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Boate Kiss APTS discute causas e consequência de tragédia

Fonte; Jornal do Commercio - RJ

No ano passado, cerca de 755 incêndios ocorreram no País, o que demonstra descuidos nas regras de segurança e legislação frouxa para vigiar e punir responsáveis

Seguros existentes no mercado e a política de subscrição de riscos das empresas podem servir de inspiração para uma legislação  nacional de segurança a ser criada para evitar tragédias  nas proporções do incêndio da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, em 27 de janeiro, onde morreram 239 pessoas. Esta é  a conclusão de evento realizado pela Associação Paulista de Técnicos de Seguros (APTS), esta semana, para discutir causas e consequência do incêndio da boate Kiss. Aliás, o mercado de seguros está entre os setores que serão consultados pelos membros da comissão criada pela Câmara dos Deputados para acompanhar as investigações do incêndio e planejar, ainda neste semestre, um conjunto de normas com parâmetros mínimos de segurança a serem obedecidos por estados e municípios.

Mas está claro que os legisladores terão dificuldades para encontrar regras uniformes de aceitação do mercado. Isso porque, desde a abertura do monopólio de resseguros, algumas seguradoras encontram dificuldades de repassar riscos da carteira de Incêndio de determinados clientes às resseguradoras,como supermercados, estabelecimentos comerciais, incluindo casas noturnas, os chamados riscos declináveis, e preferem passar ao largo desses negócios. Outras aceitam oferecer coberturas desde que os clientes cumpram um rigoroso programa de segurança da Associação de Normas Técnicas e dos Bombeiros.

Lei ruim

Na prática, a legislação frouxa de segurança e a atividade exercida sem proteção do seguro, muitas vezes proibitivos, tornam os números de incêndio assustadores e a fila de espera  por indenizações também. No ano passado, ocorreram cerca de 755 incêndios em instalações  como depósitos, lojas, indústrias,  clínicas, clubes e estabelecimentos  similares, conforme dados do Instituto Sprinkler Brasil (IBS).

A poucos dias de completar um mês da grande tragédia que abalou o País, duas perguntas  continuam sem respostas: quem são os culpados? E quem  vai pagar a conta? 

Indefinições 

As duas respostas são fundamentais para definir os responsáveis pela indenização às  famílias das vítimas. Caso os  donos da boate tenham contratado  os seguros de incêndio  e de responsabilidade civil, poderão,  teoricamente, arcar com as indenizações, caso sejam apontados como culpados. Na  prática, porém, o pagamento do sinistro dependeria do cumprimento  das regras do seguro e, principalmente, da ausência de dolo.

Presente ao encontro da APTS, Martin Ern Faller, diretor  executivo da multinaciona Cunningham Lincy Int do Brasil, listou os principais seguros que deveriam ter sido contrato no caso da boate Kiss: incêndio, de eventos (que poderia ser adquirido pelos músicos) e o de responsabilidade civil. Este último, o mais importante, a seu ver, serviria para garantir a indenização às famílias das vítimas.

Para chegar ao valor da indenização, Martin Faller fez os cálculos, considerando que a maioria era jovem, ainda em início de carreira e que poderia viver até os 73 anos, em média, segundo o IBGE, com um salário médio de R$ 5 mil ao longo da carreira. O valor aproximado seria de R$ 1,6 milhão por pessoa, que, multiplicado pelo número de vítimas fatais da boate Kiss, chegaria perto de R$ 400 milhões. “Qual seguradora pagaria esse valor e qual casa noturna, mesmo se pagasse, teria  o risco efetivamente aceito?”, provoca ele.

Isso porque, dado ao elevado risco que representam, casas noturnas e outras atividades como fábrica de móveis, de colchão, de produtos químicos e de tintas,  além de pequenos supermercados, enfrentam, atualmente, dificuldades para conseguir cobertura de seguro. Essa situação persiste desde 2008, quando ocorreu a abertura do resseguro e os riscos até então aceitos pelo ressegurador monopolista passaram a ser oferecidos aos demais players que iniciaram operação no mercado.

Para Martin Faller, a boate  Kiss pode ser perfeitamente um  desses casos de seguros cujo risco foi declinado. Ele atribui a culpa por essa situação “à falta de entendimento das seguradoras sobre o que é resseguro”. E afirma que todos os riscos deveriam ser aceitos, bastando serem bem taxados e cobrados.

Apólices oferecidas

O técnico de seguros Luiz Macoto Sakamoto, que atua em uma grande seguradora, preferiu participar do debate na condição de técnico de seguro, associado da APTS, lembrou que, no passado, enquanto vigorou
a antiga tarifa de incêndio(TSIB) no País, o segurador tinha certo “poder de bolso” em relação ao seguro, já que, além da inspeção obrigatória, o seguro era agravado e taxado conforme o grau de risco, permitindo à seguradora ainda a imposição de condicionantes para a sua aceitação.

No caso do seguro de responsabilidade civil, ele frisou que as regras definem a indenização devida apenas para os casos em que for comprovada a culpa do segurado, desde que não haja dolo por parte do segurado, seus funcionários ou seus representantes legais. Para ele, considerando-se as regras do seguro padronizado  de responsabilidade civil, definidas pela Circular Susep 437/12, não haveria cobertura para o incêndio da boate  Kiss, se o inquérito policial concluísse que houve culpa grave dos responsáveis, já que o dolo exclui a obrigação da seguradora de indenizar.

Dolo

O advogado Plinio Rizzi, especializado em seguro, concordou com a análise de Macoto e ainda acrescentou a situação de dolo eventual, que ocorre quando o segurado não tinha intenção de cometer o dano, mas assumiu o risco de produzir o seu resultado. Aplicado ao caso da boate Kiss, os donos não teriam a intenção de matar os jovens, mas agiram com tamanha negligência que acabaram colaborando para a tragédia. Mas, caso o inquérito policial aponte os donos da boate e os músicos como culpados pelo incêndio, o advogado acredita que eles não terão recursos para arcar com as indenizações arbitradas em juízo. Na hipótese de o município ou o estado serem incluídos como co-responsáveis pela tragédia, então Plinio considera a possibilidade de que o valor da indenização possa ser transformado em precatórios. “Tenho para mim que uma tragédia desse porte não passa pelo seguro, mas pelos valores que a sociedade deve abraçar”, concluiu.

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