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Seguradoras discutem o cliente do futuro

Fonte: O Globo

Congresso do setor debate produtos, estratégia de comunicação e modelos de regulação para incluir novos consumidores

Luciana Casemiro

A saída de 20 milhões de brasileiros da linha de pobreza está revolucionando a economia do país. Esses novos consumidores estão no centro da atenção de vários setores, inclusive o de seguros. Mas novos consumidores trazem novos problemas. De 2009 para 2010, aumentou em 34% o número de queixas sobre o setor enviadas a esta seção. Este ano, a maior parte das 125 reclamações encaminhadas até agora (66%) diz respeito a serviços mal prestados e pedidos de esclarecimentos. É justamente "O consumidor do futuro" o tema da 5ª Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada, Saúde Suplementar e Capitalização (Conseguro), que acontece nos dias 8 e 9 de junho, em Brasília. A ideia é discutir cenários, regulação, novos produtos e como descomplicá-los para esses novos clientes.

- Esse consumidor de amanhã terá outro modo de vida, a sociedade está mudando. Queremos enxergar essas mudanças, entender o que o consumidor quer e fazer com que ele nos entenda. O empresário consciente sabe que comunicar não é simples e que seu negócio depende disso. Estamos trabalhando nessa direção com a Susep (órgão regulador), estudando a adoção de resumos, glossários, simplificação de contratos e a modelagem mais adequada para microsseguros para esse novo público - explica Solange Beatriz Palheiro Mendes, diretora-executiva da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg).

Treinamento de vendedores e educação financeira estão nos planos das empresas

Segundo Solange, os empresários estão conscientes de que a informação clara e ostensiva é, sem dúvida, o maior desafio do setor. O fato de o varejo ser a porta de entrada desses novos consumidores no ramo de seguros, no entanto, é um complicador, na avaliação de Renata Reis, técnica do Procon-SP.

- O consumidor sai de casa para comprar uma geladeira e acaba lidando com várias negociações diferentes: em primeiro lugar, a compra do produto; em segundo, se não tiver dinheiro para pagar à vista, com o financiamento; em terceiro, garantia estendida; em quarto, seguro-desemprego; e algumas vezes, até com uma quinta operação, uma capitalização. Isso é diferente de quando você vai fazer um seguro de vida, pesquisa, conversa com amigos, vai a um órgão de defesa do consumidor para avaliar o contrato. Na hora de comprar a geladeira, você precisa do produto e não pode voltar depois, e o vendedor, que é comissionado, treinado para vender a geladeira, bater meta, não explica o funcionamento do seguro. Já tivemos casos aqui de seguro-desemprego incluído em prestação de aposentado - conta Renata.

Treinamento de vendedores é uma das estratégias que o mercado estuda para melhorar a comunicação com o consumidor. Outra é educação financeira, com o projeto Estou Seguro, concebido a partir de um convite da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a importância do seguro como instrumento de organização financeira. Para conhecer melhor esse novo mercado, a CNSeg realizou um levantamento nas comunidades Santa Marta, Chapéu Mangueira e Babilônia, no Rio, entre março e outubro de 2010. Segundo a pesquisa, os produtos de maior interesse para os moradores locais são seguro de vida, funeral, saúde, automóvel, motocicleta, residencial, acidentes pessoais e desemprego. O estudo mostrou ainda que 21,6% dos moradores dessas comunidades têm algum tipo de seguro, sendo 45% destes pagos pelo empregador. Risco de incapacidade física, desemprego e acidente foram apontados como as principais preocupações dos entrevistados.

Em diagnóstico do setor realizado pelo Centre for Financial Regulation and Inclusion (Cenfri), instituição sul-africana que formula modelos de regulação financeira para inclusão social, o microsseguro (voltado à população com renda até três salários mínimos) é um importante instrumento para garantir a sustentabilidade de políticas sociais que visam à ascensão das camadas mais pobres da população. Segundo o coordenador da pesquisa, Hennie Bester, estima-se que 33 milhões de pessoas tenham entrado no mercado brasileiro de seguros.

- Essas pessoas (que saíram da linha de pobreza) estão gastando mais e contraindo dívidas, mas não estão poupando. Ou seja, esses ganhos estão em risco e, se esse grupo não começar a usar serviços do mercado financeiro agora para garantir suas conquistas, continuará recorrendo a programas como Bolsa Família para se manter, principalmente na aposentadoria - avalia Bester.

Nos últimos dois anos, o mercado de seguro registrou um crescimento forte, de 10,4% em 2009 e de 14,2% em 2010, percentual em que estão todas as modalidades de seguro, incluindo o de saúde.

Para Procon-SP, o mais importante é a informação dada na hora da venda

Nos dois dias da conferência, especialistas nacionais e internacionais debaterão, em 12 painéis, cenários futuros para essa nova realidade. A discussão não ficará restrita aos seguros populares e ao envelhecimento da população: seguros de garantia e a questão do meio ambiente, com seguros contra catástrofes, também entrarão na pauta. Solange ressalta que isso já pode ser visto, quando se considera as enchentes no Vale do Itajaí ou o estrago feito pelas chuvas na Região Serrana do Rio. Mas a ideia, assegura o coordenador do evento, Pedro Bulcão, é pensar o setor e o consumidor daqui a 15 ou 25 anos.

- A regulação, por exemplo, deveria incorporar nos seus objetivos o impacto que as regras causam no dia a dia do consumidor. Hoje, num seguro de vida, pelo qual se paga R$15 por mês, o consumidor está arcando com análises desnecessárias, como, por exemplo, se é uma pessoa envolvida com políticos ou se há risco de a operação ser uma lavagem de dinheiro. Há outras questões maiores, como exigência de reserva de capital das empresas, o que leva à concentração de mercado, menos alternativas para o consumidor e preços mais elevados. O Brasil está se transformando, precisamos repensar o modelo - destaca Bulcão.

A Proteste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor foi a primeira entidade do segmento a se inscrever na conferência. Gisele Rodrigues, técnica de seguros da Proteste, diz que o produto é estratégico para o consumidor, ainda mais com a mudança do perfil da sociedade, que vem envelhecendo:

- Queremos saber como o mercado está vendo o consumidor, o que pretende ofertar. O principal obstáculo do seguro é o juridiquês. Um contrato de seguro de casa e de carro é enorme, as cláusulas são muito técnicas. É preciso entender a importância do seguro, como ele funciona, como e quando se tem direito a ele e o que o leva à perda da cobertura. Campanhas e cartilhas são bem-vindas.

Já Renata, do Procon-SP, apesar de considerar a simplificação do contrato e materiais de apoio importantes, defende que o fundamental é a prática na hora da venda:

- Melhorar o contrato, fazer cartilhas não resolve. Na hora da venda, o consumidor está olhando nos olhos do vendedor e acreditando no que ele diz. Por isso, estamos mais atentos às práticas, em como essa oferta está sendo feita, o que foi informado e o que se deixou de informar. Esse consumidor novo é a galinha dos ovos de ouro. Ele precisa entender sua importância e exigir que as empresas falem sua língua.

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