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Novos obstáculos tornam futuro do microsseguro incerto

Fonte: CVG-SP

Se antes da regulamentação, a falta de canais de distribuição e de incentivo do governo eram os grandes desafios do microsseguro, depois surgiu outro ainda maior: o pouco interesse da população pelos produtos. Em evento do setor que discutiu a situação atual e as perspectivas do microsseguro, clima era de desânimo. 
 
A estabilização econômica e a ascensão social de milhares de brasileiros fizeram o mercado de seguros vislumbrar a possibilidade de conquistar cerca de 100 milhões de novos consumidores das classes C, D e E, com a oferta de produtos simples e de baixo custo. Mas, o microsseguro, a grande aposta de expansão do setor, não vingou. Hoje, três anos depois da regulamentação, o mercado admite que o microsseguro precisa ser aprimorado e que será necessário investir em educação financeira da população para formar seu público-alvo. A agravante é que a economia em declínio dificulta ainda mais a situação.
 
Foram dez anos de preparação intensa para atuar no microsseguro, segundo Adevaldo Calegari, mentor do Clube dos Corretores de Seguros de São Paulo (CCS-SP) e coordenador do evento “Microsseguros: uma visão atualizada no Brasil e no mundo”, promovido pela APTS e ANSP, dia 29 de abril, no auditório do Sindseg-SP. Ele se recorda de que, entre 2004 e 2014, o mercado realizou dezenas de eventos sobre microsseguros (workshops, seminários e outros), produziu peças de marketing, cartilhas etc.
 
Membro de comissões e de grupos de estudos sobre microsseguros, Calegari revela que o trabalho rendeu relatório de quase 3 mil páginas, englobando também a experiência bem-sucedida de outros mercados visitados por comitivas brasileiras. Nesse ínterim, o setor aprovou diversos normativos para operacionalização do seguro, concluindo a regulamentação em 2012. “Acreditava que a partir da oficialização desse segmento, com a regulamentação, o mercado pudesse atender mais de 100 milhões de pessoas. Mas foi uma decepção”, diz Calegari.
 
“Metade do caminho”
 
Em sua opinião, o microsseguro seria a solução para proteger a população mais vulnerável a catástrofes naturais, como a que ocorreu em Xanxerê (SC). “Isso bastaria para que o governo observasse o setor de outro modo, como solucionador”, diz. Bento Zanzini, diretor do Grupo Segurador BB Mapfre, também pensa assim. “É inequívoca a necessidade de proteção securitária da população de mais baixa renda e da nova classe média emergente”, diz. Porém, ele considera que esse papel social não pertence apenas ao microsseguro. “A Mapfre deslocou uma equipe para Xanxerê, com o talão de cheque na mão. O mercado de seguros age assim, porque é sua obrigação. Apenas não divulgamos”, diz.
 
O executivo contou que uma pesquisa recente da seguradora detectou um grande mercado a ser explorado pelo seguro e não apenas na faixa de menor renda. Em 2100 entrevistas realizadas pelo Datafolha em março último, 80% afirmaram não ter apólice de seguro. Outra constatação do levantamento é que o seguro tem maior penetração nas classes mais favorecidas. Daí porque Bento Zanzini sugere o esforço coletivo do mercado em ações de educação financeira voltadas à população.
 
Ele citou um estudo realizado pela EA Consultants para a CNseg, com o apoio da Microinsurance Innovation Facility, da OIT, que utilizou uma ferramenta (PACE) para avaliar a percepção de consumidores em relação aos produtos de microsseguro. A principal conclusão é que o Brasil não dispõe de microsseguros, mas de seguros massivos de baixa renda. Por isso, sua percepção é que ainda existem muitas dificuldades a serem superadas. “Chegamos à metade do caminho. Como podemos aprimorar?”.
 
Entre os principais desafios ele destaca a falta de cultura do seguro do consumidor e o alcance dos modelos de distribuição. Para Bento Zanzini, as regulamentações tiveram um viés protecionista em relação ao consumidor de baixa renda, por considerá-lo hipossuficiente, além de se ocuparam em diferenciar os seguros tradicionais dos microsseguros. Mas não serão apenas as regras, a seu ver, que farão o microsseguro deslanchar. “O desenvolvimento do mercado dependerá mais da educação e da continuidade do crescimento do país do que dos processos normativos e fiscalizatórios”, conclui.
 
Educação financeira
 
Em 2014, os prêmios de microsseguros em países da Ásia, África e América Latina superaram 100 milhões de euros. Para a advogada Ana Rita Petraroli, coordenadora da cátedra de Microsseguros da ANSP, esse resultado, que foi comemorado na 10ª Conferência Internacional de Microsseguros, realizada em novembro do último ano, na Cidade do México, pode transmitir a impressão de que o segmento é lucrativo. “Mas não é”, diz. Segundo ela, comparado aos resultados globais do mercado de seguros, esse faturamento representa quase nada, ainda que tenha crescido 32% no ano passado. Porém, a advogada ressalta que em outros mercados o microsseguro já deixou de ser visto como uma promessa de lucratividade. “Lá fora, as empresas vêem o microsseguro como um dever social”, diz.
 
Com base no resultado de uma pesquisa vivencial realizada em comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que apontou o baixo valor da indenização como principal motivo de rejeição ao microsseguro, ela analisa que o mercado deveria ter estudado melhor seu público-alvo. “Pensamos que o consumidor de baixa renda acharia o máximo ter algo que ainda não tinha. Mas, ele se sentiu ofendido”, diz. Segundo Ana Rita, diferentemente do Brasil, em outros países o microsseguro nasceu atrelado ao microcrédito. “Esquecemos de algo que o mercado financeiro pratica há mais tempo: a educação financeira”, diz.
 
A questão, segundo a advogada, é que o perfil do consumidor de microsseguros de outros países não é o mesmo do Brasil, a começar pelo nível renda. Um estudo realizado em 2007 estimou um público-alvo de 2,7 bilhões de pessoas potenciais consumidoras de microsseguros em todo o mundo, com renda diária entre US$ 1,25 e US$ 4, o que resultaria em prêmios da ordem de US$ 40 bilhões. “Ouso dizer que no Brasil nenhum consumidor se enquadra nessa faixa de renda. Por isso, não acredito mais nesses números”, diz.
 
Um dos grandes benefícios trazidos pela regulamentação do microsseguro, na visão de Ana Rita, foi a possibilidade de venda por meios remotos. “A tecnologia tem o potencial de ajudar a atender vários desafios importantes na oferta de microsseguro, ou seja, melhorar a acessibilidade, alcançar clientes, especialmente em áreas remotas, cobrar prêmios pequenos e pagar sinistros válidos”, diz. Mas adverte que a tecnologia também traz riscos. Por isso, os investimentos devem vir acompanhados da padronização de dados, conectividade compatível com o público consumidor, capital humano etc. “É importante saber quais são os problemas que precisam ser resolvidos, e então analisar se a tecnologia é uma boa escolha”, orienta.

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