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Quando a oficina é problema

Fonte: Correio Braziliense

Concessionárias de veículos têm recorrido a práticas ilegais para camuflar um problema frequente na rede de lojas: a falta de peças nos estoques, que tem provocado longa demora no conserto de carros. Quando os clientes procuram saber o motivo do atraso, que pode chegar a meses, enfrentam um jogo de empurra entre revendedoras, fabricantes e empresas de seguro. Não bastasse isso, as autorizadas dão preferência, nos reparos, aos automóveis que forem deixados nos galpões. E desistir do serviço pode pesar no bolso: as oficinas cobram por hora de trabalho na montagem e remontagem dos veículos. A estratégia é utilizada para segurar o cliente, segundo admitem profissionais da área, mas infringe o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A enfermeira Vanessa Barbosa Fontinele, 31 anos, possui um Agile, da Chevrolet, que está há dois meses em uma concessionária no Setor de Indústrias Gráficas (SIA) por falta de peças no estoque. “Meu carro foi roubado e levaram as rodas, quebraram o vidro traseiro e o porta-malas. Todas as vezes que ligo, eles afirmam que estão aguardando o envio das peças pelo fabricante”, conta. “Essa situação é ruim. Eu preciso do carro para trabalhar. Não estamos falando de peças importadas. Não entendo toda essa demora”, desabafa.

O vice-presidente do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Distrito Federal (Sincodiv-DF), Hélio Aveiro, diz que problemas com peças foram recorrentes no final do ano passado devido ao grande número de vendas de veículos. “Hoje a situação já está normalizada. Fiz uma pesquisa nas concessionárias e a informação que tenho é de que não faltam peças nos estoques”, afirma.

Aveiro justifica a prática comercial das lojas de cobrarem pelo serviço de remontagem, mesmo que o cliente desista do serviço. “Todo carro que vai fazer avaliação tem que ser desmontado. Cada concessionária tem um custo dessa mão de obra. Os mecânicos são pagos por hora e, se o cliente não quiser mais o conserto, a loja não pode sair no prejuízo”, justifica.

Desrespeito

A servidora pública Jane Elias enfrenta o mesmo problema da enfermeira Vanessa. Desde 5 de dezembro, o carro dela, um Azira da Hyundai, está estacionado por conta do estoque vazio. Em fevereiro, a concessionária avisou que o veículo estava pronto. “Mas, quando fiz um teste na rua, percebi que uma luz no painel alertava para um problema”, lembra Jane. “A bateria arriou porque o carro ficou muito tempo parado. Não foi responsabilidade minha. Mesmo assim, eles disseram que eu teria que comprar uma nova. É um desrespeito com o consumidor”, reclama.

Um funcionário de uma concessionária da General Motors (GM), em Taguatinga Norte, admitiu a falta de peças e a cobrança em caso de desistência do serviço. “Desmontamos o carro e cobramos R$ 70 na remontagem para “segurar” o cliente. Só aqui há mais de 80 carros aguardando manutenção. Se o veículo não ficar na loja, não damos preferência a ele na hora do conserto. Não existe uma fila de espera por peça, enquanto o cliente roda com o carro pela cidade”, assume.

A GM do Brasil encaminhou nota ao Correio afirmando que “o índice de disponibilidade de peças na rede hoje é de 90 %. Em casos pontuais de indisponibilidade, a Central de Relacionamento Chevrolet está à disposição do cliente no 0800-7024200”. Já a prática de concessionárias de desmontar o veículo e cobrar pela remontagem “foge totalmente do padrão de atendimento da rede Chevrolet” diz o texto.

A Federação Nacional da Distribuição de Veículos (Fenabrave), que representa as concessionárias, informou que o presidente da entidade, Flavio Meneghetti, estava fora do país e não poderia comentar o assunto. A Anfavea, que reúne as fabricantes, não respondeu até o fechamento desta edição.

O diretor executivo da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Neival Freitas, disse que as seguradoras “não têm o menor interesse em atrasar os serviços”. Ele admite que “há uma crise por falta de peça, principalmente de carros importados”. “Por conta da baixa produção das montadoras, nós acabamos sendo responsabilizados.”

Direitos

A falta de peças nos estoques das lojas infringe o artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor. O texto diz que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou a importação do produto”. Já o artigo 18 do CDC define que qualquer manutenção deve ser resolvida no prazo máximo de 30 dias. Sobre a demora da entrega do veículo, o artigo 19 diz que “os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto”, ou seja, as concessionárias, as fabricantes e as seguradoras podem ser penalizadas pela demora na manutenção.

A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Mariana Alves Tornero contesta a estratégia comercial praticada por revendedoras autorizadas. “Se a loja viu que estão faltando peças, ela deve, imediatamente, pedi-las ao fabricante. Caso contrário, há um defeito na prestação do serviço”, esclarece. Mariana acredita que a cobrança pela montagem do carro é abusiva e pode ser motivo de denúncia nos Procons. “Quando faz uma venda, o lojista assume todos os lucros e riscos. Jamais poderia ser repassado esse valor ao consumidor”, explica. Caso o cliente se sinta lesado, pode até acionar a Justiça. “Ele pode entrar com uma ação para que a concessionária repare o carro, e também por dano moral. O que não pode é o cliente ficar calado”, ressalta.

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