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As operadoras perdem a oportunidade de cuidar

Fonte: Valor Econômico 

Por Beth Koike | De São Paulo

Há dois anos, o presidente e fundador da Qualicorp, José Seripieri Filho, o Júnior, quebrou a mão e o ombro em viagem nos Estados Unidos. Ligou para a sua operadora de planos de saúde no Brasil em busca de orientação sobre quais caminhos seguir. Para sua indignação, a resposta da operadora foi: "O senhor sabe que fora do Brasil a ANS não dá cobertura." Júnior retrucou, mas foi em vão. Pegou o primeiro avião de volta ao país, operou a mão e imobilizou o ombro por oito semanas.

O episódio mostra, diz ele, o quanto as operadoras não têm controle, não sabem o que se passa com os usuários. "Alguém da operadora me ligou, participou do processo de tomada da decisão da cirurgia? Nada. Elas perdem a oportunidade de cuidar. As operadoras precisam ser menos 'financial business' e mais 'health business'." Em sua visão, um dos desafios de todo o setor é saber qual é o real custo da saúde no Brasil.

O empresário enfatizou que é preciso acompanhar os usuários de convênio sistematicamente, com programas de atendimento médico primário, para ter informações sobre sua saúde e doenças. Assim, evitam-se idas desnecessárias ao pronto-socorro, peregrinações por especialistas ou internações por falta de acompanhamento médico. A Qualicorp tem projetos nesse sentido com a operadora SulAmérica num programa chamado QualiViva, que acompanha pacientes com mais de 65 anos.

Júnior também está liderando projetos ligados à transformação digital. Hoje, 80% dos planos de saúde já são contratados por meio de uma plataforma tecnológica. A aposta da companhia é tão grande que a remuneração dos corretores que fecharem seus contratos por meio digital é o dobro se comparada a uma venda tradicional, em formulário de papel - um bloco de 28 páginas. A vantagem da operação é que a própria plataforma consegue checar os dados pessoais, evita fraudes e reduz despesas administrativas. O tempo de fechamento de um contrato de plano de saúde caiu de 11 para 3,5 dias.

"Facilita para o vendedor e consumidor. Ainda não conseguimos viabilizar o portal do e-commerce direto para o consumidor porque a gente privilegia o canal de vendas. Acho que no futuro vai ser um modelo híbrido, com corretor. Tudo dá para robotizar, mas o cliente quer o vendedor, ele gosta do aconselhamento", disse Junior.

Leia trechos da entrevista que o empresário concedeu ao Valor:

Valor: O que o sr. acha da negociação de novos modelos de remuneração entre operadoras e hospitais, para controlar custos?

José Seripieri Filho: Há casos em que é melhor ter 'fee-for-service' [conta aberta] e outros em que é preciso ter uma grande discussão de pacote [preço fechado]. A questão é: nada disso vale se não tenho informação do meu cliente. Como operadora ou administradora, tenho que saber o que ele tem, tenho que cuidar, ter um vínculo. Enquanto o usuário, quando estiver doente ou com alguma demanda de saúde, não ligar na operadora pedindo uma ajuda, o sistema está errado. Essa é a minha briga.

Valor: A atenção médica primária é um caminho para acompanhar o paciente? 

Júnior: Eu sou absolutamente favorável à atenção básica primária. Mas não quero uma clínica qualquer. A minha preocupação é quem vai fazer essa atenção primária. Há empresas em que o médico não pode sair do protocolo. Precisamos racionalizar, mas tem que ter uma intenção genuína de cuidado pleno. Estive em Londres visitando startups que trabalham para o NHS [National Health Service, sistema de saúde inglês]. Você não têm noção do que os caras fazem. É padrão decente.

Valor: Hoje, quem faz um bom atendimento médico primário?

Júnior: A Prevent Senior é um caso de sucesso. Não estou entrando na qualificação, se é bom ou ruim. No caso dela, acho que é boa. Fizemos pesquisas sobre as operadoras com a DataFolha e Locomotiva e deu Prevent Senior.

Valor: Houve muita migração de usuários para Prevent Senior nesse período de crise?

Júnior: Eu perco usuário de bacia para Prevent Senior porque o outro plano de saúde está caro. Ele vai e não volta. Agora, antigamente, a pessoa ia para lá por preço. Só que foi surpreendida com o atendimento voltado para idosos. Eu vi isso porque eu sou a pessoa que cuida da retenção, fidelização dos clientes. Quando alguém liga para cancelar aqui, é com meu time. E a gente faz o 'sambarilove', tira daqui, dali, temos um portfólio gigante [para manter o cliente].

Valor: A Qualicorp tem alguma ação de atenção primária?

Júnior: Há dois anos temos o QualiViva que acompanha 811 idosos, com mais de 65 anos, em parceria com a SulAmérica. São acompanhados por um geriatra que é da operadora e enfermeiras que são bancadas pela Qualicorp. Há um canal direto nosso, por meio de WhatsApp, com o idoso e sua família. Esse idoso ia de porta em porta de médicos. O cuidado não era coordenado. A satisfação hoje é estupenda. O melhor NPS [Net Promoter Score] que temos dentro da companhia é desse grupo. A internação desse grupo caiu 40%.

Valor: Por que a Qualicorp decidiu fazer esse trabalho?

Júnior: No fundo a gente está em busca de informação, investindo cada vez mais. Porque tem uma hora que você tem que fazer por conta, provar para seguradora que é viável e levar pra ela.

Valor: Não há um risco de as operadoras usarem dados dos pacientes para calcular o preço do plano de saúde com base em sua predisposição a doenças?

Júnior: É possível alguém mal intencionado fazer isso. Mas aí é a lei de mercado. Porque se tem uma seguradora que faz esse tipo de sacanagem e tem uma que me abraça, para onde eu vou? Acho uma bobagem o plano de saúde olhar o cliente como um ano [período de reajuste], precisa olhar como 'whole life'. Tem operadora que o sonho é ter o cara que paga muito e nunca usa. Isso não existe. Então, já começa torto. Que bom que ele usa porque prova que o sistema está rodando. A questão é: qual o preço justo pra um sistema justo? Quanto custa a saúde? Eu afirmo: no Brasil não se conhece o custo da saúde suplementar.

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