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O risco do apagão

Fonte: Revista Apólice - Aline Bronzati

A exemplo do movimento que ocorreu no sistema bancário há cerca de 15 anos, o mercado de seguros começa a experimentar uma mudança no perfil do seu banco de talentos. Além de uma boa formação técnica, os profissionais que desejam ser cobiçados pelas empresas do setor devem dominar outros idiomas.

Características como criatividade, inovação, trabalho em equipe, organização, entre outras premissas, são inerentes aos candidatos que se interessarem por uma vaga no mercado de seguros. Várias justificativas contribuem para este novo cenário, cujo estopim foi a abertura do resseguro. Com a queda do monopólio estatal, as empresas do setor passaram a se preocupar em investir em capital humano. "Havia uma situação confortável para as companhias trabalharem no mercado sem um alto grau de sofisticação em termos de preparação de pessoas e instrumentos de gestão", opina Débora Mello, consultora da doers - human capital solutions.

Esse despreparo gerou uma série de empecilhos para a contratação e retenção de talentos. Resseguros é apenas uma das áreas que passou e ainda enfrenta dificuldades com a carência de talentos. Carteiras como grandes riscos, property, financial lines, affinity e,mais recentemente, seguro garantia também vivenciam o mesmo cenário. Isso porque desde a abertura do mercado, a demanda não parou e cresce a cada dia. Faltam gerentes, diretores, atuários e até presidentes. A situação é ainda pior quando a procura sai do eixo Rio-São Paulo. Com o desenvolvimento da economia brasileira, as pessoas obtiveram um maior poder de consumo, fora a imensidão de novos consumidores que passaram a ter acesso ao seguro diariamente. Para suprir esta demanda e fornecer proteção securitária aos quatro cantos do Brasil, as seguradoras têm de investir em expansão geográfica, com a inauguração de novas filiais. Mas, quando buscam profissionais para estruturá-las, sentem na pele as complicações do que especialistas chamam de "apagão de talentos".

Outro bom termômetro que confirma o cenário é a renda generosa oferecida a atuários recém-formados. Alguns faturam mais de R$ 4 mil por mês. "Temos cerca de três mil atuários formados no Brasil. É um número muito pequeno para a demanda", explica Daniel Schwebel, head da Page Personnel para Insurance.

Segundo ele, uma das saídas encontradas pelas companhias do setor é contratar profissionais de outras áreas próximas a do mercado de seguros para que, posteriormente, passem por um programa de formação. A ideia é vista como uma das lições de casa de seguradoras e resseguradoras e que já devia ter sido colocada em prática no passado. Porém, a tarefa de recrutar profissionais Jair Pianucci, da MetLife de outros segmentos não é tão simples quanto parece. Apesar de muitas organizações estarem dispostas a pagar mais por um profissional de outro segmento, praticamente pronto, o primeiro impasse que surge é a remuneração oferecida pelo mercado de seguros. Especialistas em recrutamento são unânimes em afirmar que o salário oferecido pelo setor está aquém de outras indústrias, como por exemplo, a financeira, importante fonte de profissionais para as empresas de seguros. Jair Pianucci, o diretor de RH da MetLife, admite que a remuneração do setor deixa a desejar, mas garante que não é uma "verdade absoluAline Bronzatita". "Em alguns cargos, já temos uma boa competição em termos de salário".

Quem também discorda de que a renda oferecida pelo setor ainda está atrás do setor financeiro é Maria Helena Monteiro, vice-presidente de Relacionamento e Administração da SulAmérica. Na opinião da especialista, desde o ano passado, este cenário mudou bastante. "Temos pesquisas de salários do mercado segurador que mostram que no exercício de 2010 evoluímos mais que os bancos. Essa situação está mudando rapidamente", atenta ela.

Avanço dos jovens

A falta de mão de obra qualificada e especializada estimula uma intensa dança das cadeiras entre executivos do setor, sem renovação de talentos. Alguns profissionais chegam a mudar de emprego mais de duas vezes em cerca de meses. E o cenário se complica ainda mais com muitos executivos fechando o ciclo da sua carreira. Diante disso, muitas empresas, sem opção, recorrem a profissionais já aposentados, por não deter talento humano suficiente para preencher o espaço deixado por esses colaboradores. Outras aceleram a promoção de profissionais que ainda não estão preparados. Prova disso é a grande quantidade de diretores bem jovens, entre 35 e 45 anos. Também há imensa valorização para talentos com conhecimento e histórico no mercado de seguros. Em muitos casos, o colaborador chegou a quase triplicar o salário em menos de um ano. "Eles estão sendo muito valorizados e têm tido uma evolução de carreira muito consistente e rápida comparando os mercados de seguro e financeiro", raciocina Ricardo Barcelos, managing partner da Havik Hunting Results.

Ele alerta que é necessário preparar os profissionais novos e os gestores a quem responderão para que eles saibam receber essa nova geração. "Temos a geração Y, que tem de ter uma atenção especial porque precisa ser gerida diferente, afinal, tem expectativas diferentes", lembra Barcelos, que acrescenta: "Preparando-se para Y, talvez o impacto com a Z seja menor. Temos de criar um comprometimento com este público, pois ele não tem hábito de criar vínculo".

Trainees e estagiários

Se com as gerações anteriores, a retenção de talentos já era uma árdua tarefa, com a X e daqui alguns anos a Z, a batalha será ainda mais desafiadora. Jair Pianucci, da MetLife, lembra que já não há mais de onde tirar profissionais e eles estão, a cada dia, mudando de empresa com mais facilidade. Atenta a este cenário, a MetLife pretende investir US 1 milhão em treinamentos para os 700 funcionários da empresa no Brasil em 2011. A crise internacional fez com que a companhia cortasse os recursos destinados a treinamento. Como consequência direta, o turn over chegou à casa dos 24%. Outra estratégia para reter bons talentos é o recrutamento interno. "Todos os profissionais têm oportunidade e liberdade para se candidatarem a outras vagas", confirma Pinucci. A companhia também investiu num MBA in company, em parceria com o Ibmec-MG, cuja primeira turma teve início no ano passado e se forma agora em abril.

Para Maria Helena, da SulAmérica, o estagiário é a melhor fonte de recrutamento para qualquer empresa. O estágio é uma alternativa interessante e uma via de mão dupla, pois beneficia o estudante e a empresa".

Além de estágios bem estruturados, programas de trainees são consideradas boas estratégias para que o setor de seguros fuja do risco do apagão de talentos. Para isso, as empresas têm de tornar a indústria de seguros mais atrativa. São poucos os profissionais que, na faculdade ou ainda no colegial, miram o setor para fazer carreira. Geralmente, as histórias mostram que os executivos desembarcaram no setor por alguma oportunidade. Preocupada com este cenário, a Escola Nacional de Seguros tem investido em formações específicas para suprir as carências do mercado. "Estamos com cursos novos na área de seguro garantia, controles internos, grandes riscos, entre outros", elenca João Leopoldo Lima, responsável pela unidade São Paulo da Funenseg. Ele admite que não dá para solucionar o problema de falta de mão de obra de imediato, mas lembra que antever-se ainda é a melhor saída. "Quem se preparou, está se dando bem".

Do contrário, as empresas terão de continuar a recorrer a profissionais do exterior ou dar sequência ao rouba monte atual. E os riscos vão além de um apagão de talentos, mas incluem negócios mal sucedidos que comprometem não só o desempenho da companhia, mas de todo o mercado de seguros.

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