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O seguro e a tragédia

Fonte  O Estado de São Paulo

Antônio Penteado Mendonça

A comprovação da superlotação da boate Kiss, em Santa Maria, seria suficiente para desobrigar a seguradora de qualquer indenização de responsabilidade civil.

Será que a tragédia de Santa Maria poderia ter sido evitada?

Pelos comentários e análises posteriores, poderia. Acontece que não foi. E não foi porque o mundo real é diferente das análises feitas a posterior, os fatos acontecem ou não, com consequências maiores ou menores, invariavelmente ligados ou disparados por fatores estranhos e fora do controle.

O que aconteceu foi fruto da imprevidência, falta de bom senso, maximização do lucro, omissão do Poder Legislativo, falta de comunicação entre os órgãos da administração pública, falta de fiscalização, além de dezenas de outras causas que num determinado momento se encontraram, causando o incêndio e a tragédia que se seguiu.

Ou a fatalidade que deu causa ao segundo mais grave acidente decorrente de incêndio no País. Há culpados? Evidente que há culpados. As fatalidades são fatalidades, mas na origem, num caso como este, há sempre mais de um culpado. Não tenho as conclusões do inquérito, então não posso afirmar que a boate estava superlotada.

De outro lado, parece não haver dúvida de que um integrante da banda acendeu um objeto pirotécnico que deu origem ao fogo. Também não há dúvida de que os seguranças tentaram impedir a saída dos primeiros jovens que tentaram deixar o local, como não há dúvida de que a boate tinha apenas uma saída, estreita e sem condições de permitir a fuga rápida de mil pessoas.

Os danos causados pelo incêndio foram de três naturezas: corporais, materiais e morais. A lei e a jurisprudência tratam cada um deles de forma específica, dando os parâmetros para a responsabilização e nomeando os titulares dos direitos e obrigações.

Para efeito de seguro, ou de uma análise das garantias aplicáveis e de sua validade diante dos fatos, temos cinco tipos de garantias distintas que poderiam ser invocadas para fazer frente às indenizações. As primeiras são os seguros do proprietário da boate. Para suportar as perdas decorrentes de sua responsabilidade ele teria necessidade de dois blocos de garantias, a saber, riscos patrimoniais e responsabilidade civil. Os demais são os seguros de vida e acidentes pessoais e os planos de saúde privados das vítimas da catástrofe.

A primeira indagação é se a boate estava segurada. A segunda é contra que riscos. E a terceira, com que valores. Além disso, é necessário verificar se as condições dos seguros dão cobertura para o evento. Os seguros patrimoniais têm como garantia básica a cobertura de incêndio, que cobre fogo, queda de raio e explosão de gás. Como no caso se trata de um incêndio, a primeira resposta é que, em estando segurada, em princípio, a boate teria seguro para o caso. Todavia, uma apólice é um contrato complexo, onde estão elencadas situações que desobrigam a seguradora de arcar com os prejuízos. Por exemplo, se o proprietário sabia que um integrante da banda acenderia um foguete e que o material de revestimento era altamente combustível, ele pode perder o direito à indenização. Da mesma forma, se a boate não tinha as licenças para funcionamento ou operava fora das especificações delas, o direito à indenização pelos danos causados pelo fogo pode ficar comprometido.

No tocante à responsabilidade civil da boate, esta é indiscutível, tendo por base o Código de Defesa do Consumidor. Esta lei determina que o prestador do serviço responde por danos causados a clientes e, mais que isso, que a responsabilidade é objetiva, ou seja, que não é necessária a discussão da culpa do prestador de serviços, bastando a existência do dano para gerar a obrigação de indenizar. Os seguros de responsabilidade civil exigem o cumprimento de uma série de obrigações por parte do segurado.

Entre elas, a de se abster de cometer deliberadamente qualquer ato que fira a lei. Assim, a comprovação da superlotação seria suficiente para desobrigar a seguradora de qualquer pagamento. Já os seguros de vida e acidentes pessoais e os planos de saúde privados não têm qualquer razão para deixar de pagar as indenizações previstas nas apólices.

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