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STJ condena seguradora a pagar indenização a alunos da UFMG por acidente no Peru, em 2006

Fonte: O Estado de Minas 

  • Em última instância, Justiça determina o pagamento de R$ 50 mil por vítima da tragédia com ônibus que levava estudantes à Venezuela e matou quatro pessoas, deixando 25 feridos

Lembranças ruins, dor, sequelas e muita angústia. Durante 14 anos, esses sentimentos ficaram vivos na memória do farmacêutico Lucas Mota Hauck, de 38 anos, que hoje trabalha no Hospital das Clínicas da UFMG. Ele foi uma das vítimas do grave acidente que tirou a vida de quatro estudantes da universidade e feriu gravemente outros 25, em 2006, próximo à Arequipa, no Peru. Passada mais de uma década da tragédia, o belo-horizontino e seus amigos que sobreviveram, finalmente, tiveram um alento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratificou as decisões tomadas em primeira instância e também no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), reconhecendo o direito dos ex-alunos à indenização de R$ 50 mil da seguradora por danos morais, físicos e estéticos.

Lucas e outros 41 universitários viajariam até Caracas, na Venezuela, onde participariam da 6ª edição do Fórum Social Mundial (FSM), de 24 a 29 de janeiro de 2006. Por causa dos altos custos com passagens aéreas, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) contratou a empresa de ônibus Soleminas Turismo para fazer o trajeto de mais de 6 mil quilômetros. No quinto dia da viagem, o veículo colidiu com um paredão de pedra e ficou praticamente pendurado num desfiladeiro na Cordilheira dos Andes. Os estudantes Pedro Coelho d’Ávila Correa, Roberto Tadeu de Melo Barbosa, Taís Palmerston e Thiers Lage Bretas morreram na tragédia. 

A perícia no local apontou que dois condutores se alternavam ao volante, sem parar para descansar. Houve também falhas no sistema de freios do veículo e faltou conhecimento do local por parte do condutor, que dirigia acima da velocidade adequada para a área e não conseguiu fazer uma manobra apropriada. 
 
Ônibus colidiu com um paredão de pedra e ficou praticamente pendurado num desfiladeiro na Cordilheira dos Andes, perto de Arequipa, no Peru (foto: Divulgação)
 
Vários estudantes voltaram para casa transportados em um C-130 Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB), ao lado dos corpos dos amigos. No caso de Lucas Mota, foram necessários mais alguns dias no Peru até a liberação do retorno ao Brasil, feito numa UTI aérea. “Fui um dos últimos a retornar, pois não havia me recuperado. Por causa das lesões que tive na bacia, hoje ainda tenho problemas frequentes no tornozelo, joelho e na coluna. Tenho que me submeter à fisioterapia o tempo todo. É algo que constantemente me remete ao acidente. São incômodos que terei pelo resto da vida”, conta o farmacêutico. 
Para ele, a vitória na Justiça depois de 14 anos não vai apagar todo o sofrimento causado pelo acidente que vitimou seus amigos: “Nunca tive pensamento de que a indenização vai me trazer algum conforto ou compensação, mas sim para reparar um dano que eu sofri. É algo que nos traz certo alívio de que foi feito o que era correto”.

Também passageiro do ônibus, o médico Vinícius Domingues, de 39, teve complicações ainda maiores, ao perder o movimento parcial de uma das mãos. “Hoje, ao dar um 'jóia' para uma pessoa com a mão esquerda, vejo meu polegar sem poder levantar direito. E me lembro instantaneamente do acidente. Se eu tivesse o sonho da formação em cirurgia, teria dificuldades, devido às limitações motoras finas."
 
Sobrevivente, médico Vinícius Domingues lamenta episódio: "Quatro famílias foram quebradas. Poderia ter sido a minha". (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
 
Atuante no Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), da Prefeitura de Belo Horizonte, Vinícius admite que há certa angústia ao lembrar do episódio: “É até difícil de falar de justiça. Nossas vidas tomaram seus rumos. Apesar do tempo, vemos com certo alívio que essa história está chegando ao fim. É lamentável que tenha demorado tanto. A Justiça no Brasil é muito morosa. Esse acidente ocorreu há mais de 14 anos, com o processo judicial correndo há cerca de 12anos! É uma memória recorrente na nossa mente seja por simples lembranças, seja pelo déficit causado pelas sequelas do acidente. A Justiça, no fim das contas, está sendo feita, mas há indignação com todo o processo, por tudo o que ocorreu, os equívocos da empresa, do planejamento da viagem, a morosidade da justiça, e todas as consequências".

 
"Sempre que me lembro do acidente, lembro que quatro pessoas morreram. Quatro famílias foram quebradas. Poderia ter sido a minha. Uma mãe ou um pai perderem um filho, deve ser o que há de mais doloroso nessa vida", complementa o médico. 
 
