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Por que parou, parou por quê?

Fonte: Valor Econômico

Por Sérgio Tauhata | De São Paulo

                        Para Oliveira, da Bradesco Vida e Previdência, falta cultura de longo prazo

Na busca por entender o futuro, as pessoas costumam olhar para o passado. Entretanto, esse apoio na segurança das experiências já vividas ou testemunhadas pode gerar expectativas que, em grande parte das vezes, não se concretiza. O mesmo efeito ocorre quando se fala em aposentadoria. É o que mostra pesquisa feita pela consultoria Mercer com 1,5 mil aposentados que contribuíram com planos de previdência complementar.

O estudo revela um quadro no qual, para a maioria, a vida ficou mais difícil após a saída do mercado de trabalho. Do total de entrevistados, 63% viram suas despesas permanecer iguais ou aumentar ao mesmo tempo que a renda diminuiu significativamente. Conforme o levantamento, 50% passaram a receber entre 40% e 80% do salário, mesmo se somado o benefício recebido pelo INSS, enquanto outros 40% tiveram uma redução dos recursos da ordem de 60% ou mais em relação à época ativa, também incluída a pensão oficial.

Os dados reforçam a percepção de que, em geral, as condições válidas para uma geração quase nunca vão funcionar para a próxima. "O estudo revelou alguns dados e informações muito interessantes e contrárias ao que todo mundo achava", afirma Carolina Mazza Wanderley, consultora sênior da Mercer.

Uma das ideias correntes sugere que, após a aposentadoria, ocorre uma redução de custos devido ao fim de gastos antes usuais, como transporte, educação e outros. Segundo Carolina, a pesquisa mostra uma realidade totalmente diferente para a maioria. A especialista explica que, embora exista diminuição de algumas despesas, outras sobem muito mais. É o caso da saúde. Junto com uma maior necessidade de consultas, exames e remédios, a pessoa passa a bancar sozinha o plano de saúde, antes subsidiado pela empresa. Além disso, "a renda na aposentadoria no máximo é revisada pela inflação e, como os custos da saúde sobem acima da inflação, pode se tornar algo impagável", alerta a consultora.

A diretora de produtos e
marketing
da Icatu Seguros, Aura Rabelo, também enxerga essa disparidade entre o que se espera e a realidade. "Em geral, as pessoas acreditam que vão precisar de 70% da renda depois de se aposentar. É equivocada essa conta. As pessoas pensam que vão ficar de pijama em casa, mas vão querer viajar, sair, comprar um smartphone, ver tevê por assinatura. São muitos novos gastos", afirma ela.

Dentro de um cenário no qual os benefícios advindos do INSS e da previdência complementar podem não ser suficientes para pagar as contas, muitos optam por se manter na ativa. De acordo com o estudo, quase metade dos aposentados, ou 49%, continua a trabalhar. "E não necessariamente para se manter ativos, mas para buscar uma adequação de renda nessa fase da vida", afirma Carolina.

A pesquisa confirma ainda uma conta salgada que as pessoas deveriam pagar, mas têm preferido adiar. O brasileiro vai precisar praticamente dobrar seu esforço de poupança atual, se quiser garantir uma renda confortável na aposentadoria. De acordo com os cálculos da Mercer, a média atual das contribuições para a previdência privada, em torno de 10% do salário, garante um benefício de apenas 48% a 52% sobre o rendimento na ativa.




Se a pessoa ganha de R$ 4 mil a R$ 10 mil, precisa elevar a contribuição de 10% para 19%, ao longo de 30 anos, caso queira assegurar uma renda equivalente a 100% da época da ativa. Ainda conforme a pesquisa, aqueles com remuneração superior a R$ 10 mil, necessitam elevar o valor destinado ao plano privado de 10% para 18% para garantir recursos na aposentadoria da ordem de 80% do último holerite.

Já para quem recebe até R$ 4 mil, segundo os cálculos da Mercer, os aportes, hoje equivalentes a 5% da renda, vão ter de subir para 8% ao longo de 30 anos, como forma de assegurar uma rendimento de 120% do salário - isso porque o aumento dos gastos para essa faixa é maior relativamente à renda.

O peso dessa poupança, no entanto, é menor o quanto antes se começar a fazê-la. "É preciso criar uma cultura de longo prazo desde tenra idade. Como acontece em outros países, a pessoa tem de ter essa consciência de que, desde quando ganhar o primeiro salário, tem de guardar parte desse recurso", afirma o presidente da Bradesco Vida e Previdência, Lúcio Flávio de Oliveira.

Uma simulação da Mongeral Aegon ilustra o quanto mais leve fica o esforço com maior tempo. Segundo os cálculos da seguradora, com juros nominais de 6% anuais, se um trabalhador começar aos 20 anos a fazer aportes de R$ 500 por mês vai ter R$ 1 milhão quando alcançar 60 anos. Se, no entanto, postergar por 10 anos o início desse plano terá de poupar R$ 980, ou seja, 96% a mais para obter o mesmo montante. "Quem investe 10% do salário e percebe que tem de dobrar o aporte é porque começou tarde", diz Leonardo Lourenço, superintendente de marketing da seguradora.

Outro fator que tem mudado de maneira acelerada, e certamente será diferente para as próximas gerações, é a expectativa de vida. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos anos 70 para cá os brasileiros ganharam 24% a mais na média de suas existências. Essa longevidade ampliou as fronteiras da aposentadoria. De várias maneiras.

A consequência mais óbvia é a maior necessidade de recursos para suportar os anos a mais de vida. Entretanto, ao mesmo tempo, permite aos brasileiros compensar a diminuição da rentabilidade real das aplicações ocorrida nas últimas décadas com mais anos de trabalho e contribuição.

Há também aqueles que comemoram a longevidade. É o caso do engenheiro Renato Petry, de 62 anos, que há três se aposentou pelo INSS e, ao mesmo tempo, converteu em renda vitalícia o plano de previdência privada para o qual contribuiu por mais de 20 anos. "Tenho uma consultoria na área de transportes, mas não penso em deixar de trabalhar", diz. Para o engenheiro, as rendas significam uma segurança nessa fase da vida e também uma nova possibilidade: a de desacelerar o ritmo. "Cada vez mais estou intercalando o trabalho com viagens de turismo, de conhecimento, cursos e outras atividades mais pessoais", conta o consultor, que enxergou nos anos a mais a possibilidade de optar por um recomeço em lugar de um final feliz.


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