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Fórum do CVG-SP discute polêmica sobre divisão de indenização entre cônjuge e herdeiros

Fonte: CVG-SP

Desde que o Código Civil entrou em vigor, uma polêmica envolvendo o pagamento de indenização no seguro de vida tem rendido inúmeros debates. Isso porque, o artigo 1.829 do Código Civil elevou o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro, com direito a participar da divisão da herança. Antes do Código, dependendo do regime de casamento, a herança era divida apenas entre os descendentes e os ascendentes.

O que diz o artigo 1.829: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”.

Com a mudança, o pagamento de indenização de seguro de vida, nos casos em que o segurado não indicou beneficiário, passou a ser realizado de acordo com a nova regra. Porém, como a redação do artigo 1.829 não é muito clara, surgiram inúmeras interpretações. Por isso, na prática, seguradoras têm aplicado diferentes formas de divisão do pagamento da indenização.

“A indenização deve ser paga 50% ao cônjuge e 50% aos herdeiros legais?”; “Ou deve ser paga 50% ao cônjuge e 50% aos herdeiros legais em concorrência com o cônjuge?”; “E mais: deve prevalecer o regime de casamento do falecido?”. Todas essas questões surgiram a partir das diferentes formas de interpretação do artigo 1.829 e foram trazidas pela advogada Angélica Carlini, sócia do escritório Carlini e Advogados, para “provocar” o debate no “Fórum Código Civil e Legislação de Seguro de Pessoas – Análises e Aplicações”, realizado pelo CVG-SP, em 15 de junho, no Braston Hotel, em São Paulo (SP).

Viúvo como herdeiro

Angélica esclarece que, de acordo com o artigo, a meação do cônjuge depende do regime de bens que regulava o casamento. O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes se for casado no regime da separação obrigatória ou no regime da comunhão universal. “Nesses casos a gente não discute, porque não vai mesmo dividir nada”, disse. Mas, se o regime for de comunhão parcial, o mais comumente adotado no país, então a regra é a mesma aplicada à dissolução de uma sociedade empresarial. “Cada um pega a sua metade”, disse.

A posição do viúvo como herdeiro aparece no artigo 1.845, juntamente com os descendentes e ascendentes. O artigo 1.846 estabelece que pertence aos herdeiros necessários a metade dos bens da herança, constituindo a legítima (sucessão). Angélica explica que pela ordem sucessória, o artigo 1.829 deve ser aplicado aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente – “filhos vão dividir com o cônjuge que sobrou” - e, ainda, ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente. “Então, se tem filhos, eles recebem. Se não tem filhos, mas apenas os pais, eles recebem. Se não sobrou nem filhos e nem pais, fica tudo para o cônjuge”, ensina.

Divisão de bens particulares

O artigo 1.829 afirma que os descendentes concorrem com o cônjuge se o regime for o da comunhão parcial de bens. Na interpretação de Angélica, o cônjuge terá direito a herança integralmente se não houver descendente ou ascendente do falecido. Mas não concorrerá com os descendentes se for casado no regime da separação obrigatória ou no regime da comunhão universal, ou, ainda, se no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Portanto, se o autor da herança deixou uma casa e um carro, por exemplo. A casa, bem comum adquirido durante o casamento, será dividida metade ao cônjuge e metade aos herdeiros. O carro, bem particular do falecido, será herdado pelos filhos e cônjuge, que nesse caso também é herdeiro, em quotas-parte iguais. “Se o falecido não deixou bens particulares, mas apenas os comuns, que já foram divididos, então o cônjuge não tem direito a mais nada. Só herda quando não tem meação”, afirmou Angélica.

Mas esse entendimento não é pacifico sequer entre os juristas. Angélica lembrou que o juiz de Direito, Mauro Antonini, autor da obra Código Civil comentado, afirmou que o artigo é confuso e deveria ser reformado. Inclusive a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi, interpreta o artigo de outra forma. “A ministra diz que o cônjuge não tem de participar da divisão dos bens particulares, mas apenas dos comuns. Porque se participar dos particulares então teria de mudar o regime de casamento do morto”.

Divisão da indenização do seguro

O artigo 792 do Código Civil define que: “Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que foi feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária”. Para Angélica, é neste trecho final do artigo que começa a confusão. “Se o cônjuge já recebeu metade da indenização, pode também ter direito a outra metade dos herdeiros?”, questiona.

A advogada lembrou que antes do Código, a referência era ao pagamento de metade à mulher. Na atualidade, porém, a indicação da lei é ao cônjuge. “Um entendimento possível é que o cônjuge, não separado judicialmente, terá direito a metade do capital segurado e participará da divisão da outra metade, quando for herdeiro, ou seja, quando existir bens particulares”, disse.

Angélica apontou duas dificuldades para as seguradoras aplicarem a lei. A primeira é comprovação de que o cônjuge não estava separado judicialmente. A segunda é demonstrar que o falecido não deixou bens particulares, conforme o artigo 1.829, quando o casamento foi feito no regime de comunhão parcial. “Portanto, a seguradora terá de aferir se o segurado deixou bens particulares, porque se positivo, cabe a presença do cônjuge sobrevivente na divisão do capital segurado. Se não deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente só recebe 50% do capital segurado”, disse.

Seguro não é herança

Para Angélica, o entendimento prático é que “seguro não é herança”. Tanto que, conforme o artigo 794, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. “Só consigo interpretar de uma forma: paga-se metade do capital para o cônjuge e o restante segue a ordem de vocação hereditária, sem se preocupar com o regime de bens, porque seguro não é herança”, disse.

A advogada encerrou sua participação no fórum com algumas orientações. “É recomendável redobrar os esforços para que os segurados sempre indiquem claramente os beneficiários. Também é recomendável utilizar a consignação em pagamento sempre que as dúvidas forem maiores que as certezas”, disse.

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