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ValorInveste: Fazer renda ou comprar pronta?

Fonte Valor Econômico

SÃO PAULO - Um dia, acontece: depois de décadas trabalhando, noites insones, férias adiadas, enfim você vai viver para relaxar – e não mais trabalhar para viver. A questão é como lidar com o dinheiro que a disciplina e um pouco de juízo fizeram você acumular ao longo dos anos. A decisão é difícil. Afinal, há múltiplas opções e cada uma traz vantagens e desvantagens de acordo com o seu perfil e o tamanho da sua poupança.

Quem poupou a partir de um plano de previdência privada já fez uma opção logo de início. Ao optar por um PGBL ou um VGBL, o investidor já comprou um dos tipos de renda oferecidos pela seguradora. Normalmente, os contratos trazem a renda vitalícia como padrão. Isso não significa que o segurado seja obrigado a usufruir do benefício que escolheu décadas antes de se aposentar. “Ele tem flexibilidade para manter a escolha, optar por outro tipo de renda ou mesmo desistir dessa opção”, afirma Juvêncio Braga, diretor da Caixa Previdência. Se não mudar de ideia, passará a contar com um determinado valor recheando a sua conta corrente mensalmente.

A renda é considerada uma boa opção para as pessoas que não têm conhecimento, disposição ou mesmo saúde e lucidez para administrar o dinheiro poupado para a aposentadoria. Ao comprar esse produto, o aposentado dá à seguradora a sua reserva em troca do conforto de receber um benefício anual, dividido em 12 ou em 13 parcelas mensais, simulando o 13º salário. Se não quiser receber a renda pelo resto de sua vida, ele pode contratar o pagamento por um determinado prazo. Ou ainda optar por uma renda vitalícia reversível. Nesse caso, quando falecer, o valor combinado passa a ser pago ao cônjuge, ou ao cônjuge e aos filhos.

A definição desse valor vai depender da reserva dada à seguradora e também da sobrevida dos beneficiários. Quanto maior a expectativa de vida de quem vai receber o benefício – e, portanto, mais duradouro o compromisso da companhia com esse cliente –, menor será a renda vitalícia. Sob essa lógica, uma pessoa de 55 anos com R$ 1 milhão de reserva tende a obter uma renda menor que uma pessoa com 65 anos e o mesmo R$ 1 milhão.


Em termos financeiros, trocar as reservas de toda a vida laboral por uma renda vitalícia pode não ser a melhor opção. Na simulação feita pela planejadora financeira Leticia Camargo, detentora do selo CFP do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), o investidor que opta por um portfólio de aplicações pode conseguir uma aposentadoria bem mais polpuda do que aquele que compra a renda vitalícia. Os saques no portfólio rendem mais em praticamente todas as classes de ativos e cenários simulados.

No exemplo elaborado por Leticia, um investidor que tivesse optado por deixar seu dinheiro em fundos imobiliários e se aposentasse hoje conseguiria retirar quase o triplo do valor concedido pelas seguradoras na renda vitalícia. Imaginando que a rentabilidade passada desses fundos se repita no futuro, o aposentado embolsaria pouco mais de R$ 15 mil por mês com os rendimentos e consumindo parte do capital até o fim da vida.

Na simulação, a planejadora considerou que a pessoa viveria até os 86,4 anos, mas projetou a aposentadoria até os 89,7 anos, como sinaliza a tábua atuarial BR-EMS. Mesmo se vivesse 100 anos, conseguiria embolsar R$ 14,7 mil por mês, caso a rentabilidade média se mantivesse por 35 anos. “Para o cálculo, observei o retorno médio dos últimos anos dos índices de títulos públicos, de dividendos e de fundos imobiliários”, afirma Leticia. “Mas sempre é válido ressaltar que a rentabilidade passada não garante a futura”, diz. Mesmo sendo apenas uma simulação, é possível perceber que, nos diferentes cenários de ganho e de classes de ativos, o aposentado poderia conseguir uma melhor remuneração ao investir seu dinheiro em vez de comprar renda.

 Como explica Braga, da Caixa Previdência, mesmo quem tem um PGBL ou VGBL não é obrigado a, efetivamente, adquirir a renda. Apesar de ter pré-contratado o produto no início do processo de acumulação de recursos, o cliente pode decidir resgatar o montante mês a mês quando for se aposentar. A alternativa pode ser interessante, como também indica o cálculo da planejadora financeira. Os resgates parciais só se mostraram menos vantajosos que a renda vitalícia nos fundos com 30% do patrimônio alocado em ações.

Para realizar os resgates parciais, o investidor conta com conveniências oferecidas por poucas seguradoras. Algumas companhias facilitam o processo e sugerem, em primeiro lugar, que o cliente distribua os recursos em dois planos. O motivo é o regulamento do segmento de previdência, que permite resgates somente a cada 60 dias. Além disso, algumas oferecem a programação dos saques, desobrigando o participante de formalizar a solicitação todo mês. “Na Icatu, ele assina um formulário de resgate uma vez e passa a receber regularmente os recursos em sua conta corrente”, afirma Sergio Prates Nogueira, superintendente comercial da Icatu Seguros. Ele explica que a seguradora oferece uma consultoria também para o planejamento da fase de benefícios, assim como faz no período de acumulação das reservas. “Se o cliente quiser, ajudamos a simular quanto ele poderia resgatar por vez. Caso retire mais do que os juros reais, os recursos poderão acabar antes do previsto”, alerta.

