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O Seguro e a Escravidão

Por Marcello Teixeira Bittencourt

O Seguro sempre foi visto como um grande instrumento de proteção social e também dos negócios, tanto no Brasil, como em todos Países do mundo atual.

Mas a sua utilização, nem sempre foi baseada em valores elevados do ponto de vista moral.

O seguro já serviu no passado para alimentar a ganância de uma pequena elite escravocrata.

Para essa elite, pouco importavam valores morais ou religiosos da época, mas tão somente o lucro de suas atividades empresariais.

Os Governos protegiam e incentivavam a exploração do homem pelo homem!

E isso é muito triste!

É bom registrar que nem mesmo os apelos dos abolicionistas, da Igreja, da burguesia e de outras organizações da época surtiam efeito para acabar com essa absurdidade!

Eram homens explorando homens, à contrário do que ensinava o Cristianismo!

E pasmem, sem qualquer legislação que protegesse os direitos humanos!

No Brasil, a história não era diferente!

Por ser um tema altamente relevante, o relacionado aos direitos humanos, vou transcrever uma história que demonstra uma séria mancha do seguro no ano de 1781(século XVIII).

Trata-se da história da chacina de Zong, onde o pano de fundo era a busca da indenização do seguro pelo dono de uma navio inglês.

O único problema: o objeto da cobertura eram os escravos transportados pelo navio!

Boa leitura!

A CHACINA ZONG: ESCRAVOS JOGADOS AO MAR PARA OS DONOS RECEBEREM O SEGURO

Em 29 de novembro de 1781, o capitão Luke Collingwood, do navio britânico, Zong , ordenou que um terço de sua carga fosse jogada ao mar. A "carga" - seres humanos - 133 escravos africanos com destino à Jamaica. O motivo: receber o seguro. O caso foi levado ao tribunal, não pelo assassinato, mas contra as seguradoras que se recusaram a pagar o seguro. A seguir: a cruel história do Massacre Zong.

Em 6 de Setembro de 1781, o Zong , um navio negreiro, deixou a ilha de São Tomé, na costa oeste da África, com destino à Jamaica. O navio estava cruelmente superlotado, transportando 442 africanos destinados a se tornarem escravos, acompanhados por 17 tripulantes. A carga humana foi algemada e compactada com tanta força que não havia espaço para se movimentar. Mas, para o capitão, Luke Collingwood, quanto mais africanos pudesse espremer dentro dos porões, maior a margem de lucro para os dois proprietários do navio e para ele próprio.

Para Collingwood, anteriormente cirurgião de um navio, aquela era a sua primeira e última viagem como capitão. Planejando se aposentar, ele esperava uma recompensa generosa para ajudá-lo em sua aposentadoria. Quanto maior o número de escravos levados à Jamaica, maior a participação dele nos lucros.

Em meados de novembro de 1781, o inexperiente Collingwood estava preso no meio do Atlântico, incapaz de navegar para fora das Doldrums ( expressão inglesa para denominar uma zona de calmaria equatorial ). Os escravos, sofrendo de desnutrição, disenteria, escorbuto e outras doenças começaram a morrer. Até 28 de novembro, 60 haviam morrido, junto com sete tripulantes. Muitos mais adoeciam a cada dia. Collingwood começou a entrar em pânico, escravos mortos não valeriam nada. Se, no entanto, os africanos fossem de alguma forma perdidos no mar, então o seguro dos armadores cobriria a perda de 30 libras por cabeça.

Então Collingwood, ele mesmo sofrendo de febre, teve uma ideia. Tendo discutido com sua equipe, ele fez a cruel, mas em sua mente gananciosa, lógica decisão: em vez de permitir que os escravos doentes morressem a bordo, acarretando prejuízo, ele os jogaria ao mar e reclamaria o seguro. O primeiro imediato, James Kelsall, protestou, mas foi voto vencido. Em algum momento durante a viagem, Kelsall havia sido suspenso do serviço, contudo, não se sabe se por este ato de protesto (na chegada na Jamaica, o diário de bordo havia desaparecido convenientemente).

Assim, em 29 de novembro, 54 escravos doentes, principalmente mulheres e crianças, foram arrastados pelo convés, desagrilhoados (afinal, por que desperdiçar boas algemas?) e jogados no oceano. No dia seguinte, mais foram assassinados. No final, Collingwood havia jogado 133 escravos para a morte no mar. Muitos, mesmo doentes, lutaram, mas foram subjugados pela tripulação e atirados ao mar com bolas de ferro amarradas nos tornozelos. Mais de dez escravos atiraram-se ao mar por vontade própria, o que Collingwood descreveu como "um ato de desafio".

O navio finalmente chegou ao seu destino em 22 de dezembro de 1781. Uma viagem que normalmente levaria 60 dias, sob o comando de Collingwood demorou 108. Havia ainda 208 escravos a bordo, vendidos por uma média de 36 libras cada.

Ao chegar de volta em Liverpool, o proprietário do navio, James Gregson, devidamente fez sua reivindicação: 4.000 libras pela perda da "carga" descartada. O caso foi a julgamento - não pelo assassinato de 133 desamparados africanos, mas para decidir quem era responsável pelos custos. Collingwood fez a afirmação desonesta que suas ações foram necessárias em suas preocupações com a falta de água. Ele alegou não haver água suficiente para manter a vida de sua tripulação e da dos escravos saudáveis. O primeiro imediato Kelsall, que descreveu o episódio como uma "brutalidade horrível", desmentiu tal alegação, revelando que na chegada na Jamaica ainda havia cerca de 430 litros de água a bordo do navio. Entretanto, o tribunal deu ganho de causa aos donos do navio.

As seguradoras recorreram e o caso chegou ao tribunal pela segunda vez. Já era maio de 1783, Collingwood havia morrido (ele morreu apenas três dias depois que o navio ancorou na Jamaica) e o caso se tornou um escândalo de proporções épicas na Grã-Bretanha. Olaudah Equiano, um ex-escravo que comprara sua liberdade e se estabelecera em Londres, levou o caso ao conhecimento do líder abolicionista inglês, Granville Sharp. Sharp queria apresentar um caso de assassinato, mas o juiz, Lord Mansfield, rejeitou sua tentativa, afirmando:

"O que é essa afirmação de que seres humanos foram jogados ao mar? Este é um caso de bens móveis ou mercadorias. Os negros são bens e propriedades, é loucura acusar estes homens honrosos de assassinato. Eles agiram pela necessidade e da forma mais adequada para o momento. O falecido capitão Collingwood, agiu no interesse do seu navio, para proteger a segurança de sua tripulação. Questionar o julgamento de um capitão bem-viajado e experiente é uma loucura, especialmente quando se fala de escravos. O caso é o mesmo que se madeira tivesse sido jogada ao mar. "

Sharp pode ter falhado em sua tentativa de buscar justiça para as vítimas cruelmente assassinadas, mas nos anos seguintes, ele usaria o caso para pressionar o Parlamento Britânico e a Igreja Anglicana. A Sociedade Abolicionista, fundada em 1787, usou o Massacre Zong como o principal exemplo da depravação do comércio escravo. Finalmente, em 1807, a Grã-Bretanha aboliu o comércio de escravos.

Bibliografia:
MACHADO, João Luís de Perpétua Almeida

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