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Planos têm perda de usuários, mas aumentam lucro

Fonte: Valor Econômico
Por Celia Demarchi | Para o Valor, de São Paulo

Pedro Ramos, diretor da Abramge: receita operacional bateu em raquíticos 0,2% do faturamento em 2016

O número de beneficiários de planos de saúde vem caindo de forma expressiva nos últimos anos, em consequência do desemprego e da recessão. Desde 2014, quando o setor alcançou o maior total de usuários ao longo do tempo, 50,4 milhões, mais de 3 milhões deixaram o sistema, cerca de metade deles em 2016. A receita e o lucro líquido das empresas, contudo, aumentaram em 2016, respectivamente, 12% (para R$ 182,9 bilhões, incluindo a receita não operacional) e 66% (para R$ 6,4 bilhões), segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Os dados, porém, não refletem a realidade do setor de forma homogênea, de acordo com as operadoras. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirma que em seis dos últimos dez anos as empresas fecharam as contas com déficit. Pedro Ramos, diretor da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), pontua que a receita operacional bateu em raquíticos 0,2% do faturamento em 2016.

Uma série de fatores estaria provocando a desestabilização do sistema, e a perda de beneficiários seria só um deles. Os demais têm raízes na própria estrutura do modelo, que, afirmam as empresas, se ressente do crescimento da taxa de sinistralidade, do teto legal de reajuste calculado pela ANS para os planos individuais, da constante atualização do rol de procedimentos pela ANS, da obrigatoriedade de ressarcimento de atendimentos feitos no Sistema Único de Saúde (SUS), do crescente número de beneficiários idosos, da judicialização dos contratos, entre outros. "O sistema não se sustenta", afirma Emílio Cesar Zilli, diretor da Associação Médica Brasileira (ABM).


A política de reajuste das contraprestações, alegam as operadoras, não possibilita cobrir o aumento real dos custos. Um dos motivos seria o teto legal para os planos individuais. Embora o cálculo se baseia - após tratamento estatístico para evitar distorções, segundo a ANS - nos percentuais de reajuste aplicados pelos planos coletivos, negociados livremente entre as partes, o índice para os planos individuais ficaria em geral aquém daquele que refletiria de fato a evolução de preços do segmento, a inflação médico-hospitalar. Esta beirou 20% em 2016, de acordo com a Abramge.


Este ano, o reajuste para os planos individuais, que representam 20% do total, ficou em 13,57%, acima do IPCA de 2016 (6,29%). Já os reajustes dos planos coletivos, que equivalem a 80% do total, alcançam patamares mais altos: foram de 11% a 2000% entre 2013 e 2017, segundo pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Até a edição da Lei 9.656, de 1998, que regulamentou o setor, os planos individuais representavam cerca de 40% do total, oferecidos à época por mais de 1,4 mil empresas, que encolheram para as atuais 780. Ramos, da Abramge, responsabiliza a legislação pela redução do número de operadoras, que se confrontaram com forte queda de rentabilidade a partir da regulamentação, e também pela paralisia na comercialização de planos individuais: "Ninguém vai vender plano para quebrar".

Se a comercialização de planos individuais se inviabilizou, o modelo baseado nos coletivos também está ameaçado. "A ligação [do sistema] com emprego e renda é muito grande e o impacto é direto", diz Ana Carolina Navarrete, pesquisadora do Idec, referindo-se à atual crise econômica.

Os planos individuais praticamente não são mais comercializados. A SulAmérica, por exemplo, não os negocia desde 2008. Mas sua base de beneficiários em seguros de saúde e odontológicos, que superou os 3 milhões em 2017, só aumenta, assim como a receita da companhia (a operacional cresceu 10,8% no primeiro semestre, alcançando R$ 6,8 bilhões). Os resultados devem-se, segundo Paulo Brustolin, diretor de produtos de saúde e odonto, ao posicionamento de produto, que inclui "aproveitar oportunidades", e a parcerias com outras empresas do ramo.

Tal desempenho não se verifica no setor como um todo. Dados da FenaSaúde apontam que em 2016 o resultado foi positivo, em R$ 400 milhões, apuradas despesas médicas e com assistência à saúde em si e a receita total das empresas. Quando são excluídos os planos odontológicos, porém, as despesas superam as receitas em cerca de R$ 1 bilhão.

O déficit se reflete nas outras pontas da estrutura: os hospitais reclamam de repasses atrasados por parte das operadoras e os profissionais da saúde de imposição de preços de consultas e procedimentos, enquanto os usuários se queixam da carência dos serviços, dos preços, de negativas de atendimento. Já o SUS cobra o ressarcimento pelas operadoras de valores referentes a atendimentos de conveniados em sua rede, dívida de cerca de R$ 2 bilhões.

Como solução, as empresas, que já não cumpririam o amontoado de normas atuais, de acordo com Zilli, da AMB, pregam mais desregulamentação e defendem, ainda, a criação de planos de preços mais acessíveis. Nos dois casos, a ideia é reduzir a interferência legal nos reajustes ou deixar a cálculo para as operadoras, que o estimariam com base em suas planilhas de custos, solução a que faltaria transparência, na opinião de especialistas.

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