Breaking News

Dentistas, convênios, governo e desdentados

Fonte: Folha de São Paulo

por Fábio Bibancos



O governo não da conta da saúde bocal da população: 16 milhões de brasileiros têm plano odontológico. Mas os convênios pagam muito mal

A classe odontológica finalmente decidiu se manifestar contra alguns convênios. Recentemente, o Conselho Regional de Odontologia do Rio de Janeiro iniciou um movimento contra uma operadora. Em São Paulo, dentistas se uniram aos médicos nos protestos do Dia Nacional de Advertência aos Planos de Saúde (26/4).
A reivindicação dos dentistas é absolutamente legítima. Os valores pagos são inacreditavelmente baixos. Por uma radiografia, por exemplo, chega-se a receber pouco mais que R$ 2 -menos do que custa o filme. Isso inviabiliza qualquer atendimento.

O inimigo mais óbvio são os convênios. Mas temos mesmo de demonizá-los? Não, eles são uma solução de acesso à saúde.

Segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), 16,8 milhões de brasileiros possuem planos exclusivamente odontológicos. Entre esses beneficiários, com certeza há muitas pessoas que só podem frequentar um consultório por causa do convênio.

A população tem direito à saúde bucal. Os dentistas merecem receber valores justos. Os convênios podem existir. E o governo deve agir.

A começar pela ANS. Se a agência realmente cumprisse sua função -regular o setor de saúde suplementar-, o quadro seria diferente. Não existiriam dentistas ganhando menos de R$ 10 por consulta.

Se eles fossem bem remunerados pelos convênios, não precisariam paralisar o atendimento ou participar de manifestações. Permaneceriam em seus consultórios, fazendo aquilo que sabem e se comprometem a fazer: cuidar da saúde bucal das pessoas.

E são os dentistas, em seus próprios consultórios, com ou sem convênio, que têm de fazer isso. Porque o governo não faz.

Pelos resultados preliminares da última pesquisa sobre saúde bucal do Ministério da Saúde, divulgados em dezembro passado, o atendimento odontológico do sistema público funciona às mil maravilhas e os brasileiros estão sorrindo de satisfação, com dentes perfeitos.

É só reparar na boca das pessoas nas ruas, no metrô e na porta das escolas para perceber que a realidade é outra.

Se a rede pública de fato oferecesse atendimento para todos, por que existiriam tantas crianças e adolescentes nas triagens da organização social que fundei há dez anos para oferecer tratamento odontológico a quem precisa?

Por que receberíamos apelos de tantos adultos com péssimas condições bucais e sem nenhum acesso a dentistas?

Faça o teste você mesmo. Procure atendimento odontológico na rede pública e veja o que acontece. Outro teste: preste atenção na campanha eleitoral deste ano. Quantos candidatos a prefeito citam a saúde bucal?
Se o governo não dá conta da saúde bucal da população, restam a iniciativa privada e a sociedade: dentistas, empresas e ONGs.

Dentistas não devem se sujeitar a tabelas indignas. A ANS precisa regular o setor com firmeza, fazendo com que as operadoras paguem valores justos aos profissionais. E as empresas do setor podem investir mais em responsabilidade social, apoiando soluções de acesso à odontologia. Quem sabe assim deixaremos de ser um país de desdentados.

FÁBIO BIBANCOS, 48, cirurgião-dentista, é presidente da ONG TdB (Turma do Bem) e vencedor do Prêmio Empreendedor Social de 2006

Nenhum comentário

Escreva aqui seu comentario