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Limitação de responsabilidades é ponto polêmico

Fonte: Valor Econômico

Por Fernanda Pires | Para o Valor, de Santos

Representantes de terminais portuários e de importadores e exportadores avaliam que a reforma no direito marítimo, em debate no Congresso, beneficia os armadores ao transferir ao restante da cadeia responsabilidades que seriam das empresas de navegação.

Uma emenda ao Projeto de Lei 1.572/2011 - que cria o novo Código Comercial - propõe pelo menos três mudanças que são alvo de polêmica. Limita a responsabilidade de ressarcimento do armador em caso de avaria à carga ou ao terminal; transfere riscos de retenção da carga às instalações portuárias; e expande a atuação do Tribunal Marítimo, hoje um auxiliar técnico do Judiciário em questões de segurança da navegação.

"Tal como está é ruim. É importante que o texto defina bem a responsabilidade de cada um dos participantes da cadeia logística", diz o secretário-executivo da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra), Matheus Miller.

Um dos aspectos mais controversos é a limitação da responsabilidade do armador, usada por outros países como incentivo à indústria da navegação. Hoje, se ocorre um dano à carga a bordo, o seguro indeniza integralmente o dono da carga e a seguradora tem o direito de buscar o ressarcimento do transportador marítimo. O mesmo vale para um dano causado ao terminal.

Pela emenda, o limite da indenização será o valor da carga declarado no conhecimento de embarque. Mas, segundo Christian Smera, advogado especializado em sinistros, declarar o valor da carga vai redundar em "aumento exponencial" do frete marítimo e, dentro da mecânica do comércio exterior, em escalada da burocracia.

Caso o valor não seja declinado, o teto proposto para a indenização é de 666,67 Direitos Especiais de Saque (DES) por volume ou unidade de mercadoria avariada ou extraviada, o que equivale a R$ 2.351,94, ou 2,5 DES por quilo de mercadoria.

O advogado Paulo Cremoneze, especializado no atendimento a seguradoras, importadores e exportadores, afirma que a limitação fere a Constituição, que prevê a reparação civil ampla e integral. No limite, diz, as seguradoras serão obrigadas a aumentar o valor das alíquotas, onerando o consumidor final. O diretor jurídico da Tokio Marine Seguradora, Sérgio de Oliveira, entende que o repasse não será automático e vislumbra batalhas jurídicas. "Antes de aumentar a taxa de prêmio, o mercado segurador em geral e as seguradoras, em particular, deverão submeter tais dispositivos legais à apreciação do Judiciário, questionando a constitucionalidade de diversos itens da lei.

Luís Felipe Galante, diretor-jurídico da Associação Brasileira de Direito Marítimo, afirma que a limitação de responsabilidade é universal dada a relevância do transporte marítimo. A associação auxiliou a elaboração da emenda apresentada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

"No mundo inteiro a navegação é alvo de políticas legislativas limitando responsabilidade. É uma atividade muito dispendiosa que sofre riscos além dos que sofre uma indústria em terra firme. No mundo inteiro sempre existiram e vão continuar existindo incentivos", diz Galante.

Para Smera, o argumento é fraco. "Então médicos, advogados, motoristas de ônibus também precisam ter a responsabilidade civil limitada porque são atividades sociais de importância relevante", diz. Isso valeria, afirma, para os países com enormes frotas de marinha mercante e que têm interesse em proteger esse segmento. "O Brasil está no polo diametralmente oposto. Não temos uma marinha mercante forte. É falacioso dizer que isso vai beneficiar o Brasil, vai beneficiar o interesse estrangeiro em detrimento do nacional."

O diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação (Centronave), Claudio Loureiro, diz não haver "evidências concretas" de que a limitação de responsabilidade teria impacto negativo no seguro de carga. "Muito ao contrário, a experiência internacional demonstra que ela reduz um dos maiores custos operacionais dos armadores - aquele com seguros de responsabilidade - o que poderá favorecer os níveis de fretes e beneficiar o usuário." O coordenador da comissão de juristas do novo Código Comercial, Fábio Ulhoa Coelho, segue a mesma linha. Para ele, a limitação de responsabilidade do transportador obrigará o importador a correr atrás de um seguro que irá "dimensionar e socializar" os riscos, tendendo a ser "muito mais barato do que aquele 'sobrevalor' que o transportador teria de acrescentar [ao frete]".

Outra crítica é a expansão da atribuição do Tribunal Marítimo. Segundo o advogado Thiago Miller, o texto oferta ao Tribunal Marítimo um poder jurisdicional, apesar de ele ser um órgão administrativo e auxiliar do Judiciário. "Enquanto o processo corre no Tribunal Marítimo não pode ser ajuizado. Se tiver de ser ajuizado tem de ser suspenso e os juros correm a 0,5% ao mês. Isso é inconstitucional, é ilegal. Estamos entregando ao Tribunal Marítimo a hierarquia, ele é o senhor absoluto da prova."

O desembargador Carlos Henrique Abrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concorda que a emenda cria um direito processual marítimo e critica a reforma por meio de uma emenda. "Não podemos elaborar uma legislação que contemple quase 270 artigos do direito marítimo. Precisamos elaborar princípios lógicos e acabar com esse casuísmo."
 
 

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