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A exceção fez a regra

Fonte: Época Negócios
 
A lei dos desmanches, a vigorar em julho, deve reduzir a criminalidade e o preço dos seguros. Por trás de sua elaboração está uma empresa que insistiu em ser legal bem antes disso ser uma exigência 
 
Geraldo com os filhos Guilherme (à esq.) e Arthur: o trio teve papel fundamental na aprovação da Lei dos Desmanches (Foto: Alexandre Severo)
 
Aos 12 anos de idade, Geraldo Rufino quebrou pela primeira vez. As economias que fizera durante três anos catando material reciclável num aterro sanitário e alugando carrinhos de feira e coletes de futebol foram varridas por um trator, já que ele as enterrava em latas de leite Ninho, num terreno baldio na favela do Sapé, no Butantã, em São Paulo. Bastou uma terraplanagem para que tudo fosse perdido. Depois desse episódio, Geraldo, hoje com 55 anos e dono da JR Diesel, o maior desmanche de caminhões do país, diz já ter quebrado umas seis vezes. A última, diz ele, foi a mais importante. Abandonado pelos sócios americanos, ele acumulou dívidas milionárias e foi obrigado a pedir concordata. “Todas as vezes que eu quebrei, eu dei um upgrade”, diz ele. Dessa vez, o motivo da melhoria não foi apenas um caixa mais forte, mas sim a entrada de seus filhos no negócio. O resultado? Eles reestruturaram completamente a empresa, buscando inclusive as melhores práticas no exterior. Com o passar do tempo, acabaram tendo, inclusive, papel ativo para fazer com que a Lei dos Desmanches fosse regulamentada em São Paulo. Em julho, as empresas do setor passarão a ser fiscalizadas por uma rígida legislação, o que poderá reduzir a criminalidade e mexer com o mercado de seguros.

Para montar o desmanche especializado em caminhões, com faturamento de R$ 50 milhões no ano passado, Geraldo tem uma história longa, cheia de idas e vindas. A concordata que ele diz ter sido a mais importante aconteceu em 2002, pouco antes do governo Lula. Dois anos antes, a fabricante de caminhões International ofereceu a Geraldo a possibilidade de operar, sob concessão, uma rede de concessionárias de caminhões em São Paulo. Parecia um bom negócio. Para não misturar as estações, o dono da JR Diesel criou a JR Veículos, divisão que cuidaria do varejo de caminhões. “Acontece que a International começou a falhar com as entregas, com as garantias, com o pós-venda. Quando o Lula assumiu, eles foram embora”, diz Geraldo. A JR Veículos faliu e o empresário teve de assumir uma dívida de R$ 16 milhões – além de ver os R$ 8 milhões que já havia investido no negócio virarem pó. O rombo foi empurrado para as contas da JR Diesel, que entrou em concordata. O faturamento naquele ano caiu de R$ 2,5 milhões para R$ 250 mil por mês. Era mais um trator que passava por cima de suas economias.

Consumidores que aceitarem usar peças usadas em seus veículos poderão ter descontos nas seguradoras. Isso, claro, se a Susep aprovar o Seguro Popular

“Fiquei sem crédito, mas não sem credibilidade”, diz Geraldo. Prova disso foi a ajuda providencial da transportadora Júlio Simões, conhecedora do trabalho da JR Diesel. “A Júlio Simões me vendia fiado os caminhões batidos para eu desmontar e revender as peças. Foi fundamental para que a empresa se recuperasse”, afirma Geraldo. Bem como  o choque de realidade experimentado por seus filhos naquele período de vacas magras. “Eu educava mal meus filhos”, diz. “Eles andavam de carro blindado, com motorista e segurança e fazendo bobagem. O problema financeiro fez meus filhos deixarem de ser playboys. Eles se tornaram independentes e promoveram uma transformação na empresa.”
 
