Parecer de TCU e Barroso gera debate sobre Tesouro levar DPVAT
Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) e um parecer do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso alimentam questionamentos sobre a natureza da reserva técnica do DPVAT (o seguro-obrigatório), se ela seria pública ou privada, e se o governo poderia levar esses recursos para o Tesouro Nacional, conforme prevê a medida provisória 904. Ela autorizou que o Tesouro se aproprie nos próximos três anos de R$ 3,75 bilhões (R$ 1,25 bilhão por ano), além dos R$ 8,9 bilhões lá depositados, para compensar a perda de arrecadação para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Denatran com o fim do DPVAT. O restante da reserva cobriria as indenizações às vítimas de acidentes de trânsito até 2026.
Em parecer obtido pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) reconhece que a manifestação do TCU em 2016 enseja discussão e é fonte de preocupação. Mas o órgão ligado ao ministério garante que os recursos são públicos e não haveria apropriação indevida.
“O que mais preocupa, porém, é o relativamente recente entendimento do plenário do TCU que, divergindo da opinião de sua equipe técnica, exarou acórdão que reconhece a natureza privada da parcela do seguro DPVAT voltada à sua operacionalização”, diz o parecer da PGFN. “Divirjo, no entanto, como já adiantado, do referido entendimento do TCU. Isto porque o risco do seguro obrigatório DPVAT, ao fim e ao cabo, já é da União, cabendo ao consórcio da seguradora uma remuneração variável proporcional ao volume de prêmios arrecadados (2%) e independente do resultado da operação ao final do exercício, e o ressarcimento pelos custos administrativos incorridos”, completa o texto.
A tese da natureza privada de metade dos recursos do DPVAT é sustentada pela Seguradora Líder, responsável pela sua gestão. O Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil (Iberc), que nessa semana entrou como amicus curiae (parte interessada) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da Rede no STF contra a MP, e o advogado Heleno Tôrres, professor de direito financeiro e tributário da USP, apontam que a incorporação dos recursos da reserva ao cofre do Tesouro seria irregular.
“Observa-se que o art. 3 da medida provisória impugnada impõe o repasse à Conta Única do Tesouro Nacional os valores correspondentes à diferença entre os recursos acumulados nas provisões técnicas do balanço do consórcio do seguro DPVAT, buscando a apropriação de recursos privados pelo Estado, sendo esses recursos existentes em razão de equilíbrio financeiro atuarial da gestão dos recursos do DPVAT”, diz o texto da Iberc, respaldado em parecer de 2013 de Luís Roberto Barroso, antes de ele ter sido nomeado ministro do STF, que diz: “O caráter compulsório do seguro não desnatura sua qualidade de avença privada, nem transforma os valores arrecadados para o custeio do sistema DPVAT em recursos públicos”.
Barroso também apontou que o DPVAT envolve duas situações jurídicas “absolutamente diversas”. A primeira é “aquela que existe entre os proprietários de veículos automotores que pagam DPVAT e as seguradoras integrantes do consórcio” e a segunda “envolve as seguradoras e órgãos da União”.
Do total pago pelos proprietários de veículos, 45% são destinados ao SUS, para o custeio do atendimento médico às vítimas de acidentes de trânsito, e 5% ao Denatran, para investir em ações e programas educativos para a prevenção de acidentes. Os 50% restantes é que são direcionados ao consórcio de seguradoras para a gestão e operacionalização do DPVAT — indenizações, reserva e a administração do seguro.
Em 2016, a área técnica do TCU disse que todos os recursos do DPVAT seriam públicos. Mas o relator, ministro Bruno Dantas, considerou que a parcela não destinada ao SUS e ao Denatran seria privada. O acórdão (que reúne a opinião do colegiado de ministros), contudo, não é claro sobre o entendimento que prevalece. A natureza privada é citada no sumário do documento, mas não no corpo do acórdão.
Heleno Tôrres diz não haver dúvidas de que a parte repassada ao consórcio tem natureza privada. “Tanto é assim que tais valores não constam e não integram o orçamento da União”, ele diz. Dessa forma, frisa, seria um equívoco a União se apropriar da reserva técnica. As seguradoras integrantes do consórcio, diz, não são órgãos públicos e têm relação jurídica de direito privado com os proprietários de veículos automotores que pagam o DPVAT. Além disso, a obrigatoriedade não converte os prêmios, por si só, em tributos.
O professor da USP chama atenção para um parecer que foi emitido pela Procuradoria Federal junto à Susep em 2006, que afirma que “os recursos oriundos da comercialização de qualquer seguro, facultativo ou obrigatório, são eminentemente privados, propriedade da seguradora, que devem, dentre outras obrigações, utilizá-los para pagamento de indenizações, cobertura de reservas técnicas e constituem sua fonte de lucro, já que a atividade é eminentemente empresarial”.
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