Antes de tomar essa decisão, um detalhe ao qual o investidor precisa estar atento é a idade de saída que informou ao contratar o plano de previdência. É ela que define quando ocorrerá a conversão da fase de acumulação de recursos para o período de recebimento do benefício, principal objetivo do plano. Se deseja viver de resgates parciais até o fim da vida, seria interessante estipular uma idade muito distante, como os 100 anos, como o marco de saída do plano. A mudança é permitida pela legislação, mas exige que o cliente negocie com antecedência com a seguradora, de acordo com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o órgão regulador dos planos abertos de previdência privada. Se não alterar a data, a renda será compulsoriamente contratada no dia em que o participante completar a idade que assinalou no contrato, estando ele consciente de sua decisão ou não.

Ao fazer essa negociação, o investidor deve observar outros detalhes técnicos, como a tábua atuarial, a taxa de juros a ser utilizada no período do recebimento do benefício e o percentual de excedente financeiro revertido ao cliente. Alguns podem achar que é irrelevante e maçante discutir se a tábua será a AT-2000 ou a BR-EMS. Mas a simulação feita pela Icatu Seguros mostra que dedicar algum tempo a esses detalhes faz diferença. Nos cálculos da seguradora, um beneficiário que converter R$ 1 milhão em uma renda vitalícia receberá R$ 4.272,63 por mês, caso a tábua utilizada seja a AT-2000. Esse mesmo beneficiário ganhará R$ 3.901,05 se a tábua for a BR-EMS. Ao final de 12 meses, a diferença equivale a um 13º salário.

 A taxa de juros a ser usada no período de recebimento da renda é outro ponto importante. Ela será usada para recalcular o valor do benefício e oferecer alguma rentabilidade. Há alguns anos, muitas companhias oferecem 0% de taxa de juros nos planos novos. Segundo a Susep, dos 7.901 planos de previdência vigentes no Brasil, 4.677 aplicam taxa zero. Isso significa que a seguradora não oferece uma rentabilização mínima do benefício de seu cliente. Fica garantida apenas a correção pelo índice de inflação, como manda o regulamento do produto. “Esse é mais um dos absurdos desse mercado”, afirma Marcelo Nazareth, sócio-diretor da consultoria NetQuant. Na simulação, também feita pela Icatu Seguros, o benefício calculado com juros de 3% ao ano chega a R$ 5.910,78. Com taxa zero, fica em R$ 4.272,64. Em algumas seguradoras, a taxa de juros é uma questão de negociação. Na Bradesco Vida e Previdência, a taxa oferecida nos novos planos varia de 3% ao ano a zero. “Depende muito de caso a caso”, afirma o presidente da companhia, Lúcio Flávio de Oliveira.

Algumas companhias que impõem a taxa zero oferecem, em contrapartida, a reversão de um percentual do excedente financeiro. Trata-se do repasse de uma parcela da rentabilidade conquistada pela seguradora com aquela bolada que o cliente entregou ao contratar a renda. Como no caso da taxa, o percentual varia de acordo com a negociação. Há contratos com 80%, outros com 50% e, até mesmo, com 30%. É prudente ficar atento.

A definição entre contratar a renda, administrar um portfólio de investimentos ou fazer resgates não pode ser feita observando apenas uma ou outra vantagem. É preciso considerar outros fatores, além da conveniência da primeira opção e do potencial de rentabilidade da segunda. Quem administra sozinho o portfólio de recursos para a aposentadoria corre o risco de o dinheiro acabar cedo demais, seja por má gerência, baixa rentabilidade ou porque a pessoa vive muito mais do que considerava provável. “A longevidade é um ‘risco’ real [quando a pessoa não se organiza financeiramente]”, afirma Oliveira, da Bradesco Vida e Previdência.

Para driblar esse bom problema, Leticia sugere que seus clientes planejem as retiradas até o 100º aniversário. Pode parecer exagero, mas é um artifício para o aposentado não sucumbir ao apelo de consumir exageradamente a sua única fonte de renda. Outro risco é ficar doente, perder a autonomia para administrar a carteira e não contar com alguém de confiança para assumir a tarefa.

Uma solução pode ser combinar as duas opções. Ou seja, viver da rentabilidade gerada pelo patrimônio por um determinado período e, depois, contratar a renda vitalícia. Ou ainda contratar a renda vitalícia com uma parte dos recursos acumulados e manter a outra parte aplicada. “Tendo a tranquilidade psicológica de que metade está em uma renda vitalícia, a outra metade o investidor pode aplicar, por exemplo, em um fundo imobiliário”, afirma Paulo Bittencourt, diretor-técnico da Apogeo Investimentos.

Para a fase da renda, Bittencourt tem uma visão conservadora. Ele não aconselha a compra de títulos públicos, por exemplo. “Estamos muito enviesados com o cupom pago hoje. Quem faz essa opção corre o risco de sofrer uma correção”, afirma. Ele também desaconselha a aplicação em ações. “Controlar uma carteira, mesmo que de apenas cinco ações, pode ser complicado para uma pessoa isoladamente”, afirma. O investidor precisa ponderar que, aos 70 anos, possivelmente preferirá comprar um pacote de viagem a administrar um punhado de ações e opções.

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