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Cade e Susep: há conflito de competência?

Fonte: Valor Econômico



Entre 2005 e 2011, o valor do prêmio direto anual arrecadado no setor de seguros saltou de R$ 42 bilhões para R$ 105 bilhões. Esse crescimento, aliado ao fato de que nesse período esses valores transitaram majoritariamente entre seis seguradoras, passou a chamar a atenção governamental para a questão da concorrência no setor de seguros.

Ao lado disso, entrou em vigor em 29 de maio de 2012 a nova Lei de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que promoveu alterações legais e institucionais importantes, dentre as quais a consolidação das funções de investigação, promotoria e julgamento das autoridades brasileiras de defesa da concorrência órgão único, alcunhado de Novo ou SuperCade, e a instituição do sistema prévio de análise de operações de concentração econômica. Tais alterações fortaleceram o órgão antitruste, que deve se tornar mais atuante. É assim provável que sejam direcionados mais esforços para a fiscalização de operações de fusão e aquisição e de práticas potencialmente lesivas à concorrência, tais como a celebração de contratos de exclusividade, triangulação de cessão de riscos e venda casada de produtos, também no mercado de seguros.

Nesse cenário, poderiam preocupar a eventual sobreposição de competências entre o Cade e a Susep e a questão de eventual análise concomitante das operações pelos dois órgãos.

A Susep, Superintendência de Seguros Privados, tem por função principal atuar como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações do mercado, devendo para tanto processar pedidos de autorização para constituição, funcionamento, fusão, encampação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos documentos societários das entidades que disciplina. Seus poderes visam, assim, à garantia do correto funcionamento de cada entidade sob sua fiscalização.

O Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, por sua vez, é responsável pela prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, atuando na defesa da livre concorrência e na repressão ao abuso do poder econômico. Para tanto, tem poder para analisar previamente operações de fusão, aquisição (de controle e participação societária), incorporação e associação sempre que uma das partes tenha registrado faturamento bruto no país de ao menos R$ 750 milhões no último ano fiscal e a outra tenha obtido faturamento mínimo de R$ 75 milhões no mesmo período.

Assim, tais operações estarão, ao mesmo tempo, sujeitas à aprovação prévia da Susep e do Cade, como é o caso de uma fusão entre duas grandes seguradoras atuantes no país. O escopo das análises não será, contudo, o mesmo. Enquanto uma autarquia analisará os aspectos prudenciais relevantes, com vistas à manutenção da higidez das empresas partes da operação, a outra examinará os eventuais impactos concorrenciais no mercado, analisando se após operação as empresas deterão poder econômico que lhes permitirá elevar os preços dos seguros ou, ao contrário, se tornarão mais eficientes, o que tenderia a beneficiar os consumidores.

A análise de questões concorrenciais no mercado de seguros não é, todavia, simples. Além de se tratar de mercado regulado, o setor apresenta uma série de peculiaridades estruturais que afetam a intensidade da concorrência entre as empresas nos respectivos segmentos de atuação.

Há barreiras relevantes à entrada de novas empresas, que derivam da própria natureza da atividade securitária. Do ponto de vista regulatório, as sociedades que pretendem atuar como seguradoras ou resseguradoras, por exemplo, dependem de autorização da Susep, processo esse que, além de envolver a submissão de uma vasta documentação, é demorado, podendo levar até 12 meses para ser concluído. A atuação no mercado exige também das empresas recursos financeiros expressivos. Para resseguradoras locais, por exemplo, o capital mínimo exigido para início das operações é de aproximadamente R$ 60 milhões.

Adicionalmente, são necessários investimentos constantes em treinamento de pessoal. A contratação de mão de obra especializada, inclusive, é barreira técnica para a atuação no mercado em razão da escassez de profissionais disponíveis. Outra dificuldade diz respeito à distribuição de produtos por meio de corretoras. Estas que, em tese, representam o interesse do segurado ou ressegurado, na prática tendem a oferecer produtos para os quais recebam comissões mais elevadas e de seguradoras com que têm maior proximidade, dificultando às novas entidades acesso a esses canais de distribuição.

Há também limitações para as sociedades que já operam no mercado. A existência de regulamentação extensa e minuciosa dispondo sobre constituição e administração de provisões técnicas e limites de cessão e modo de gestão de riscos acaba por restringir a margem de atuação financeira dessas entidades, que não conseguem alterar de modo significativo os preços que praticam.

Sendo assim, face à inquestionável competência do Cade para analisar concentrações e condutas que possam prejudicar o mercado securitário do ponto de vista concorrencial e as particularidades do setor acima mencionadas, é desejável que os órgãos aperfeiçoem canais de cooperação existentes, em beneficio tanto da administração, quando das empresas atuantes no mercado securitário. A aproximação de experiências complementares resulta em análise mais eficiente e aprofundada.

Mariana Cavalcanti Jardim é advogada de Levy & Salomão Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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