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Obras garantidas

Fonte: Valor Econômico
Por Felipe Datt

A expectativa de uma retomada consistente do cronograma das grandes obras públicas de infraestrutura foi reforçada no início de março, quando o governo Temer anunciou um pacote de R$ 45 bilhões no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que incluem projetos nas áreas de energia, transportes e saneamento. Anúncios dessa magnitude são acompanhados de perto pelo mercado segurador pela oportunidade de prêmios robustos que as grandes obras podem trazer a carteiras como seguro garantia e riscos de engenharia, por exemplo. A maior expectativa, entretanto, está nos bastidores.

Enquanto aguarda a retomada das obras, o mercado acompanha com lupa o processo de revisão da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93), que altera a modelagem do seguro garantia, um produto que tem como objetivo garantir o cumprimento das obrigações assumidas por uma empreiteira, por exemplo, perante a administração pública em razão da assinatura de um contrato de obras ou de fornecimento de serviços.

O vencedor de um leilão é obrigado a apresentar caução em dinheiro, fiança bancária ou o seguro garantia para a execução da obra (performance bond, no jargão do mercado), cujo percentual assegurado pela apólice é de 5% ou 10% do valor global do contrato, dependendo da complexidade da obra.


A principal mudança proposta no Projeto de Lei 559/2013, que moderniza a Lei de Licitações, recai na mudança do limite das garantias contratuais. Apesar de o produto ter como natureza garantir a conclusão de uma obra pública, é consenso no mercado que os atuais 5% de cobertura são insuficientes para a conclusão de uma obra em caso quebra de contrato pela empresa contratada. Como consequência, os trabalhos são interrompidos e uma nova licitação precisa ser feita. "Como o valor segurado exigido sempre foi pequeno, fica mais barato para a seguradora pagar a indenização do que terminar a obra", explica o diretor-executivo de produtos pessoa jurídica da Tokio Marine, Felipe Smith.


Para reduzir o número de obras inacabadas, o governo propôs que o seguro cobrisse 100% do valor do contrato, emulando o modelo praticado nos EUA. Como isso demandaria prêmio muito alto, tornando a contratação do seguro inviável, a contraproposta do mercado é de uma cobertura de 30% do valor da obra. "Assim temos lastro maior para garantir a retomada, cobrindo os custos necessários para a recontratação de uma nova construtora a partir do momento em que existe quebra de contrato", diz Francilene Rodrigues de Freitas, gerente-executiva de riscos globais do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre.

Para o diretor de seguro garantia da Swiss Re Corporate Solutions, João Alfredo di Girolamo, o objetivo é chegar no patamar de evolução do mercado americano futuramente. A elevação de percentual do seguro deve valer para obras de maior complexidade, com contratos acima de R$ 100 milhões.

É certo que a alteração da legislação mudará a maneira de subscrever riscos de garantia no Brasil. "Hoje, o olhar é mais voltado ao balanço financeiro da empresa. Agora, olharemos mais sua expertise e a viabilidade daquele projeto", completa Smith, da Tokio Marine. Ainda que a revisão da lei seja bem recebida pelo mercado por praticamente criar um novo nicho de seguro garantia no Brasil, aumentar a possibilidade de que as obras públicas não sejam interrompidas e impactar significativamente o volume de prêmios dessa carteira, o Projeto de Lei 559/2013 - aprovado no Senado e atualmente na Câmara dos Deputados -, traz pontos de discórdia.

Conforme o presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), João Francisco Silveira Borges da Costa, entre os pontos "que fogem do escopo do seguro" está a obrigatoriedade de a seguradora sempre terminar a obra, sob pena de multa, ao invés de pagar a indenização pelo restante do projeto. O texto também delega à seguradora a função de fiscalizar e auditar a obra garantida e diz que trabalhadores passam a ser beneficiários diretos da apólice, devendo a seguradora assumir eventuais passivos trabalhistas e previdenciários devidos pelos contratantes.

Para o mercado, há risco de "matar" uma boa ideia pela transferência de responsabilidades que não cabem às seguradoras. "O que saiu até o momento é um produto pelo qual o mercado segurador não tem interesse. Qual seguradora tem capacidade de fiscalizar uma obra? Transferiu-se o ônus do empreiteiro e do governo para o segurador", critica o CEO da Austral Seguradora, Carlos Frederico Ferreira.

Com a escassez das grandes obras públicas em anos recentes, coube a outra modalidade os méritos pelo crescimento do volume de prêmios do mercado de garantia em 2015 e 2016: a garantia judicial. Conforme dados da Susep, o volume de prêmios do seguro garantia cresceu 37,4% em 2015, para R$ 1,67 bilhão, e 22,1% em 2016, para R$ 2,04 bilhões. Hoje, mais de 60% do volume de prêmios se refere às garantias judiciais, calculou a corretora Marsh a pedido do Valor. Para 2017, a estimativa é que a carteira movimente R$ 2,5 bilhões.

A popularização do produto é explicada pela maior atratividade frente às modalidades de caução tradicionais, como a fiança bancária. As empresas não precisam imobilizar patrimônio e o seguro também não consome o limite de crédito junto aos bancos. O apelo financeiro turbinou a demanda e diversificou os setores contratantes. "Todos os segmentos têm demandado fortemente a garantia judicial, com destaque para varejo, bancos, farmacêuticas, educação, siderurgia e frigoríficos", diz Luis Nagamine, líder de subscrição da Chubb Brasil.

A modalidade foi beneficiada com a equivalência à caução em dinheiro pela Lei de Execução Fiscal (Lei 13.043/2014). Em 2016, o novo Código de Processo Civil equiparou o seguro à caução em dinheiro e à fiança bancária, permitindo que a penhora já realizada em dinheiro seja substituída pelo seguro em processos cíveis, tributários e trabalhistas.

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