Se os proprietários de veículos serão indenizados por danos causados, os de imóveis não terão a mesma sorte

Antonio Penteado Mendonça* - O Estado de S. Paulo 

Dia 10 de fevereiro de 2020 é um bom exemplo do que as mudanças climáticas podem fazer. Foi a maior precipitação de chuva dos últimos 37 anos. Em 24 horas, caiu mais de 114 milímetros de água. E desde o começo de fevereiro este patamar atingiu impressionantes 300 milímetros. 

Traduzindo estes números para algo mais fácil de explicar, 114 milímetros de água correspondem a 11,4 centímetros de lâmina d’água contínua espalhada por toda a região metropolitana. Se uma pessoa estivesse andando pela rua, com os pés dentro da enxurrada, a água chegaria na sua canela. 

Graças a Deus, não houve vítimas fatais, mas os danos materiais são muito elevados e atingem principalmente milhares de pessoas que tiveram suas casas invadidas pelas águas em quase todas as regiões da Grande São Paulo. 

A chuva começou na tarde do dia 9, domingo, e se espalhou ao longo da segunda-feira, atingindo a capital e as cidades em volta com uma incrível quantidade de água. Foram mais de 133 pontos de alagamento, 66 dos quais ficaram intransitáveis por boa parte do dia.

A cidade praticamente parou. O trânsito, normalmente complicado nas segundas-feiras, no dia 10 ficou caótico, em função dos pontos de alagamento nas marginais do Tietê e do Pinheiros, as duas vias que balizam o trânsito da cidade, alimentando, ou recebendo, o tráfego das outras ruas e avenidas. 

Os moradores do Butantã não conseguiram sair de casa, a Cidade Universitária ficou com suas avenidas completamente alagadas, os aviões no Campo de Marte ficaram debaixo d’água, trens urbanos tiveram as viagens suspensas, avenidas normalmente congestionadas a partir da manhã ficaram quase vazias, com o trânsito interrompido ao longo das marginais. Centenas de ônibus ficaram parados, impedidos de seguirem suas rotas. 

Outras regiões da capital sofreram danos e transtornos tão sérios como estes e algumas cidades em volta sofreram ainda mais, castigadas pela chuva que caiu incessantemente ao longo daquele dia. 

Difícil calcular o número de veículos danificados pelas águas, mas aqui tem uma boa notícia: os veículos protegidos por seguros compreensivos, ou seguros totais, aqueles com cobertura para colisão, incêndio e roubo, têm cobertura para os danos causados pela água, além de outras como granizo, queda de árvore, queda de imóveis, etc. 

As seguradoras estão preparadas para o aumento dos sinistros causados pelas tempestades e chuvas nos meses de verão. Não há nada de novo para elas, apenas este começo de fevereiro está com precipitação pluviométrica mais forte. 

Mas se os proprietários de veículos serão indenizados, os danos causados aos imóveis de todas as naturezas e seus conteúdos não terão a mesma sorte. O Brasil tem muito pouco seguro patrimonial para danos que são causados pelas águas. 

As razões para isso são complexas e passam por duas vertentes, que se complementam e levam à quase que absoluta ausência de proteção para este tipo de risco no País. A primeira é a pouca familiaridade com seguros por grande parte da população brasileira. A segunda, a anti-seleção de riscos, consequente de apenas uma parcela minoritária da sociedade contratar seguros.  

O Brasil é um país pobre, no qual perto de cem milhões de pessoas vivem com até um salário mínimo mensal. Além disso, o nível escolar não é alto. A soma destas duas peculiaridades leva a uma sociedade com pouca proximidade com as noções básicas de educação financeira.

De outro lado, como o seguro é contratado por uma minoria, riscos decorrentes dos danos causados pela água seriam segurados apenas por pessoas concentradas em poucas regiões, nas quais estes eventos seriam quase certos, ou seja, não seria possível a constituição de um mútuo formado por segurados espalhados pelo País.

Essa situação precisa mudar. O governo tem que oferecer seguros com garantias amplas através dos cartões do Bolsa Família e as seguradoras precisam rever seus estudos para oferecer seguro patrimonial com garantia para enchentes – inundações e alagamentos – para quem pode contratá-lo.

*É SÓCIO DA PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS