora”, desabafa Antonio Carlos.

Praga social

“Esperamos a resposta do Judiciário, não só para coibir as pessoas de cometerem atos como este, mas, sobretudo, porque toda decisão de juiz é um recado para a sociedade do que nós não vamos tolerar”, acrescenta Washington Silva, para quem o caso pode totalizar até dez anos para ter uma solução final.

Conforme o diretor, a MetLife vem implementando no Brasil um banco de dados denominado Jurimetria, que implica em compreender o motivo da entrada e as razões das ações judiciais. “Temos alguns casos que não têm cobertura securitária por conta do agravamento intencional do risco e mesmo assim as pessoas vão ao judiciário. Em alguns casos temos obtido êxito; outros ainda estão em discussão. E há casos em que o judiciário entende que a outra parte é hipossuficiente e a seguradora tem de pagar”.

Silva lembra três pontos fundamentais a serem levados em consideração nesta modalidade de seguro: “não se pode agir de má fé, agravar intencionalmente o risco e não podemos fomentar que as pessoas precisem se matar para trazer indenizações. Se o segurado obtém uma indenização indevida, todos os outros segurados, de boa fé, são prejudicados porque quando você tem uma sinistralidade mais elevada tem-se acréscimo no valor da apólice”, lembra.

Conforme a própria Confederação Nacional das Empresas de Seguro (CNseg), a fraude contra o seguro é uma das grandes questões a ser enfrentadas pelo mercado. Inclusive, a entidade divulgará amanhã a pesquisa nacional CNseg/Ibope com os tipos mais comuns de fraudes em seguro. No vida e em acidentes pessoais as principais tentativas quantificadas são simular acidente ou a própria morte e omitir que possui doença pré-existência, automutilação ou utilizar informações falsas em atestados de saúde.

De acordo com os dados compilados pela 8ª edição do Sistema de Quantificação de Fraude no Mercado de Seguros Brasileiro, especificamente no ramo Vida aproximadamente 6,8% dos sinistros reclamados, R$ 249 milhões, tiveram suspeita de fraude, destes, 2%, ou R$ 73,8 milhões, com fraude comprovada em 2010. Ainda com relação ao ramo Vida, houve uma pequena, mas gradual queda nos percentuais referentes à comprovação da fraude. Em 2006, 2,8% dos sinistros reclamados tiveram a fraude comprovada, em 2007 esse percentual caiu para 2,7%, em 2008 foi para 2,6%, em 2009, para 2,1%, e em 2010, para 2%. O estudo revela também a queda na quantidade de sinistros suspeitos, de 7,7% ou R$ 269 milhões em 2009, para 6,8% ou R$ 249 milhões em 2010.

Corretores em alerta

Segundo o especialista na comercialização de seguros de vida e planos de previdência, Renato Gonçalves, diretor presidente da Prévoir-Movida, o próprio corretor, por meio da venda consultiva, pode cercear a intenção fraudulenta. “O corretor precisa conhecer o cliente e saber para quem está vendendo, procurar conhecer a estrutura familiar, seu trabalho e renda. Caso ele perceba que o cliente tem transtornos, ele pode barrar a proposta. No entanto, há casos em que esse transtorno não é visível. O maior psicopata para se fazer acreditar, acredita nele primeiro”, alerta.

Para Gonçalves, que também é professor da Escola Nacional de Seguros, o papel do corretor inclui a preocupação com os lados - a seguradora para não vender algo que possa ser uma fraude, e o cliente, com o oferecimento de um produto adequado.

Ele ainda lembra que as respostas na declaração de saúde têm como base o princípio da boa fé do segurado, além de serem pessoais, e, tanto o corretor como a seguradora, não as contestam. “É por isso que o contrato de seguro é o único no Código Civil, em que a exigência de boa fé é reiterada”, ressalta Antonio Carlos.

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