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Microsseguro aguarda redução de tributos para avançar

Fonte  Márcia Alves  -  CVG-SP

As diferenças sociais e econômicas que separam o Brasil de países como a Índia, África do Sul, China e até do vizinho Peru, foram determinantes para o surgimento de um modelo único de microsseguro nacional. Diferentemente destes países, onde o microsseguro coleciona histórias de sucesso, o Brasil não poderia construir um produto que oferecesse, por exemplo, assistência médica gratuita, porque já dispõe de sua Previdência Social, que cumpre esse papel. A regulamentação do microsseguro brasileiro também não abre a possibilidade de ampliar os canais de distribuição, incluindo, por exemplo, igrejas e ONGs.

Por estas e outras razões é que o microsseguro nacional tem muita semelhança com o seguro popular e, portanto, muito mais chances de atender as necessidades dos novos consumidores brasileiros, que precisam de proteção para os bens recém-adquiridos. Essa “adaptação” do microsseguro ao modo de vida brasileiro “fascinou” os europeus, segundo a advogada Ana Rita Petraroli, coordenadora da cátedra de Microsseguros da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP). Esta foi a sua percepção durante a apresentação do microsseguro brasileiro no Congresso do Comité Ibero Latino-Americano de Direito dos Seguros (CILA), realizado em maio, em Portugal, pela Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA) da América Latina.

Petraroli expôs mais detalhes da sua participação na CILA em Debate do Meio-Dia da APTS intitulado “Atualidades do Microsseguro”, coordenado pelo diretor de Microsseguros da entidade Adevaldo Calegari, na última quarta-feira, dia 24 de julho. Ela contou que ficou surpresa não apenas com a introdução do tema microsseguro no evento da CILA, que, geralmente discute apenas questões jurídicas, como também com o interesse do público, que lotou o auditório de 300 lugares e, ainda, prorrogou a sessão de perguntas por cerca de 50 minutos.

Segundo advogada, os espanhóis, principalmente, demonstraram muito interesse pelo modelo de microsseguro brasileiro. “Muitos representantes de países que atravessam crise econômica viram no nosso microsseguro um modelo viável para eles e até para outros países que não estão em dificuldades, porque identificaram, por meio da regulamentação e do preço mais elevado, uma semelhança com o seguro popular”, disse. “Foi uma agradável surpresa”, acrescentou.

Mais pobres

Dados de um levantamento realizado pelo Micro Insurance Centre em 2010, apresentados por Petraroli, revelam o mapa mundial de disponibilidade do microsseguro para as populações mais pobres. O estudo apurou que nos 100 países mais pobres do mundo, apenas 3% (78 milhões) da população de baixa renda está coberta pelo microsseguro formal. A África, embora possua a maior quantidade de pobres e maior presença territorial do microsseguro, não é a região que apresenta maior disponibilidade proporcional do seguro em relação aos mais pobres. Pela mapa, o Peru se destaca como país com maior cobertura da população de baixa renda.

Outro dado apontado pelo levantamento é o tipo de produto mais consumido, que pela ordem é vida, morte acidental, saúde e patrimoniais. Petraroli explicou que a opção pelo microsseguro de vida não é para o amparo familiar, mas para a quitação de dívidas em caso de falecimento do segurado, o que torna o produto mais parecido com o prestamista brasileiro. Outras diferenças são a venda por seguradoras não regulamentas e por canais alternativos, como igrejas e ONGs. Já no Peru, o microsseguro é mais voltado ao atendimento à saúde, porque o país não dispõe de previdência social.

Chave do sucesso

Sobre o Brasil, a advogada expôs dados, também de 2010, de um estudo socioantropológico com populações de baixa renda em comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, realizado pelo International Microinsurance Research (IMR). Conduzido por pesquisadores que conviveram por meses nessas comunidades, o estudo do IMR identificou pontos interessantes no perfil dos moradores, como os principais gastos, que são, pela ordem, bebidas alcoólicas, pet shop e cabeleireiros. “Estes são os concorrentes do seguro, porque consomem a parte que sobra da renda dessas pessoas”, disse.

Sobre o normativo vigente do microsseguro, desde a primeira resolução do CNSP, de 2004, até o conjunto de circulares da Susep, de 2012, Petraroli elencou alguns pontos, destacando o mais polêmico, que é a criação da figura do correspondente de microsseguro. Seu entendimento é que essa figura foi criada com o intuito de proteger o consumidor, já que o correspondente, ou agente, deve ser vinculado à seguradora. “Mas não abram exceção para a venda de microsseguro sem corretor. Uma vez aberto, esse espaço pode não ser reconquistado”, alertou.

Segundo Petraroli, na cadeia de oferta dos microsseguros, todos os envolvidos – ressegurador, segurador, canais de distribuição e segurado – terão obrigações. No caso do ressegurador, ela destacou a importância da participação em riscos grandes e desconhecidos, como é o caso do microsseguro, que ainda não dispõe de histórico de utilização. “No microsseguro, o ressegurador é fundamental e pode representar a diferença entre lucro e prejuízo na carteira inteira”, afirmou. Outro ponto relevante, em sua opinião, é a estratégia de comunicação das seguradoras, o qual indicou como ponto-chave do sucesso. “A empresa que conseguir entender a linguagem e o tipo de comunicação adequados ao microsseguro sairá disparada na frente”, disse.

Projeto sem efeito

Na última parte do evento, Adevaldo Calegari se pronunciou contra o estado atual de “comodismo” das seguradoras, que, em sua opinião, “adequaram produtos populares para a venda na forma de microsseguro, mas não fizeram esforço para criar produtos novos desse seguro”. Para ele, a regulamentação do microsseguro está adequada, mas falta a isenção ou redução de tributos para que o seguro avance. “Assim que o governo fizer a parte dele e trouxer esses impostos para um patamar razoável, os seguradores começarão a trabalhar mais fortemente o microsseguro”, concluiu.

Em relação à redução de tributos, o corretor Evaldir Barboza, que estava na plateia, lembrou que a tramitação do PL 3.266/08 está avançando na Câmara dos Deputados, com grandes chances de aprovação, na qual recebeu substitutivos que preveem redução de tributos. Na avaliação de Petraroli, o mercado não deve criar expectativas. “Embora o projeto seja bem intencionado, juridicamente está errado e não tem chance de ser aprovado. Mas, se for, não produzirá efeito. Preocupa-me ficarmos esperando por esse projeto, sem pensar em outro”, disse. Para ela, a isenção de tributos é fundamental, mas sua propositura deve seguir outros caminhos.

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