Imaginava ver um ferro-velho? A JR Diesel gastou R$ 6 milhões em estrutura, tecnologia e em sistemas de gestão (Foto: Alexandre Severo)

O caminho certo

 Guilherme, o mais novo, trocou a mesada pela comissão, aos 15 anos de idade. Passou por todas as áreas da JR Diesel: da lavagem e desmonte de caminhões ao departamento de vendas. Hoje, aos 28, ocupa o cargo de diretor comercial. Arthur, o outro filho, diretor de mar­keting, é o “cara” das ideias. Foi ele quem rodou o mundo atrás dos benchmarks para o setor. Batia de porta em porta para descobrir como funcionava a legislação e os mercados gigantes e regularizados nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, em Portugal e na Alemanha. Percebeu também que, onde faltam desmanches legais, o crime aumenta.

O pai já havia entendido desde cedo que a JR “não seria mais um ferro-velho” se trabalhasse de maneira regularizada. “É uma área muito fácil de começar e muito fácil de ir para o caminho errado.” Resolveu, então, trilhar o caminho certo, o da empresa formal. “O Geraldo subiu rápido na nossa empresa porque ele prezava justamente isso: a retidão”, diz Marcelo Gutglas, controlador do Playcenter e do Playland, empresas nas quais Geraldo trabalhou. “Ele também fazia questão de mostrar resultados, de se superar.” Na JR Diesel não seria diferente. Após o mergulho global de Arthur no setor, resolveram investir em tecnologia e reorganizar o negócio. Foram R$ 6 milhões gastos entre janeiro de 2010 e junho de 2011 na reconstrução do espaço físico, na implantação de sistemas e na contratação de consultorias especializadas em gestão. Com isso, a JR Diesel ficou parecida com um centro de logística – com padrão hospitalar –, como gosta de dizer Arthur: não há uma gota de óleo no chão, nem produtos amontoados e empoeirados. Todos os equipamentos ali vendidos são rastreados, com certificado de origem e garantia.

Estima-se um mercado de   R$ 1,5 bilhão quando as empresas de desmanche estiverem devidamente regularizadas

Assim que o investimento foi concluído, Arthur recebeu uma empresa americana, com faturamento global de US$ 5 bilhões e capital aberto, interessada no negócio. “Nunca tinha imaginado que havia um mercado para nossa empresa e que ela era vendável”, diz Arthur. “Não negociamos, mas deixamos a porta aberta.” Meses depois, um grupo japonês ofereceu quase o dobro pela JR Diesel. Geraldo e os filhos mantiveram a decisão de não vender. Eles sabiam que o resultado operacional melhoraria após a reestruturação recém-concluída e que, com a regularização do setor, o negócio poderia valer muito mais.

O problema era que o projeto inicial da Lei dos Desmanches paulista planejava acabar com a atividade. “Era uma lei que não passaria”, diz Arthur. “Sem os desmanches, as seguradoras teriam perda forte de receita”, diz Arthur. “A lei também  não dava um destino ambientalmente correto às carcaças e peças.” Mesmo assim, ele se organizou para fundar a Adera (Associação Brasileira de Desmontagem e Reciclagem Automotiva), buscou o apoio de deputados e ajudou a montar o projeto substitutivo. “Além de moralizar a atividade e ter uma preocupação ambiental séria, a Lei dos Desmanches trará uma série de vantagens paralelas”, diz Luiz Pomarole, diretor-geral da Porto Seguro. “Há a expectativa da redução de roubos de veículos e isso deve derrubar o preço dos seguros, entre 10% e 20%.”

Além disso, as seguradoras também estão consultando a Susep (Superintendência Nacional de Seguros Privados) para lançar o Seguro Popular. Quando os desmanches estiverem funcionando de acordo com boas práticas, estima-se que surja um mercado de peças remanufaturadas que movimentará R$ 1,5 bilhão. Com isso, caso o consumidor aceite que seu seguro use peças recondicionadas para o reparo dos  carros, o valor da apólice ficará mais em conta. “Bom para os segurados e bom para o governo, que verá um novo mercado, gerador de empregos e de impostos”, diz Pomarole.
 

 

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