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Tenebrosas transações

Fonte Revista Veja

A liquidação da seguradora de Naji Nahas virou terreno de práticas nada ortodoxas dentro da Susep, o feudo do PTB à frente do processo que já se arrasta por duas décadas

 Companhia Internacional de Seguros (CIS) chegou a ser a quarta maior do setor no Brasil. Tinha mais de 30.000 clientes e 10% do mercado. Parte do império formado nos anos 80 pelo libanês naturalizado brasileiro Naji Nahas, a CIS foi arrastada em 1991 pelo tsunami que se seguiu à quebra, em 1989, da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. O episódio teve em Nahas. que detinha 12% das ações da Vale e 7% dos papéis da Petrobras. o bode expiatório. Ele foi absolvido na Justiça por absoluta falta de consistência na acusação e com testemunhos favoráveis de Mario Henrique Simonsen e Delfim Netto. Enquanto isso, o espólio da CIS transformou-se em alvo de um butim nos domínios da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia reguladora do setor vinculada ao Ministério da Fazenda e há mais de uma década um feudo do PTB. O processo de liquidação — ao qual VEJA teve acesso — é recheado de movimentações suspeitas e até faz ressurgir das sombras Henrique Brandão. Trata-se do corretor de seguros que emergiu no noticiário nacional durante a CPI dos Correios por ter pressionado o então presidente do Instituto de Resseguros do Brasil, outro território do PTB, a destinar 400000 reais mensais ao caixa do partido.

 A Susep delegou a administração da massa falida da CIS a Manuel dos Santos Leitão, contador de currículo mediano que já atuou em várias liquidações. Segundo o processo, em um único mês — junho de 2012 —, Leitão transferiu 18 000 reais da CIS para sua conta pessoal no Citibank. Pilhado, disse que queria resguardar o espólio de um eventual bloqueio judicial. Afirmou agir sob a inspiração de uma norma da Agência Nacional de Saúde (que absolutamente nada tem a ver com a Susep). A autarquia chegou a aprovar os saques, o que fica claro em um ofício enviado em fevereiro à sócia de Nahas na CIS, a Royal Empreendimentos e Administração. Agora, estuda punições a Leitão, que também quis pôr à venda um terreno da empresa na orla de Niterói, cidade vizinha ao Rio. O que causa espanto aí são as cifras. A Câmara de Valores Imobiliários de São Paulo avaliou o terreno, de mais de 400000 metros quadrados, em 82 milhões de reais. Leitão sugeriu repassá-lo por menos de um décimo do valor—7 milhões. Se fosse adiante, seria um negócio da China para os compradores, que, comenta-se nos bastidores do mercado de seguros, estariam dispostos a pagar régias comissões em gratidão pelo preço tão camarada. Em março, porém, uma liminar barrou a transação. Questionada por VEJA, a Susep refez os cálculos: promete agora cobrar os 82 milhões de reais avaliados pela Câmara de Valores Imobiliários numa futura negociação.

 A quebra da ex-seguradora de Nahas se arrasta há 22 anos. O processo passou da Susep à Justiça em 2000 e voltou à superintendência três anos atrás. Nessas mais de duas décadas, o patrimônio da empresa só fez deteriorar-se, num processo em que o interesse público fica sempre em último lugar — e os direitos do proprietário consistentemente lesados. Em 2010, vieram à luz denúncias de superfaturamento na contratação de consultorias, o sumiço de obras de arte e a perda de 120 veículos que simplesmente apodreceram ao relento no pátio da companhia. Em apenas dois anos, 2 milhões de reais da massa falida foram gastos co.m pagamento de pessoal. O administrador Leitão e seu assistente ganham, juntos, 50000 reais por mês. O escritório de advocacia que o assessorava — o Mattos, Rodeguer Neto e Victória, de São Paulo — recebia 23 000 reais mensais até ser dispensado, em janeiro. É o mesmo escritório que teve o sigilo quebrado no inquérito da Polícia Federal que apura a venda do Hotel Nacional, no Rio, a um amigo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. O hotel faz pane do espólio da Interunion Capitalização, alvo de outra liquidação rumorosa ainda nas mãos da Susep.

 Um recente laudo elaborado por perito judicial informa que o patrimônio da CIS soma 94 milhões de reais (isso sem considerar a nova avaliação do terreno de Niterói). O total de dívidas é de 63 milhões — a maior pane com o Fisco. O caminho reto passa por vender os bens e pagar a quem de direito. Sobrariam ainda 31 milhões de reais. Parece simples. Só parece. E como Henrique Brandão entra nessa história? Sócio do genro do ex-deputado Roberto Jefferson na corretora carioca Assurê, ele vive a se gabar de que "manda na Susep" (o que a autarquia nega). Brandão vislumbrou uma oportunidade de negócio na disputa judicial dos sócios de Nahas com a Susep. Ele se apresentava no mercado como a pessoa que poderia resolver a questão. Quando soube de uma reunião, sem a sua intermediação, entre o representante dos acionistas da CIS, Tupy Caldas, e o superintendente da Susep, Luciano Santanna, ligou para Caldas. Queria saber como tal encontro havia sido agendado sem o seu conhecimento. Caldas confirmou a conversa. À VEJA, Brandão negou sua existência. Prefere ficar onde até então esteve: nos bastidores. Enquanto isso, os acionistas da CIS continuam sendo lesados e o interesse público, desprezado.

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