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Um porto seguro para as artes

Fonte: Valor Econômico 

Por Ana Paula Alfano
Sergio Zacchi/Valor
Luchetti: instalado no bairro que vizinhos já chamam de "Portos Elísios", teatro integra o Complexo Cultural Porto Seguro

Fabio Luchetti, presidente do Grupo Porto Seguro, para no meio do palco e aponta para cima: "Na última hora incluímos duas varas cênicas extras", diz, mostrando as estruturas enormes suspensas no teto. "Assim podemos atender melhor a produções simultâneas que estiverem em cartaz, sem ter de ficar desmontando cenários."

Há três anos e meio, quando começou o projeto do Teatro Porto Seguro, que será inaugurado na quarta-feira, em São Paulo, com show do cantor Ney Matogrosso, Luchetti entendia pouco sobre a parte técnica de espetáculos. Mas o presidente da seguradora envolveu-se tanto em cada detalhe do espaço, da concepção à programação, que hoje é capaz de, no papel de guia durante um tour guiado com o Valor pelas instalações ainda em obras, explicar em detalhes o que é e para que serve cada detalhe ali.

Vizinho à sede da empresa, em Campos Elísios (al. Barão de Piracicaba, 740), o teatro é um passo importante em um propósito antigo da Porto Seguro, o de usar a cultura para dar impulso à revitalização dessa região do centro da cidade. "É uma preocupação que começou ainda na gestão do Jayme [Garfinkel, presidente do grupo até 2012 e hoje presidente do conselho de administração], que foi quem decidiu instalar a Porto no bairro e nele investir. Mas tenho um carinho pessoal por esta área, confesso", afirma Luchetti, que viveu em Campos Elísios durante parte da infância e adolescência.

"Eu morava com um tio perto do largo do Arouche, e o centro virou meu quintal, principalmente aos domingos, quando tudo ficava vazio. Joguei muita bola na porta da Porto Seguro. Vi o declínio acontecer e aos poucos a região ser abandonada. Se o cidadão não usufrui da cidade, de tudo o que ela oferece, obviamente isso vai dando espaço a outras soluções, a outros usos", diz.

Foi o que ocorreu com o surgimento da Cracolândia. "Mas isso já começou a mudar. Muitos cortiços no entorno da Porto Seguro deram espaço a lojas e restaurantes. O complexo cultural que vamos ter aqui certamente vai acelerar esse processo."

O moderno teatro de 508 lugares faz parte do Complexo Cultural Porto Seguro, que pretende atrair mais público para o quarteirão - a presença da empresa já é tão forte por ali que alguns vizinhos chamam informalmente o bairro de "Portos Elísios".

Desde dezembro funciona no endereço o restaurante Gemma, tocado por Nelson Soto Calatayud, um dos sócios da rede Santinho e proprietário também do café instalado no lobby do teatro. Por enquanto, o Gemma é aberto de segunda a sexta-feira apenas para almoço, mas os horários devem ser ampliados por causa do público dos espetáculos. Em agosto um espaço para exposições será inaugurado com obras de artistas como Rafael, Michelangelo e Leonardo da Vinci.

"O foco na cultura e na revitalização do bairro tem tudo a ver com o posicionamento da empresa, com o que ela é e como queremos que seja vista por seus clientes. Uma seguradora trabalha essencialmente com gente. Oferecer entretenimento e ter nosso nome ligado a esse mercado nos fortalece e é parte do nosso papel", afirma Luchetti, que segue a antroposofia na vida pessoal e em seu modelo de gestão.

"Ela divide o indivíduo em três partes - pensar, querer e sentir. Sempre fui muito o pensar, tive uma visão sistêmica e estratégica das coisas. Mas faço um exercício constante para também sentir e acho que hoje tenho esse lado mais equilibrado. O teatro e a cultura, em geral, são grandes aliados nesse caminho. Foram para mim e acredito que sejam também para nossos clientes e funcionários."

Luchetti informa que cerca de 14 mil funcionários da Porto circulam pela região e observa que, como a maioria das empresas, é muito dependente, de criatividade e inovação.

"Abrir um espaço cultural como esse, do qual quem trabalha aqui possa usufruir na hora do almoço ou quando terminar o expediente, por onde artistas estarão sempre circulando, é algo que volta para a empresa. Queremos que os nossos funcionários saiam um pouco da razão, e o teatro e o espaço de exposições vão contribuir muito para isso. Eu mesmo, ao me envolver tão intensamente no projeto, vi quanto é bacana pensar fora da caixa, mudar de ares."