Rafael Marques Venceslau, de 34, que estudava farmácia na época, também conta que ficou com traumas do acidente: "Para mim, ficou uma sequela mental. Perdi um amigo próximo (Pedro Coelho), que estava do meu lado quando ele morreu. Foi algo difícil de lidar. Passei por um tempo difícil. Também quebrei meus dentes da frente e foi um negócio que me dá problema até hoje, gerando muito gasto. Também perdi o movimento completo do braço esquerdo, no cotovelo. Isso me prejudicou ao conseguir trabalho também".
 
Em relação ao amigo Pedro, Rafael confidencia que o amigo pediu para trocar de poltrona com ele no ônibus: "Ele estava com muita falta de ar por causa da altitude. Eu deixei ele ficar com a janela, descansando, enquanto eu sentei no corredor. Depos de 10 minutos, ocorreu o acidente e ele morreu. É algo chocante. Eu poderia ter morrido no lugar dele". 

Longa espera na Justiça

Em uma ação coletiva e quatro ações individuais, as vítimas ajuizaram em janeiro de 2009 pedidos de indenização, depois de não chegarem a acordo com a Soleminas Turismo e as seguradoras Sulina Seguradora e HDI Seguros. Somente em fevereiro de 2016, sentenças proferidas pela 4ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte reconheceram a procedência dos pedidos e condenou as três empresas a pagarem, de forma solidária, o valor de R$ 50 mil por passageiro, acrescidos de juros e correção monetária.

Os representantes das vítimas alegam que a indenização, a cada um, está em torno de R$ 150 mil, além dos honorários advocatícios, o que já foi reconhecido pela Contadoria Judicial do TJMG, nos cálculos que foram apresentados nos autos. Já a HDI reconheceu um valor próximo de R$ 90 mil de valor devido.

De acordo com a Justiça, a Soleminas não contestou as acusações, mas as seguradoras foram incluídas no processo em razão de terem firmado contrato de seguro com a transportadora. Durante o curso do processo, a Soleminas e a Sulina decretaram falência. Já a HDI Seguros entrou com mais de 40 recursos na Justiça por discordar dos pedidos feitos e da condenação reconhecida pela Justiça. Finalmente, em junho último, o STJ concedeu ganho de causa em definitivo aos ex-alunos.

“Considerando a quebra da empresa de transporte e da Sulina Seguradora e o fato de que o valor da apólice da HDI cobre o valor do principal da indenização na sua origem, optamos por iniciar o cumprimento de sentença apenas em face da HDI, o que é permitido”, afirma a advogada Suzana Cremasco, que representa conjuntamente – e desde o início – 10 ex-estudantes que estavam no acidente, todos seus contemporâneos de Faculdade.

Ela lembra que o trabalho, a partir de agora, é para que as vítimas de fato recebam os valores determinados pela Justiça: “Está em curso agora o processo de cumprimento de sentença para que a seguradora faça o pagamento desses valores. Ainda há uma recusa injustificada da seguradora em fazer o pagamento integral dos valores devidos. Eles fizeram depósitos em juízo de pouco menos de 50% do valor total determinado. Durante esses anos todos, foram inúmeras as tentativas de acordo, mas a seguradora não se manteve aberta para negociações”.  

Posicionamento da HDI Seguros 

Em nota ao Estado de Minas, a HDI Seguros alega que cumprirá a determinação judicial: "A HDI, como uma das seguradoras da transportadora, respeita as decisões do Poder Judiciário, tendo cumprido as medidas determinadas na sentença transitada em julgado". 

 

Veja a nota completa da HDI: 

 

Em relação ao acidente envolvendo estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2006, no Peru, a HDI Seguros lamenta profundamente o episódio ocorrido. No que diz respeito ao processo judicial envolvendo a empresa Soleminas Viagens e Turismo Ltda, a HDI, como uma das seguradoras da transportadora, respeita as decisões do Poder Judiciário, tendo cumprido as medidas determinadas na sentença transitada em julgado.


Em relação ao trâmite do processo, a seguradora reforça que, apesar de ter entrado em contato com os advogados das vítimas, não houve acordo. Além disso, a HDI Seguros cumpriu todos os prazos processuais previstos em lei, e, por isso, não tem responsabilidade sobre o tempo de duração do processo.  

 

É importante salientar que no trâmite dos processos houve demora na citação de um dos corréus, o que contribuiu para a que decisão judicial levasse mais tempo. Dessa forma, a HDI confirma que já depositou, em juízo, os valores estabelecidos pela Justiça, cumprindo assim com sua obrigação legal. A empresa aguarda apenas a declaração formal da extinção dessa obrigação.

 

Cabe destacar que houve outras vítimas do acidente, além dos autores destes processos judiciais, cujos pagamentos das indenizações ocorreram de forma administrativa. 






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