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Microsseguro precisa se ajustar à realidade brasileira

Fonte: Márcia Alves - CVG-SP

Inspirado nas experiências bem-sucedidas de outros países, o modelo original de microsseguro idealizado pelo mercado de seguros brasileiro em meados da década passada ainda não se concretizou.

Além de apresentar uma série de obstáculos, parte ainda não superada, como a dificuldade de acesso à população mais vulnerável aos riscos decorrentes da pobreza – público estimado, na época, em 100 milhões de pessoas -, e de canais de distribuição, o mercado de seguros também concluiu que a realidade brasileira é diferente da dos países em que o microsseguro evoluiu. Caso da Índia, por exemplo, na qual a população não dispõe de meios de proteção social, como a Previdência Social do Brasil, e onde o microsseguro se desenvolveu atrelado ao microcrédito.

Por anos seguidos, o mercado se mobilizou em torno do debate de soluções para viabilizar o microsseguro. A expectativa de que a regulamentação pudesse estimular a comercialização de produtos ganhou força em 2008 com o Projeto de Lei 3266, do deputado Adilson Soares (PR-RJ). Mas coube à Susep editar em 2012 as oito circulares que regulamentaram o microsseguro. Desde então, poucas seguradoras lançaram produtos de microsseguros. Recentemente, o PL 3266/08 voltou à pauta de votações na Câmara dos Deputados, na qual incorporou dois substitutivos que oferecem a tributação especial como estímulo à comercialização do microsseguro.

Modelo brasileiro

Mas, para alguns estudiosos da matéria, ainda que sejam aprovados os almejados incentivos fiscais às seguradoras, estes não serão capazes de fazer deslanchar o microsseguro. Para Ana Rita Petraroli, coordenadora da cátedra de Microsseguros na Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP), qualquer tipo isenção fiscal seria muito bem-vinda para reduzir os custos de operação do microsseguro, que ainda são altos. Mas, segundo ela, o que “empaca” o microsseguro no Brasil é a insistência do mercado em adotar os mesmos modelos de outros países.

Em comparação ao modelo indiano, por exemplo, Ana Rita Petraroli observa que não há como aplicar valores semelhantes de indenização e de prêmio, que no Brasil devem ser mais altos. Um dos motivos para a majoração de valores está no sistema de seguro altamente regulado, que obriga a uma série de requisitos práticos e formais para a colocação do produto no mercado, além da diferença entre o corretor brasileiro e o agente indiano. “Todos esses entraves impedem que seja criado um mercado de microsseguro semelhante ao da Índia”, afirma.

Adevaldo Calegari, que é membro da comissão de Microsseguros do Sindicato dos Corretores de São Paulo (Sincor-SP), acredita que a desoneração fiscal, como estava prevista no bojo da regulamentação, seria capaz de motivar mais seguradoras a lançarem produtos de microsseguros. Sua percepção é a de que, por enquanto, não existem produtos de microsseguro, mas seguros populares vendidos como microsseguro.

Calegari ressalta que além do grande foco de proteção social, o microsseguro também seria essencial para a formação de cultura do seguro na população. “Na medida em que as pessoas pagarem pelo seguro, passarão a entender o seu propósito e consumirão mais”, prevê. Outra consequência seria aliviar os órgãos públicos de determinados benefícios, como o auxílio funeral. Daí porque ele acredita que o governo seria recompensado se oferecesse incentivos fiscais ao microsseguro.

O presidente do CVG-SP, Dilmo Bantim Moreira, também defende a concessão de incentivos às seguradoras como meio de estimular a venda de microsseguros. Mas considera que o principal alvo de qualquer iniciativa para promover a compra desse seguro deva ser a população.“O seguro ainda não é uma prioridade de consumo pelo segmento econômico da base da pirâmide. Portanto, a compra de microsseguro dependerá da capacidade ociosa de salários que permitam consumir estes produtos”, afirma.

Agente x corretor

Entre os desafios para a implantação do microsseguro, Ana Rita Petraroli aponta, ainda, o risco jurídico. Segundo ela, mesmo que fosse possível desburocratizar as regras de comercialização do microsseguro, adotando clausulados encurtados com explicações sucintas, o Judiciário não aprovaria. Em suma, haveria sempre a ameaça futura do risco jurídico. “O microsseguro do jeito que sonhamos não vai emplacar”, analisa a advogada. Ela aposta no grande crescimento do seguro popular, na esteira de alguns produtos de microsseguros, que não terão preços tão baixos como eram previstos. “Até porque, hoje, a população não se contentaria como uma pequena indenização de R$ 2 mil, por exemplo, porque esse valor seria insuficiente para trazer algum conforto aos familiares”, pondera.

Além da falta de produtos genuínos de microsseguro, o corretor de seguro José Cesar Caiafa Junior enxerga outras barreiras ao desenvolvimento desse seguro. Uma delas é a viabilização do corretor como canal de distribuição, que poderá ser frustrada, a seu ver, se for aprovada a minuta de resolução da Susep, atualmente em consulta pública, que disciplina a atuação do agente.

Segundo Caiafa, a minuta contempla as condições necessárias para atuação do agente na venda de microsseguro, propondo sua caracterização como pessoa jurídica e possibilitando a participação de redes de varejo e bancos na comercialização. Porém, para o preposto do corretor a minuta define sua caracterização como pessoa física, o que, em sua opinião, poderá resultar em eventuais ações trabalhistas contra os corretores. “A minuta cria uma dificuldade para o corretor. O ideal é que o preposto também pudesse ser pessoa jurídica”, afirma.

Crescimento à vista

Mas, os desafios para a evolução do microsseguro não serão obstáculos para o aumento do consumo de seguros, inclusive pelas classes C e D, acredita Ana Rita Petraroli. “Todas as classes sociais melhoraram de renda, da D até a A. Por isso, todos precisarão de seguro, tanto o individuo que conseguiu comprar um carro popular como o que acabou de se tornar microempresário. O mercado está em expansão”, afirma. Embora o setor de seguros esteja cético em relação ao desempenho da economia, não deixará de crescer. “O mercado ainda crescerá muito”, prevê.

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