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Longevidade desafia governos europeus

Fonte: Valor Econômico
Por Márcia Pereira | Para o Valor, de São Paulo

Um estudo do governo britânico, publicado em março, indicou que, em 2050, cerca de 56 mil pessoas terão cem anos no Reino Unido - há cem anos, esse número era de 24 pessoas. A projeção é preocupante, considerando o gasto público que esses longevos senhores vão demandar.

Estudos parecidos têm sido feitos por outros governos ao redor do mundo, demonstrando que a questão da previdência social e da aposentadoria é um fantasma que anda aterrorizando não só o Brasil. E são essas projeções e temores que têm municiado e incentivado as últimas reformas nos sistemas previdenciários da Europa e Ásia.


"Na última década quase todos os países europeus fizeram ao menos uma reforma e essas medidas implicam perdas ao trabalhador. São medidas impopulares, mas necessárias para garantir o benefício para os que estão aposentados e para os que ainda vão se aposentar", diz Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia Ibre/FGV.


Essas perdas assustam e, geralmente, colocam o cidadão numa posição contrária às reformas. Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT/ILO) publicado em 2014 aponta que um grande número de aposentados recebe um valor de pensão que não é adequado a seus gastos.

O descompasso entre a expectativa do trabalhador e o que ele realmente recebe do Estado como salário na aposentadoria está relacionado com o que se chama de taxa de reposição, que é a porcentagem sobre o que o trabalhador ganhava e que irá determinar o valor do benefício quando se aposentar. Essa taxa apresenta grandes variações de país para país. Nos Estados Unidos é de cerca de 25%, enquanto que, na França, é de 69% - a média na União Europeia é de 57%, segundo Barbosa Filho. "Essas variações e as reformas acabam levando muitos trabalhadores a fazer uma previdência complementar", analisa o pesquisador do Ibre.

Isso explica, por exemplo, o tamanho da previdência privada nos EUA. Segundo a OCDE, o montante movimentado por esse mercado equivale a quase 133% do PIB americano, que é de US$ 18 trilhões, segundo dados do Banco Mundial.

Mesmo na França, onde a taxa de reposição não é tão baixa, um alto número de trabalhadores se preocupa em fazer um pé de meia paralelo à contribuição obrigatória. As duas maiores associações de seguradoras que administram planos de previdência na França, Association Générale des Institutions de Retraite des Cadres (Agirc) e Association des Régimes de Retraite Complémentaires (Arrco), informam que 18 milhões de pessoas confiam seu suado dinheiro a elas com o intuito de resgatá-lo no futuro como uma previdência complementar.

Poupar mais, menos ou não poupar está relacionado ao fator cultural, acredita o professor Gilvan Cândido da Silva, coordenador do MBA em previdência complementar da Fundação Getulio Vargas (FGV). "O europeu está mais acostumado a poupar que o brasileiro e ele já entendeu que a conta de uma aposentadoria digna sem a previdência privada não fecha", diz Cândido da Silva.

Para o professor convidado da USP de economia da longevidade Jorge Félix, um exemplo que deve ser analisado e levado em conta na hora de uma reforma radical da previdência pública é o do Chile. Em 1981, o ditador Augusto Pinochet usou o poder da farda para baixar uma reforma que privatizou o sistema, deixando de fora somente os políticos e os militares.

A mudança feita de forma arbitrária levou o país a um colapso social. "Tanto que hoje o Chile é um dos países com a maior desigualdade social no mundo", diz Félix.

O professor lembra que o discurso usado pelo general, na época, era de que o sistema iria quebrar e o Estado não teria condições de pagar as aposentadorias atuais e futuras. "Ele ainda garantiu que o sistema privado teria uma taxa de reposição de 75%. Hoje, a taxa de reposição é de, em média, 35%", afirma Félix.

Ele ainda atenta para o fato de a previdência privada no Chile não poder ser caracterizada como um sistema de seguridade social. "Nem mesmo é um seguro, porque se a pessoa ficar doente, inválida ou se perder o emprego o sistema privado não protege o cidadão."

Uma grave consequência da privatização chilena, aliada ao desemprego, foi um aumento da população abaixo da linha da pobreza e que não consegue contribuir para a previdência - cerca de 1 milhão de pessoas, segundo o Banco Mundial. Essa situação obrigou, em 2008, o governo da presidente Michelle Bachelet a retomar a previdência pública com o nome de Pensão Básica Solidária (PBS), para socorrer essas pessoas - um caminho inverso que também foi tomado recentemente pela Argentina, Bolívia, Polônia e Hungria.

Para o professor é de primordial importância se entender que a previdência social é um seguro coletivo e um instrumento de coesão social. "Não compreender isso pode levar a sociedade a um colapso, e é função do Estado promover esse entendimento", afirma Félix.

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