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A arbitragem no projeto de lei de seguros

Fonte: Valor Econômico

Por Selma Ferreira Lemes

Após ser aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados foi encaminhado para o Senado Federal, em abril, o Projeto de Lei (PL) nº 3.555, de 2004, que altera a legislação referente a contratos de seguros no Brasil, regulada no Código Civil de 2002 e demais textos legais. Se a um primeiro plano o PL representará avanços nos contratos de seguros, na área de solução de conflitos será um retrocesso, além de não ser compatível com a legislação processual que prioriza os métodos adequados de solução de conflitos. No PL não há uma linha sobre mediação e, ao regular a arbitragem, o faz de forma imprópria.

O projeto afasta o principal atributo da arbitragem: a liberdade. O PL retira das partes os ganhos alcançados com a Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem -LA) e seu aprimoramento ocorrido em 2015. Há quase 21 anos a arbitragem é utilizada de forma exitosa para solucionar conflitos empresariais de todos os tipos, inclusive contratos de seguros empresariais.

A possibilidade de resolver conflitos por arbitragem, por ser especializada e mais célere do que o processo judicial, representa ganhos econômicos com a diminuição dos custos de transação. A Lei de Arbitragem fornece a segurança jurídica necessária para sua utilização, tal como referendado pela jurisprudência. A sociedade empresarial, com maturidade, assimilou perfeitamente o instituto. O Brasil é o terceiro país no mundo em número de arbitragens na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional - CCI.


O PL não permite que as empresas optem por arbitragens no exterior e indiquem outra lei que não seja a brasileira

O PL põe tudo isso a perder. Seu primeiro equívoco é invadir área adequadamente regulada da LA. Para os contratos de adesão, aqueles firmados por pessoas físicas, tais como para segurar um automóvel ou uma casa, em que o consumidor não pode alterar nenhuma cláusula do contrato de seguro, a questão já está regulada na Lei de Arbitragem, concedendo tratamento protetivo ao consumidor, tal como assentado em 2012, pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.169.841/RJ).

Outro problema é engessar totalmente a capacidade de contratar de pessoas jurídicas, pois impede a aplicação da arbitragem na forma regulada na LA, que faculta às partes a escolha da lei aplicável, do local da arbitragem, o idioma, a autorização para os árbitros decidirem por equidade ou por meio dos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio e, como é usual em arbitragens, a confidencialidade.

O seguro é um bem econômico sujeito às regras de mercado. Limitar a liberdade das empresas seguradoras e dos tomadores de seguros de negociarem e preverem a arbitragem na forma disposta na LA, além de gerar insegurança jurídica, já que as normas são conflitantes, também contribui para aumentar dos custos de transação, pois a arbitragem integra a equação econômica do contrato.

O mercado de seguros e resseguros está umbilicalmente vinculado ao mercado internacional. As seguradoras nacionais recorrem a ele para repartir riscos, haja vista os valores vultosos envolvidos nesses contratos. Essa atividade é corriqueira no mercado securitário.

A partir do momento que se retira a capacidade negocial das partes de dispor da arbitragem como desejarem, é evidente que o aumento dos custos gerados serão revertidos no contrato e em toda a cadeia produtiva, arcando com ele também os consumidores finais. Ademais, não se pode esquecer que seguradoras, resseguradoras e tomadores de seguros empresariais são agentes econômicos capazes, sofisticados, dispõem de assessoria técnica competente, e, portanto, podem transacionar livremente.

O PL não permite que as empresas optem por arbitragens no exterior e indiquem outra lei que não seja a brasileira. Num mundo globalizado e em pleno século XXI referida vedação é retrógada, desconectada com a realidade e a liberdade de contratar.

Os conflitos na área de resseguros são, há centenas de anos, solucionados de acordo com as práticas comerciais. Nas arbitragens nessa área, quando disposto pelas partes, os conflitos podem ser solucionados de acordo com os usos e costumes do resseguro internacional. Tal proceder é corrente em arbitragens no Brasil. Referidas praticas são conhecidas e aceitas mundialmente e geram a segurança jurídica necessária a essas avenças.

O projeto ao dispor que somente a Justiça brasileira tem competência absoluta para solucionar conflitos relativos a contratos celebrados no país pode colocar em dúvida, também, se a arbitragem poderia ser a forma utilizada para solucionar conflitos na área de seguros, cosseguros e resseguros.

É urgente a necessidade de se rever tais restrições do projeto de lei. Espera-se que o Senado Federal revise a matéria e, ao dispor sobre a arbitragem esclareça somente que será observado o disposto na Lei nº 9.307/96. A ninguém interessa instaurar a insegurança jurídica ou revogar, por vias indiretas, a Lei de Arbitragem.

Selma Ferreira Lemes é advogada, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo. Integrou a comissão relatora da Lei de Arbitragem. Foi membro brasileiro na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional - CCI

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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