"O foco na cultura e na revitalização do bairro tem tudo a ver com o posicionamento da empresa", afirma Luchetti

Segundo Luchetti, "pilotar uma reunião de executivos é uma coisa, pilotar uma reunião com produtores de teatro foi algo completamente diferente do que já havia feito, foi surreal". Ele conta que nesse período aprendeu muito a lidar com o improviso, com mudança e readequação de planos, o que "é muito importante para qualquer executivo hoje".

As tais reuniões com um grupo de seis ou sete produtores da cidade, afirma Luchetti, foram fundamentais para o teatro ser entregue com a excelência de qualidade que a Porto Seguro buscava. "Foi a melhor coisa que fizemos, porque conseguimos entender o negócio sob a ótica de quem assiste, de quem trabalha nele e de quem produz", diz.

As conversas renderam alguns diferenciais no projeto, como um elevador de carga com pé-direito mais alto, para que cenários sejam transportados sem a necessidade de desmontá-los, uma espaçosa sala de ensaio, um fosso que não existia no desenho original e um camarim colado ao palco, com lavabo, para artistas mais idosos ou que sofram de problemas de locomoção.

"Parece uma coisa boba, mas fiquei surpreso de ouvir que muitas vezes é necessário um artista usar garrafa pet como penico, porque não dá tempo de ele ir até o banheiro mais próximo, entre uma cena e outra." Luchetti começou no Grupo Porto Seguro em 1984, aos 18 anos, como office-boy. É presidente desde 2012 e atualmente comanda 25 empresas. "Hoje os diretores fazem tudo funcionar e eu atuo muito mais no campo estratégico, em projetos como o do teatro, mais institucionais."

Investir em detalhes e ter total liberdade no projeto foram alguns dos motivos pelos quais a Porto - numa época em que muitas empresas optam por assinar um contrato de "naming right" e trocar patrocínio por publicidade, ao batizar uma casa de espetáculos - preferiu ter seu teatro. "Fomos várias vezes sondados para fechar contratos de 'naming rights', e para a empresa talvez fosse algo mais garantido e fácil financeiramente. Mas não queríamos um espaço que se chamasse Porto Seguro por cinco anos e depois corresse o risco de se chamar outra coisa."

Além disso, a Porto não queria apenas publicidade. "Nossa relação com o teatro e com o nosso público, principalmente, sempre foi muito além disso. Já tínhamos esse prédio ao lado da sede e precisávamos fazer o 'retrofit' [reforma] dele."

A empresa já contava com um projeto de anfiteatro, mas ao reavaliá-lo perceberam que era algo pequeno e atenderia só ao público interno. "Também nos demos conta de que, aqui no bairro, há um déficit de bons teatros. E começamos a sonhar com algo maior", diz Luchetti. "O anfiteatro custaria R$ 8 milhões. O teatro que fizemos custou R$ 34 milhões. Chegamos a dar entrada num pedido de patrocínio via Lei Rouanet, mas desistimos porque queríamos total liberdade. Assumimos projeto, construção, programação, tudo."

Ele participa pessoalmente da escolha das atrações, que fica a cargo do diretor artístico do teatro, Marco Chiesi. Os ingressos para os shows da semana de abertura, de Ney Matogrosso, Tiago Abravanel e Maria Rita, respectivamente na quarta, quinta e no sábado, já estão esgotados. "Queríamos uma grade de shows para fazer barulho e apresentar o teatro ao público em grande estilo. Acho que conseguimos. E já temos a agenda fechada até o começo do ano que vem", diz Chiesi. No dia 23, entra em cartaz "Nine, um Musical Felliniano", com Beatriz Segall e Totia Meireles no elenco e direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho.

A temporada vai até agosto, quando estreia a peça "O Camareiro", com Tarcísio Meira comemorando seus 60 anos de carreira. De 2 de junho a 4 de agosto, Marisa Orth apresentará às terças seu show "Romance Volume III - Agora Vai". "As terças serão reservadas para os shows. As quartas e quintas, para peças mais intimistas. De sexta a domingo, o teatro abrigará grandes produções. Nas tardes de sábado e domingo teremos também espetáculos infantis", diz Chiesi, há anos parceiro da Porto Seguro nos projetos culturais.

"Atualmente patrocinamos entre 50 e 60 peças por ano, em todo o Brasil", afirma Luchetti. "Gastamos entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões por ano via Lei Rouanet e outros R$ 15 milhões fora dela. E o retorno sempre foi muito positivo." A história com o teatro começou em 1992, quando a empresa restaurou o casarão da família Dino Bueno na rua Guaianases, onde estreou a peça "Tamara". "Foi o primeiro passo para trazer o teatro para perto da Porto. Agora, enfim, ele está aqui, no prédio ao lado."

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