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"O seguro morreu de velho": a historia de um provérbio vivo

Fonte: Revista Veja

"O seguro morreu de velho" é um provérbio português (e brasileiro) tão velho - mas ainda vivo - que se poderia supor que dispensasse explicações. Não é bem assim. É comum que falantes nativos da língua portuguesa, em pleno domínio de seus meios de expressão, escrevam para um dos consultórios linguísticos ou gramaticais de mundo digital - como o Sobre Palavras, que no mantenho no site de VEJA para perguntar o que quer dizer esse ditado,. . como se ele trouxesse uma mensagem cifrada.

A confusão sobre a classe gramatical da palavra "seguro" é um dos fatores de mal entendido. Como adjetivo, seguro do latim se + curus, ou seja, livre de cuidados e preocupações - existe em nossa língua desde o século XIII e quer dizer protegido, isento de riscos, firme, confiável, prudente ou, numa acepção menos comum, até mesmo sovina. Já o substantivo, que data do século XVI, nomeia algo bem distinto e juridicamente preciso: um contrato entre segurador e segurado.

O tal que morreu de velhice é o primeiro, claro. O adjetivo seguro qualifica um sujeito que foi subtraído da frase por elipse: homem ou indivíduo. Apólices não vêm ao caso aqui. Mas é justamente essa expressão econômica, sintética, característica do gênero, que abre a porta para leituras frontalmente contrárias ao espírito da coisa. Então quer dizer que a cautela e a segurança são coisas do passado, estão mortas,e nos dias de hoje todos devemos correr riscos?

Como se sabe, a ideia por trás de "o seguro morreu de velho" é bem mais conservadora. Desdobrando suas cinco palavras em muitas outras - numa tentativa de explicar tudo, inclusive o óbvio -, poderíamos parafrasear a sentença assim: o homem precavido, aquele que sabe se por a salvo dos perigos da vida, também morre, pois da morte ninguém jamais escapou, mas esta lhe chega em idade avançada e pelo caminho das causas naturais. Afinal, prudência e canja de galinha...

Um tom semelhante de cautela e conservadorismo é dominante na maioria dessas pílulas anônimas de "sabedoria popular" conhecidas como provérbios, adágios ou -num sinônimo que vai caindo em desuso - anexins. Em seu estudo O seguro morreu de velho: contributo para uma abordagem cognitiva, o linguista português Mário Vilela, da Universidade do Porto, menciona outros ditados da mesma família: "Confia no futuro, mas põe a casa no seguro" e "Quem corre pelo muro não dá passo seguro", também imemoriais e também citados na edição de 1890 do influente Morais, dicionário de português lançado em Lisboa em fins do século XVIII pelo filólogo brasileiro Antônio de Morais Silva.

A estes poderíamos acrescentar muitos outros: "Não troque o certo pelo duvidoso", "Quem tudo quer tudo perde", "Mais vale um pássaro na mão que dois voando" etc. Isso não quer dizer que os provérbios sejam sempre a favor da cautela, da paciência, da administração comedida e sóbria dos recursos.

Em "Quem não arrisca não petisca", por exemplo, a mesma sabedoria popular dá o conselho exatamente oposto.

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